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Gálatas, Efésios, Filipenses e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Galatians bible commentary

Visão geral de Gálatas, Efésios, Filipenses e o trabalho

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Gálatas, Efésios e Filipenses são três livros curtos, porém ricos, entre as cartas de Paulo no Novo Testamento. Por sua brevidade, foi combinada em um único capítulo sua contribuição para a teologia do trabalho. No entanto, as três cartas apresentam temas distintos entre si, e cada carta será explorada individualmente.

Gálatas e o trabalho

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Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor. (Gl 5.13)

Introdução a Gálatas

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De que forma vivemos como crentes em Jesus Cristo? Se a vida cristã começa quando depositamos nossa fé em Cristo como Salvador e Senhor, como expressamos essa fé na vida diária, incluindo no trabalho?

Para muitos de nós, a resposta a essas perguntas reside na ordenação de nosso comportamento de acordo com certas regras básicas. Assim, por exemplo, quando se trata do local de trabalho, podemos adotar a seguinte lista de tarefas: (1) Mostre respeito aos colegas. (2) Não use linguagem imprópria. (3) Não fofoque. (4) Guie-se por valores bíblicos ao tomar decisões. e (5) Fale da fé em Cristo, se possível. Ainda que essa lista pudesse ser muito mais longa, já contém orientações valiosas que refletem as prioridades bíblicas.

Mas há nela um perigo para os cristãos, seja no trabalho seja em qualquer outro lugar. É o perigo do legalismo, de transformar a vida cristã em um conjunto de regras, em vez de em nossa livre resposta à graça de Deus em Cristo e em uma rede de relacionamentos centrados em Cristo. Além disso, aqueles que abordam a vida cristã de forma legalista geralmente tendem a colocar em sua lista de tarefas itens não essenciais ou talvez até incorretos.

Paulo e os Gálatas

Foi exatamente o que aconteceu com os crentes na Galácia, em meados do primeiro século. Em resposta à pregação do apóstolo Paulo, eles depositaram sua fé em Cristo e começaram a viver como cristãos. Mas, em pouco tempo, começaram a moldar sua vida de acordo com uma lista do que se devia e não se devia fazer. Nesse esforço, os gálatas foram influenciados por pessoas de fora que afirmavam ser cristãs e que insistiam que a vida cristã exigia guardar a Lei de Moisés, conforme entendida por certas escolas contemporâneas de pensamento. Em particular, esses “judaizantes” estavam persuadindo os gálatas a viverem como judeus em questões de circuncisão (Gl 5.2-12 ) e da lei cerimonial (Gl 4.10).

Paulo escreveu a carta que chamamos de “Gálatas” para redirecionar os cristãos da Galácia no caminho certo. Embora ele não tenha abordado diretamente as questões do trabalho, suas instruções básicas sobre a natureza da vida cristã falam incisivamente sobre nossos interesses na fé e no trabalho. Além disso, Gálatas contém imagens relacionadas ao trabalho, especialmente extraídas da prática da escravidão no primeiro século. Os cristãos, de acordo com Paulo, devem viver em liberdade, não em escravidão à lei de Moisés e a outros poderes terrenos (Gl 4.1-11). No entanto, ironicamente, aqueles que exercem sua liberdade em Cristo devem escolher servir “uns aos outros mediante o amor” (Gl 5.13).

Estudiosos da Bíblia concordam quase unanimemente que Gálatas foi escrito pelo apóstolo Paulo em algum momento entre 49 e 58 d.C. para um grupo de igrejas na província romana da Galácia, no que hoje é o centro da Turquia. [1]

Paulo estava escrevendo para igrejas que havia fundado quando da pregação das boas-novas de Jesus Cristo. Essas igrejas existiam em um ambiente cultural e religiosamente diverso e vinham sofrendo influência dos judaizantes (cristãos judeus que argumentavam que todos os cristãos deveriam guardar completamente a Lei se quisessem experimentar a vida cristã plena).

