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O livro do Apocalipse e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Revelation

Introdução: Compreendendo o livro do Apocalipse

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O livro de Apocalipse fornece alguns dos insights mais perspicazes das Escrituras sobre o “quadro geral” do trabalho. No entanto, é um osso duro de roer, não apenas por sua dificuldade intrínseca, mas pela miríade de interpretações surgidas em torno do livro. Não podemos esperar resolver esses problemas aqui, mas podemos (talvez) encontrar base comum suficiente para colher insights do último livro da Bíblia.

Talvez a maior lacuna de interpretação seja entre aqueles que veem o livro principalmente como algo futuro, abordando o fim absoluto da história a partir do capítulo 6, e aqueles que veem a maior parte do livro como algo relacionado a eventos da época em que João escreveu (geralmente vistos como o final do século 1 d.C.). A boa notícia é que intérpretes responsáveis ​​que defendem a visão “futurista” reconhecem que os eventos no futuro são modelados na obra de Deus, no passado, principalmente na criação e no êxodo do Egito. Da mesma forma, mesmo aqueles que interpretam o livro principalmente do ponto de vista do século 1 reconhecem que ele fala sobre o futuro final (por exemplo, a Nova Jerusalém). Por isso, ninguém deve se opor a encontrar verdades espirituais duradouras nas imagens do livro, nem a ver uma orientação significativa para o futuro nas promessas nele contidas.

O reino de Deus está próximo (Ap 1)

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Antes mesmo do surgimento de alguns versículos do livro de Apocalipse, João diz algo que pode parecer minar uma teologia robusta do trabalho: “O tempo está próximo”. Alguns entendem que isso significa que João achava que Jesus voltaria enquanto ele ainda estivesse vivo, e que ele não havia entendido; outros acreditam significar que, uma vez iniciados os eventos do fim dos tempos, eles ocorrerão rapidamente. Nenhum deles se encaixa bem com o restante do Novo Testamento, uma vez que está claro que, em certo sentido, o “fim dos tempos” começa com a morte e a ressurreição de Jesus (ver Hb 1.1; 1Co 10.11; At 2.17). Portanto, é melhor entender “o tempo está próximo” significando “o reino de Deus está diante de você!” com a pergunta implícita: “Como, então, você vai viver?” As aparentes certezas da vida devem ser vistas como algo que se contrapõe ao reino de Deus, que já está irrompendo no mundo.

Isso traz profundas consequências para nossa visão de trabalho. Embora haja muito nas Escrituras que elogie o trabalho, nada no atual estado de coisas deve ser visto como absoluto. Como veremos, embora o trabalho realizado com fidelidade para a glória de Deus tenha valor duradouro, sempre se devem permitir a Deus a primeira e a última palavra. Viver à luz de seus valores é fundamental; não pode haver acordo com o sistema mundial e seus caminhos idólatras.

As sete igrejas do Apocalipse (Ap 2—3)

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As mensagens às sete igrejas enfatizam a importância das obras na vida cristã e, portanto, contribuem indiretamente para a compreensão adequada do trabalho em geral. As mensagens para várias igrejas começam: “Conheço as suas obras...”. Éfeso é repreendida por não realizar as obras que praticava no princípio (Ap 2.5), e Sardes, da mesma forma, não completou a obra que deveria ter feito por Jesus (Ap 3.2).

Vale a pena repetir que “obras” não são algo ruim na Bíblia. Antes, são a expressão concreta de nosso amor por Deus. O mito de que Deus só se importa com nosso coração e nossos sentimentos é uma das principais razões da pouca atenção que o trabalho em geral tem recebido em alguns círculos protestantes.

Há indícios de que o notório mundanismo da igreja de Laodiceia se evidenciava em sua visão de trabalho e economia. Quando Jesus aconselha esses crentes a comprarem dele ouro refinado no fogo, roupas brancas para esconder sua nudez e bálsamo para curar seus olhos, ele provavelmente está jogando com três das principais indústrias de Laodiceia: bancos, lã e oftalmologia. Parece provável que os laodicenses presumissem que os recursos disponíveis em sua cultura eram tudo o que precisavam na vida. As igrejas, especialmente em países prósperos, devem reconhecer que a abundância material muitas vezes pode mascarar a pobreza espiritual. O sucesso no trabalho nunca deve nos levar a um senso de autossuficiência.