Em sua resposta aos gálatas e aos judaizantes, que os vinham corrompendo, Paulo ressalta a liberdade tida em Cristo. Aplicada ao trabalho, a carta aos Gálatas nos ajuda a entender o trabalho e a nos envolver nele com a liberdade essencial para o evangelho de Jesus Cristo.

Depois de se apresentar, Paulo saúda os gálatas, referindo-se a Cristo como aquele “que se entregou a si mesmo por nossos pecados a fim de nos resgatar desta presente era perversa” (Gl 1.4), e assim introduzindo o tema da liberdade, central para a carta aos Gálatas e para a vida como crentes em Jesus.

Compreendendo a vida em Cristo (Gl 1.6—4.31)

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Paulo começa identificando o problema entre os gálatas. Eles estão seguindo “outro evangelho” (Gl 1.6), que requer que os gentios vivam “como judeus” (Gl 2.14). A fim de mostrar que esse “evangelho” não é realmente o evangelho — isto é, as boas-novas —, Paulo apresenta uma variedade de argumentos, incluindo sua autobiografia (Gl 1.10—2.21), o recebimento do Espírito por meio da fé (Gl 3.1-5), a descendência de Abraão por meio da fé (Gl 3.6-29), a analogia de escravos e filhos (Gl 4.1-11), um apelo pessoal e emocional (Gl 4.12-20) e a alegoria da escrava e da mulher livre (Gl 4.21-31).

Em vários pontos dos capítulos 1—4, em sua explicação da vida cristã, Paulo usa a linguagem e as imagens da escravidão para fortalecer a compreensão da vida em Cristo. A escravidão, que em Gálatas significa principalmente a ausência de liberdade, é aquela da qual os gálatas foram libertados por sua fé em Cristo. “Você já não é mais escravo, mas filho” (Gl 4.7). O desejo de seguir a Lei de Moisés, em vez de confiar na fé, é, com efeito, um retorno sem sentido ao fardo da escravidão (Gl 4.8-10). Mesmo a Lei de Moisés, quando entendida corretamente, recomenda a liberdade em vez da escravidão à própria Lei (Gl 4.21-31).

Portanto, vemos que Paulo usa imagens relativas ao trabalho (escravidão) para ilustrar um ponto espiritual sobre o legalismo religioso. No entanto, o ponto se aplica diretamente ao próprio local de trabalho. Um local de trabalho legalista — onde os chefes tentam controlar cada movimento, cada palavra, cada pensamento dos funcionários — contraria a liberdade em Cristo. Todo trabalhador deve obediência a seu superior legítimo. E toda organização deve oferecer liberdade a seus trabalhadores compatível com as verdadeiras necessidades do trabalho.

Viver em Cristo (Gl 5—6)

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Em Gálatas 5.1 encontramos o ápice do crescendo dos primeiros quatro capítulos com um chamado retumbante à liberdade. “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão.” No entanto, isso não significa que os cristãos devam fazer o que quiserem, satisfazendo os próprios desejos pecaminosos e negligenciando as pessoas ao redor. Pelo contrário, Paulo explica: “Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor” (Gl 5.13). Em Cristo, os cristãos são livres da escravidão a este mundo e a seu poder, incluindo a Lei de Moisés. No entanto, nessa liberdade, eles devem escolher, por amor, servir uns aos outros com humildade. Essa “escravidão” não é escravidão, mas um exercício paradoxal da verdadeira liberdade em Cristo.

Vida no Espírito (Gl 5.13-23)

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O Espírito de Deus, concedido aos cristãos ao crerem nas boas-novas de Cristo (Gl 3.2-5), nos ajuda a viver a fé todos os dias (Gl 5.16). Aqueles que “são guiados pelo Espírito” rejeitarão e estarão a salvo das “obras da carne”, que incluem “imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes” (Gl 5.19-21). Partes dessa lista soam muito familiares em muitos locais de trabalho — ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja. Mesmo práticas aparentemente religiosas, como idolatria e feitiçaria, têm manifestações reais no trabalho. Se somos chamados a viver no Espírito, então somos chamados a viver no Espírito também no trabalho.