A sala do trono de Deus (Ap 4 e 5)

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A visão de João nos capítulos 4 e 5 está no cerne do Apocalipse. É, em essência, uma visualização do Pai Nosso: “Venha o teu reino; seja feita a tua vontade na terra como no céu”. Por meio do testemunho fiel de Jesus e de sua morte sacrificial, o reino de Deus virá.

Podemos destacar do capítulo 4 que Deus é louvado precisamente como criador de todas as coisas (especialmente Ap 4.11; cf. Ap 14.7, onde a essência das “boas-novas” é adorar “aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas”). O mundo visível não é uma reflexão tardia ou mero prelúdio para o céu, mas a expressão da glória de Deus e a base sobre a qual suas criaturas podem louvá-lo. Mais uma vez, isso é fundamental para compreender adequadamente o trabalho. Se o mundo é apenas uma ilusão que nos separa da vida real do céu, o trabalho nele será necessariamente visto mais ou menos como uma completa perda de tempo. Se, em contrapartida, o mundo é a boa criação de Deus, as perspectivas de um trabalho significativo se tornam mais esperançosas. Embora devamos lembrar que o mundo sempre depende de Deus, e que a atual ordem mundial está sujeita a consideráveis ​​abalos, é igualmente importante lembrar que o mundo, como criação de Deus, permanece significativamente em sua presença e é projetado para seu louvor. No capítulo 5, vale a pena notar a esse respeito que a redenção assegurada por Cristo, que permite que o reino de Deus avance, é desencadeada pela obra de Cristo na criação visível. Como observa Jacques Ellul, a recepção do reino por Jesus é baseada em seu trabalho na terra: “O evento terrestre provoca o evento celestial [...]. O que acontece no mundo divino é definido, determinado, provocado pela aventura de Jesus sobre a terra”. [1]

Desastre e libertação do fim dos tempos (Ap 6—16)

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O plano de Deus para o avanço de seu reino, no entanto, toma um rumo surpreendente: antes da libertação vem o desastre. No entanto, talvez não seja tão surpreendente assim. Os capítulos 6 a 16 lembram muito o episódio paradigmático da libertação de seu povo por Deus, o êxodo do Egito. Água se transformando em sangue, pragas de gafanhotos, escurecimento dos corpos celestes — tudo isso indica que Deus está causando o êxodo do fim dos tempos de seu povo, dos faraós que o oprimem. Mais uma vez, o fato de acharmos que isso ocorreu em grande parte nos dias de João ou se ocorrerá em algum momento no futuro não elimina o ponto básico. Os caminhos de Deus são consistentes de geração em geração; os padrões da história se repetem à medida que Deus abre caminho em direção aos novos céus e à nova terra. [1]

A importância disso para o trabalho é profunda. Tomemos os conhecidos quatro cavaleiros do Apocalipse (Ap 6). É geralmente aceito que eles representam a guerra e suas consequências devastadoras de morte, fome e peste. [2] É especialmente interessante para nós o aviso em 6.6: “Ouvi o que parecia uma voz entre as quatro criaturas viventes, dizendo: ‘Um quilograma de trigo por um denário e três de cevada por um denário, e não danifique o azeite e o vinho!’”. Embora o aviso sobre o azeite e o vinho seja obscuro (pode significar que o julgamento é apenas parcial [3]), os preços do trigo e da cevada estão claramente inflacionados (Aune diz que é 8 vezes o preço normal do trigo e 5,3 vezes o preço normal da cevada). [4]

Embora possa tratar-se de alguma devastação futura, o ciclo é muito familiar a todas as gerações — a incapacidade da humanidade de conviver pacificamente leva a terríveis consequências econômicas. Visto que os cristãos são apanhados por esses sofrimentos (veja o quinto selo, Ap 6.9-11), devemos encarar o fato de que o trabalho e o ambiente de trabalho estão frequentemente sujeitos a forças além do nosso controle. No entanto, por mais terríveis que essas forças possam ser, outra mensagem de Apocalipse 6 nos diz que elas estão sob o controle de Deus. Na medida de nossa capacidade, devemos nos esforçar para criar ambientes de trabalho em que a justiça seja mantida e as pessoas possam experimentar a bênção de desenvolver os dons que Deus lhes deu. Mas devemos reconhecer igualmente que a providência de Deus permite que catástrofes também entrem em nossa vida. Apocalipse nos encoraja a olhar para o destino final da Nova Jerusalém no meio de um caminho muitas vezes acidentado.