Paulo nos adverte especificamente contra dar “ocasião à vontade da carne” em nome da liberdade (Gl 5.13). Em vez disso, devemos escolher servir “uns aos outros mediante o amor”. No trabalho, significa que devemos ajudar os colegas, mesmo quando estamos competindo ou em desacordo com eles. Devemos confrontar com justiça e resolver ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja (ver Mt 18.15-17 ), em vez de nutrir ressentimento. Devemos criar produtos e serviços que superem as expectativas legítimas dos clientes, porque um verdadeiro servidor busca o que é melhor para a pessoa atendida, não apenas o que é adequado.

O Espírito de Deus não é, no entanto, apenas um opositor divino que nos mantém longe de problemas. Em vez disso, o Espírito em ação nos crentes produz novas atitudes e ações. Na agricultura, o fruto é um delicioso resultado de crescimento e cultivo de longo prazo. A metáfora “fruto do Espírito” sinaliza que Deus se importa com o tipo de pessoa que estamos nos tornando, e não apenas com o que estamos fazendo hoje. Devemos cultivar “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22-23) ao longo da vida. Não temos motivos para acreditar que esse fruto se destina apenas aos relacionamentos entre os cristãos nas igrejas e famílias. Pelo contrário, assim como devemos ser guiados pelo Espírito em todas as facetas da vida, devemos demonstrar o fruto do Espírito onde quer que estejamos, incluindo onde trabalhamos. Paciência no local de trabalho, por exemplo, não quer dizer indecisão ou falha em agir com urgência em questões comerciais. Em vez disso, significa estar livre da ansiedade que nos tentaria a agir antes do momento oportuno, como demitir um subordinado em um acesso de raiva, repreender um colega antes de ouvir uma explicação, exigir uma resposta antes que o aluno tenha tempo para pensar, ou cortar o cabelo de um cliente antes de ter certeza absoluta do estilo que ele deseja. Se o fruto do Espírito parece ter pouco a ver com o trabalho, talvez tenhamos reduzido nossa percepção do que o fruto espiritual é de fato.

Trabalhar para o bem dos outros (Gl 6.1-10)

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A primeira parte de Gálatas 6 emprega uma variedade de palavras relacionadas ao trabalho para instruir os cristãos sobre como cuidar dos outros de maneira tangível. Os cristãos devem ser generosos, enquanto levam “os fardos pesados uns dos outros” (Gl 6.2). No entanto, para que não sejamos surpreendidos pelo orgulho e imaginemos que o trabalho em nome de outros justifica o trabalho ruim, os crentes devem examinar “os próprios atos” e cada um deverá levar “a própria carga” (Gl 6.4-5).

A analogia de semear e colher permite que Paulo encoraje os gálatas a se concentrarem na vida do Espírito em vez de na carne (Gl 6.7-8). Semear no Espírito envolve um esforço intencional: “Façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé” (Gl 6.10). Os cristãos devem trabalhar pelo bem comum, além de cuidar de seus irmãos na fé. Certamente, se devemos trabalhar para o bem dos outros, um lugar onde devemos fazer isso é o local de trabalho.

O centro do evangelho (Gl 6.11-18)

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Em suas observações finais, Paulo lembra aos gálatas o centro do evangelho, que é a cruz de Cristo: “Quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14).

Resumo e conclusão de Gálatas

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Em seu uso final da linguagem da crucificação (Gl 6.14), Paulo ecoa o que disse anteriormente na carta: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). Fé em Cristo não é apenas acreditar em certos fatos sobre sua vida, morte e ressurreição, mas também morrer com Cristo para que ele possa viver em nós. Essa realidade de “Cristo em nós” não desaparece quando entramos no escritório, depósito, loja e sala de reuniões. Em vez disso, ela nos exorta e nos capacita a viver para Cristo, no poder do Espírito, a cada momento, em todos os lugares.