Talvez também haja implícito em 6.6 o desafio de evitar a exploração dos vulneráveis em tempos de necessidade. As realidades econômicas podem exigir aumentos de preços em uma crise, mas isso não é desculpa para lucrar com a miséria dos outros.

Os juízos da taça nos capítulos 8 e 9 ensinam uma lição semelhante, embora aqui a ênfase esteja no desastre ambiental. Dado que a mecânica precisa não é mencionada, a devastação ecológica poderia talvez envolver tanto a poluição causada pelo ser humano, como fenômenos mais abertamente sobrenaturais. A chave é que Deus atinge o mundo no que diz respeito a sua capacidade de nutrir a humanidade idólatra. Isso é feito não apenas para punir, mas também para despertar as pessoas para o fato de que a terra é tão de Deus quanto o céu. Não podemos projetar nossa saída da presença de Deus. Não podemos manipular o ambiente para servir de abrigo contra ele.

À medida que Apocalipse avança, a ênfase muda dos juízos de Deus sobre o mundo para o testemunho fiel de seu povo sob o reinado da Besta (que pode ser um único governante idólatra no final da história, ou o arquétipo de todos esses governantes idólatras). É (deliberadamente) irônico que os fiéis “vencedores” (Ap 2—3) estejam em um nível “vencidos” pela Besta (Ap 13.7), embora sejam, em última análise, justificados por Deus (Ap 11.11). O sofrimento dos santos inclui sofrimento econômico: aqueles que recusam a notória “marca” da Besta não podem “comprar nem vender” (Ap 13.17). As analogias com a “marca” de Ezequiel 9 sugerem que a marca da Besta é um símbolo de adesão ao sistema idólatra (romano?) (“666” pode traduzir “Nero César”, o mau imperador consumado). Mas, mesmo que se adote uma visão mais literal e futurista, a lição espiritual é clara: a recusa em seguir o sistema mundial de falsa adoração às vezes pode levar a consequências econômicas negativas para os fiéis. E pode acontecer em maior ou menor grau em qualquer sociedade. [5] João não está contrariando o fato de que seguir os caminhos de Deus pode levar a consequências econômicas positivas (como é claramente ensinado em Provérbios, por exemplo). Mas, de acordo com o restante de Apocalipse, ele está dizendo que as forças do mal — embora estejam, em última análise, sob o controle de Deus — podem distorcer as coisas de tal forma que o que deveria levar à bênção, leva, em vez disso, ao sofrimento. Os cristãos devem sempre decidir fazer o que é certo e honroso perante Deus, tendo em mente que isso pode levar à perda de oportunidades econômicas. O julgamento sobre os idólatras é certo, e não vale a pena investir nenhum ganho financeiro naqueles que se opõem a Deus. É por isso que os seguidores da Besta do capítulo 13 são imediatamente comparados com os 144.000 do capítulo 14: “Mentira nenhuma foi encontrada na boca deles” (Ap 14.5). Eles mantêm seu testemunho fiel e verdadeiro de Deus, independentemente dos acontecimentos.

Babilônia e a Nova Jerusalém: Um conto de duas cidades (Ap 17—22)

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Os insights mais importantes do livro de Apocalipse sobre o trabalho estão nos capítulos finais, em que a cidade mundana da Babilônia é confrontada com a cidade de Deus, a Nova Jerusalém. As introduções das cidades em 17.1 e 21.9 são colocadas em claro paralelo:

“Venha, e mostrarei a você o julgamento da grande prostituta que está sentada sobre muitas águas.”
“Venha, eu mostrarei a você a noiva, a esposa do Cordeiro.”

A Babilônia representa o beco sem saída da tentativa da humanidade de construir sua cultura separadamente de Deus. Tem toda a aparência de ser o paraíso pelo qual a humanidade sempre ansiou. Não é coincidência que seu ouro e suas joias lembrem os da Nova Jerusalém (Ap 17.4). Como a Nova Jerusalém, a Babilônia exerce autoridade sobre as nações e recebe suas riquezas (observe as referências aos “negociantes da terra” em Ap 18.3 e o lamento dos negociantes do mar em Ap 18.15-19).

Mas, na verdade, trata-se de uma falsificação, condenada a ser exposta por Deus no juízo final. Especialmente instrutiva é a lista de carga em Apocalipse 18.11-13 (veja Bauckham , “Economic Critique ”, [1] que descreve os bens de luxo que fluem para a Babilônia). A lista tem como modelo Ezequiel 27.12-22 e a queda de Tiro, mas foi atualizada para incluir os bens de luxo populares em Roma nos dias de João.