A vida cristã se baseia na fé. Mas a fé não é um assentimento passivo à verdade do evangelho. Em vez disso, na experiência diária do cristão, a fé se torna viva e ativa. De acordo com Paulo, pode-se até dizer que a fé “atua pelo amor” (Gl 5.6). Assim, a fé em ação em nossa vida energiza ações amorosas, assim como o Espírito de Deus nos ajuda a ser mais amorosos, tanto no coração quanto nas ações (Gl 5.22). Rejeitamos a escravidão de tentar nos justificar por meio do trabalho. No entanto, quando abraçamos a liberdade em Cristo por meio da fé, o trabalho leva ao amor, à alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e ao domínio próprio. Vemos o trabalho como um contexto primário no qual podemos exercer a liberdade em Cristo, de modo a amar os outros e fazer “o bem a todos” (Gl 6.10). Se não vemos o fruto da fé no trabalho, então estamos excluindo do domínio de Cristo uma parte importante de nossa vida.

Efésios e o trabalho

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Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam. (Ef 4.1)

Introdução a Efésios

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Qual é o lugar do trabalho no esquema macro das coisas? O trabalho é apenas uma atividade da qual precisamos para nos dar bem na vida? Ou também é um lugar onde encontramos significado, cura e integração pessoal? [1] O trabalho tem um lugar no cosmos da criação de Deus? Significa algo ao lado da obra redentora de Cristo?

A carta aos Efésios conta a história da obra cósmica de Deus, começando antes da criação do mundo, continuando na obra de redenção de Cristo e levando até o momento presente e além. Ela nos atrai para esse trabalho, tanto como observadores maravilhados dos fatos narrados quanto como participantes ativos da obra de Deus.

Assim, Efésios dá uma nova perspectiva, não apenas sobre Deus, mas também sobre nós mesmos. Nossa vida, ações e, de fato, o trabalho adquirem novo significado. Vivemos de maneira diferente, adoramos de maneira diferente e trabalhamos de maneira diferente por causa do que Deus fez e está fazendo em Cristo. Fazemos o que fazemos com nossa vida, incluindo a profissional, como resposta à atividade salvífica de Deus e como cumprimento da tarefa que ele nos deu de cooperar com ele. Cada um de nós foi chamado por Deus para participar da obra de Deus no mundo (Ef 4.1).

A carta que conhecemos como “Efésios” é ao mesmo tempo semelhante a e diferente de outras cartas do Novo Testamento atribuídas ao apóstolo Paulo. É semelhante, acima de tudo, a Colossenses, com a qual compartilha temas, estruturas e até frases comuns (Ef 6.21-22; Cl 4.7-8). [2] Efésios é diferente das outras cartas paulinas em seu estilo exaltado, vocabulário distinto e em algumas de suas perspectivas teológicas. Além disso, relativamente a outras cartas de Paulo, é muito menos orientada a uma situação específica na vida de uma igreja em particular. [3] Este comentário assume a autoria de Paulo.

Em vez de concentrar-se nas necessidades de uma congregação em particular, a carta aos Efésios apresenta uma perspectiva teológica expansiva sobre a obra de Deus seja no universo seja quanto ao papel central da igreja de Jesus Cristo nela. Cada crente individualmente contribui para esse esforço eclesial como alguém que é “criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras” (Ef 2.10) e essencial para o crescimento e o ministério da igreja (Ef 4.15-16).

O grande plano de Deus: Uma visão teológica (Ef 1.1—3.21)

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A primeira metade de Efésios revela a grande narrativa da salvação de Deus para todo o cosmos. Mesmo antes “da criação do mundo”, Deus graciosamente nos escolheu em Cristo para um relacionamento com ele e para vivermos seu propósito no mundo (Ef 1.4-6). No centro desse propósito, Deus fez “convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas” (Ef 1.10). Em outras palavras, Deus restaurará todo o cosmos, uma vez quebrado pelo pecado, sob a autoridade de Cristo. O fato de Deus renovar sua criação nos lembra que este mundo — incluindo fazendas, escolas e corporações — é importante para Deus e não foi abandonado por ele.

A obra restauradora de Deus, centrada em Cristo, envolve seres humanos, seja como destinatários da graça de Deus seja como participantes de sua obra contínua de restauração repleta de graça. Somos salvos pela graça, por causa da fé, não por causa de nossas obras (Ef 2.8-9). Mas nossas obras são vitais para Deus, “porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos” (Ef 2.10). Assim, não somos salvos por obras, mas para obras, e elas, que incluem tudo o que fazemos, são parte da renovação da criação de Deus. Portanto, nossa atividade no trabalho é um elemento crucial daquilo que Deus preparou para realizarmos, em cumprimento de seu propósito para nós.

A igreja ocupa um lugar de destaque no plano de Deus para reunir novamente o mundo em Cristo. Sua morte na cruz não apenas tornou possível nossa salvação pessoal (Ef 2.4-7), mas também eliminou a distância entre judeus e gentios (Ef 2.13-18). Essa unidade entre antigos inimigos resume a obra unificadora de Deus. Assim, a igreja serve como uma demonstração para todo o universo da natureza e do sucesso final do plano cósmico de Deus (Ef 3.9-10 ). Mas a igreja não é apenas uma unidade de pessoas que se reúnem uma vez por semana para realizar atividades religiosas juntas. Em vez disso, a igreja é a comunidade de todos os crentes, fazendo tudo em todos os lugares, trabalhando juntos ou separadamente. Em todas as esferas da vida, podemos contar com aquele “que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós” (Ef 3.20). Observe que Paulo usa o termo cívico “concidadãos ” (Ef 2.19) para descrever os cristãos, em vez do termo religioso “adoradores”. Na verdade, Efésios praticamente não dá instruções sobre o que a igreja deve fazer quando se reúne, mas sobre como seus membros devem trabalhar, como veremos em breve.

O grande plano de Deus: Um guia prático (Ef 4.1—6.24)

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A segunda metade de Efésios começa com uma exortação para viver a visão da primeira metade da carta. “Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam.” (Ef 4.1) Todo cristão compartilha desse chamado. Assim, nossa verdadeira e mais profunda vocação (da palavra latina para “chamado”) é fazer nossa parte para promover a missão multifacetada de Deus no mundo. Esse chamado molda tudo o que fazemos na vida, incluindo o trabalho — ou o que às vezes chamamos de nossa “vocação”. É claro que Deus pode nos guiar para tarefas específicas a fim de expressar nosso chamado fundamental de viver para o louvor da sua glória (Ef 1.12). Assim, como médicos e advogados, escriturários e garçons, atores e músicos, pais e avós, levamos uma vida digna de nosso chamado para Cristo e sua atividade no mundo.

Fazendo algo útil e para repartir (Ef 4.28)

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Entre as exortações práticas presentes em Efésios 4—6, duas passagens lidam especificamente com preocupações relacionadas ao trabalho. A primeira tem a ver com o propósito do trabalho: “O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade” (Ef 4.28). Embora focado imediatamente naqueles que roubam, o conselho de Paulo é relevante para todos os cristãos. O termo grego traduzido como “algo útil” (to agathon) significa literalmente “para o bem”. Deus está sempre levando os cristãos para o bem. O local de trabalho é um cenário crucial para fazermos muitas das boas obras que Deus preparou para nós (Ef 2.10).

Por meio do trabalho, também ganhamos recursos suficientes para compartilhar com os necessitados, seja diretamente por meio da igreja seja por outros meios. Embora uma teologia do trabalho não seja exatamente o mesmo que uma teologia da caridade, esse versículo explicitamente liga as duas. A mensagem geral é que o propósito do trabalho é fazer o bem, tanto pelo que esse trabalho realiza diretamente quanto por aquilo que ele nos permite dar aos outros fora de seu ambiente.