Os negociantes da terra chorarão e se lamentarão por causa dela, porque ninguém mais compra a mercadoria deles: cargas de ouro, de prata, de pedras preciosas e de pérolas; de linho fino, de púrpura, de seda e de tecido escarlate; todo tipo de madeira aromática e peças de marfim, de madeira preciosa, de bronze, de ferro e de mármore; canela e outras especiarias, incenso, mirra e perfumes; vinho e azeite de oliva, farinha fina e trigo; bois e ovelhas, cavalos e carruagens, e até seres humanos vendidos como escravos.

A nota final sobre “escravos” provavelmente está relacionada ao tráfico de escravos, e é o prego final no caixão do império explorador da Babilônia: ela não se deterá por nada, nem mesmo no tráfico humano, em busca de autoindulgência sensual.

A lição de que Deus julgaria uma cidade por suas práticas econômicas é uma ideia preocupante. A economia é claramente uma questão moral no livro de Apocalipse. O fato de que grande parte da condenação parece resultar de sua autocomplacência deve atingir com força particular a cultura de consumo moderna, em que a busca constante por mais e melhor pode levar a um enfoque míope na satisfação de necessidades materiais reais ou imaginárias. Mas o mais preocupante de tudo é a Babilônia parecer tão perto da Nova Jerusalém. Deus criou um mundo bom; devemos aproveitar a vida; Deus se deleita nas coisas belas da terra. Se o sistema mundial se mostrasse claramente como uma fossa, a tentação dos cristãos de cair em suas seduções seria pequena. São precisamente os benefícios genuínos do avanço tecnológico e das extensas redes de comércio que constituem o perigo. Babilônia promete todas as glórias do Éden, sem a presença intrusiva de Deus. Lenta, mas inexoravelmente, distorce as boas dádivas de Deus — intercâmbio econômico, abundância agrícola, habilidade diligente — a serviço de falsos deuses.

A essa altura, é possível perceber que qualquer participação na economia mundial — ou mesmo em qualquer economia local — deve estar tão repleta de idolatria que a única solução é retirar-se completamente e viver sozinho no deserto. Mas Apocalipse oferece uma visão alternativa da vida juntos: a Nova Jerusalém. Esta é a cidade “que descia dos céus” e, como tal, é a representação consumada da graça de Deus. Isso contrasta fortemente com a monstruosidade da Babilônia. [2]

Em certo nível, a Nova Jerusalém é um retorno ao Éden — há um rio que flui em seu meio, com a árvore da vida, com ramos carregados de frutos e folhas para a cura das nações (Ap 22.2). A humanidade pode mais uma vez andar em paz com Deus. De fato, ultrapassa o Éden, já que a própria glória do Senhor fornece a iluminação para a cidade (Ap 22.5).

Mas a Nova Jerusalém não é simplesmente um jardim novo e melhor: é uma cidade -jardim, o ideal urbano que forma o contrapeso da Babilônia. Por exemplo, ainda há participação humana significativa na vida da cidade celestial que vem à Terra. O ponto central disso, claro, é a adoração que as pessoas prestam a Deus e ao Cordeiro. Mas parece haver mais do que isso na nota que afirma que “a glória e a honra das nações lhe serão trazidas” (Ap 21.24-26). No mundo antigo, era desejável construir um templo com os melhores materiais de todo o mundo; foi o que Salomão fez pelo templo em Jerusalém. Mais que isso, as pessoas traziam presentes de toda parte para adornar o templo após sua conclusão. É provável que a imagem de reis trazendo seus presentes para a Nova Jerusalém flua desse pano de fundo. Não parece muito difícil imaginar que esses dons são produtos da cultura humana, agora devotada à glória de Deus. [3]

Também devemos considerar as implicações das visões do Antigo Testamento sobre o futuro, visto como uma continuidade significativa da vida atual. Isaías 65, por exemplo, é um texto de base crítico para Apocalipse 21-22 e fornece seu ensinamento fundamental: “Criarei novos céus e nova terra, e as coisas passadas não serão lembradas. Jamais virão à mente!” (cf. Ap 21.1). No entanto, esse mesmo capítulo se refere às bênçãos futuras do povo de Deus: “Construirão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão do seu fruto. Já não construirão casas para que outros ocupem nem plantarão para que outros comam. Porque o meu povo terá vida longa como as árvores; os meus escolhidos esbanjarão o fruto do seu trabalho” (Is 65.21-22). Podemos certamente argumentar que Isaías está apontando, de maneira adequada ao seu tempo, para algo muito maior do que a mera abundância agrícola — mas dificilmente pode apontar para menos. No entanto menos é exatamente o que em geral é oferecido em uma visão do “céu”, que consiste em nada mais do que nuvens, harpas e mantos brancos.