Mutualidade no trabalho para o Senhor (Ef 5.21—6.9)

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A segunda consideração prática são os relacionamentos. Nosso chamado como cristãos afeta os relacionamentos básicos, especialmente aqueles na família e no trabalho. (Antes da era industrial, os lares eram igualmente local de vida familiar e local de trabalho.) Efésios 5.21—6.9 ressalta esse ponto ao incluir instruções específicas para relacionamentos dentro da família (mulheres/maridos, filhos/pais, escravos/senhores). Listas desse tipo eram comuns no discurso moral do mundo greco-romano e estão representadas no Novo Testamento (veja, por exemplo, Cl 3.18—4.1 e 1Pe 2.13—3.12). [1]

Estamos particularmente interessados ​​em Efésios 6.5-9, uma passagem que aborda o relacionamento entre escravos e senhores. Paulo se dirige aos cristãos que são senhores, aos cristãos que são escravos de senhores cristãos e aos cristãos que são escravos de senhores incrédulos. Este texto é semelhante a uma passagem paralela de Colossenses (Cl 3.22—4.1). (Veja “Colossenses” em “Colossenses, Filemom e o trabalho” para obter o pano de fundo histórico sobre a escravidão no Império Romano do primeiro século, o que é útil para entender esta seção de Efésios.) Para resumir brevemente, a escravidão romana guarda semelhanças e diferenças com o trabalho remunerado no século 21. A principal semelhança é que tanto os escravos antigos quanto os trabalhadores contemporâneos servem sob a autoridade de senhores ou supervisores. No que diz respeito ao trabalho em si, ambos os grupos têm o dever de atender às expectativas daqueles que têm autoridade sobre seu trabalho. A principal diferença é que os escravos antigos (e os dos tempos modernos também) devem não apenas seu trabalho, mas também sua vida a seus senhores. Os escravos não podem pedir demissão, têm direitos legais e recursos limitados para casos de maus-tratos, não recebem salário ou compensação por seu trabalho e não negociam condições de trabalho. Em suma, a margem para o abuso de poder dos senhores sobre os escravos é muito maior do que a dos supervisores sobre os trabalhadores.

Começaremos explorando esta seção de Efésios no que se refere a escravos reais. Em seguida, consideraremos as aplicações à forma de trabalho remunerado que hoje domina as economias desenvolvidas.

Escravos de Cristo (Ef 6.6-8)
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A carta aos Efésios encoraja os escravos a se verem como “escravos de Cristo” que “de boa vontade” servem ao Senhor, em vez de a seus senhores humanos (Ef 6.6-7). O fato de que seu trabalho é para Cristo os encorajará a trabalhar bem e com afinco. As palavras de Paulo são, portanto, um consolo quando os senhores ordenam que os escravos façam boas obras. Nesse caso, Deus recompensará o escravo (Ef 6.8), mesmo que o mestre não o faça, como tipicamente era o caso (Lc 17.8).

Mas por que ser escravo de um senhor terreno necessariamente seria fazer “de coração a vontade de Deus” (Ef 6.6)? Um senhor poderia certamente ordenar a um escravo que fizesse um trabalho que está longe da vontade de Deus, como abusar de outro escravo, enganar um cliente ou invadir os campos de outra pessoa. Paulo esclarece: “Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo” (Ef 6.5). Os escravos só podem fazer por seus senhores o que poderia ser feito para Cristo. Se um senhor ordena que os escravos façam obras más, então as palavras de Paulo são terrivelmente desafiadoras, pois o escravo teria de recusar as ordens do senhor. Isso pode levar a consequências desagradáveis, para dizer o mínimo. No entanto, a ordem de Paulo é inevitável: “Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens” (Ef 6.7). Os mandamentos do Senhor substituem os mandamentos de qualquer mestre. De fato, o que mais poderia significar “sinceridade de coração” senão deixar de lado toda ordem que entre em conflito com o dever para com Cristo? “Ninguém pode servir a dois senhores”, disse Jesus (Mt 6.24). A punição por desobedecer a um mestre terreno pode ser assustadora, mas pode ser necessário sofrê-la para trabalhar “como servindo ao Senhor”.