Analisar precisamente como isso funciona não é fácil. Ainda haverá agricultura nos novos céus e na nova terra? O software 1.0 de um programador de computador piedoso será condenado às chamas, enquanto a versão 2.0 entrará na cidade celestial? A Bíblia não responde a esse tipo de pergunta diretamente, mas podemos, mais uma vez, olhar para o quadro geral. Deus criou os seres humanos para exercer domínio sobre a terra, o que envolve criatividade. Seria sensato que um Deus assim ignorasse e considerasse inútil o trabalho realizado com fé, deixando-o de lado? Em suma, parece muito mais provável que ele o elevasse e aperfeiçoasse tudo o que é feito para sua glória. Da mesma forma, a visão profética do futuro prevê pessoas engajadas em atividades significativas na criação. Uma vez que Deus não entra em detalhes sobre como funciona essa transferência de produtos do mundo atual para o novo mundo, ou que coisas podemos fazer no futuro, só podemos adivinhar o real significado disso. Entretanto, significa que podemos ser “ sempre dedicados à obra do Senhor, pois [nós sabemos] que, no Senhor, o [nosso] trabalho [...] não é inútil” (1Co 15.58). [4]

O significado de Apocalipse para nosso trabalho

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O que tudo isso significa para a vida cotidiana no ambiente de trabalho? Apocalipse não fornece instruções detalhadas sobre as melhores práticas no trabalho, mas fornece algumas diretrizes importantes, especialmente no que diz respeito a questões gerais. Baixar a cabeça, fazer o trabalho e cuidar da nossa vida não é suficiente. Temos de ter alguma noção do rumo das coisas e por que fazemos o que fazemos.

Quanto maior a posição de autoridade, maior sua responsabilidade de cuidar que a organização seja direcionada para fins que glorifiquem a Deus e que isso seja realizado de maneira que expresse amor ao próximo. Contrariamente à natureza exploradora da Babilônia, os negócios cristãos devem se esforçar pelo benefício mútuo: uma troca justa de bens e serviços, um tratamento justo para os trabalhadores e uma visão voltada para o bem, a longo prazo, das pessoas e das sociedades parceiras no empreendimento.

Embora a maioria dos ambientes de trabalho hoje não seja formal ou informalmente afiliada a deuses pagãos (como costumavam ser no mundo antigo), formas mais sutis de idolatria podem se infiltrar inadvertidamente. Um análogo contemporâneo da Babilônia bíblica seria uma empresa que vê o próprio lucro e continuidade como os objetivos finais de sua existência (com talvez o CEO no trono cósmico!). Devemos sempre lembrar que tudo na vida está aberto a Deus e sujeito a sua aprovação ou desaprovação. A aniquilação da Babilônia serve como um lembrete sombrio de que Deus não se deixa escarnecer e que isso vale tanto para nossas relações no local de trabalho quanto para as preocupações religiosas.

Em última análise, essas lealdades se revelam em ações. Aqueles que se comprometem com o caminho de Jesus devem se esforçar para exibir uma ética irrepreensível. Os santos têm necessidade permanente do perdão disponibilizado pelo sangue de Jesus e são chamados a imitar seu testemunho memorável em sua vida cotidiana.

Mas é apropriado concluir com a visão positiva da Nova Jerusalém. Embora haja necessariamente uma ruptura radical entre o mundo de agora e o novo mundo, há também um forte senso de continuidade entre ambos. Afinal, a Nova Jerusalém ainda é a Nova Jerusalém. Ela compartilha coisas com a cidade terrena; na verdade, ela pode ser vista, em certo nível, como a consumação de tudo o que a Jerusalém terrena almejava ser. Da mesma forma, nosso futuro é, em última análise, um dom de Deus. No entanto, nos mistérios de sua bondade criativa, nossas obras permanecerão (Ap 14.13) — certamente nossas obras de bondade e nossa adoração a Deus e também as obras de nossas mãos.