Mestres cristãos (Ef 6.5-11)
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É cruel para um senhor forçar um escravo a escolher entre a obediência ao senhor e a obediência a Cristo. Portanto, Paulo diz aos senhores que “não [...] ameacem” seus escravos (Ef 6.9). Se os senhores ordenam que os escravos façam um bom trabalho, então as ameaças não devem ser necessárias. Se os senhores ordenam que os escravos façam obras más, então suas ameaças são como ameaças contra Cristo. Como na carta aos Colossenses, Efésios concorda que os mestres devem se lembrar de que têm um Mestre no céu. Mas Efésios ressalta o fato de que tanto escravos quanto senhores “sabem que o Senhor deles e de vocês está nos céus” (Ef 6.9). Por essa razão, Efésios diz que os senhores devem tratar “seus escravos da mesma forma” (Ef 6.9) isto é, dar ordens aos escravos como se estivessem dando ordens a (ou por) Cristo. Com isso em mente, nenhum mestre cristão poderia ordenar a um escravo que fizesse obras más, ou mesmo excessivas. Embora a distinção terrena de senhor e escravo permaneça intacta, seu relacionamento foi alterado com um chamado sem precedentes à reciprocidade. Ambas as partes estão sujeitas somente a Cristo “com sinceridade de coração” (Ef 6.5). Nenhum pode dominar o outro, pois somente Cristo é Senhor (Ef 6.7). Nenhum dos dois pode se esquivar do dever de amor para com o outro. Essa passagem aceita a realidade econômica e cultural da escravidão, mas contém sementes férteis do abolicionismo. No reino de Cristo, “não há [...] escravo nem livre” (Gl 3.28).

A escravidão continua a florescer em nosso mundo hoje, para nossa vergonha, embora seja frequentemente chamada de tráfico humano ou trabalho forçado. A lógica interna de Efésios 6.5-9, bem como a história mais ampla da mesma carta, nos motiva a trabalhar pelo fim da escravidão. A maioria de nós, no entanto, não experimentará a escravidão pessoalmente, seja como escravo seja como senhor. No entanto, de fato nos vemos em relacionamentos no trabalho em que alguém tem autoridade sobre outra pessoa. Por analogia, Efésios 6.5-9 ensina empregadores e funcionários a ordenar, realizar e recompensar apenas o trabalho que poderia ser feito por ou para Cristo. Quando recebemos ordens para fazer um bom trabalho, a questão é simples, embora nem sempre fácil. Fazemos isso da melhor maneira possível, independentemente da remuneração ou da apreciação que recebemos de nossos chefes, clientes, órgãos reguladores ou de qualquer outra pessoa que tenha autoridade sobre nós.

Quando recebemos ordens para realizar más obras, a situação é mais complicada. Por um lado, Paulo diz “obedeçam a seus senhores terrenos [...] como a Cristo”. Não podemos desobedecer levianamente àqueles que têm autoridade terrena sobre nós, assim como não podemos desobedecer a Cristo levianamente. Isso até levou alguns a questionarem se denúncias, paralisações no trabalho e reclamações às autoridades reguladoras são legítimas para funcionários cristãos. No mínimo, uma diferença de opinião ou julgamento não é, por si só, causa boa o suficiente para desobedecer a uma ordem válida em ação. É importante não confundir “não quero fazer esse trabalho e não acho justo que meu chefe me mande fazê-lo” com “é contra a vontade de Deus que eu faça esse trabalho”. A instrução de Paulo a que “obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor” sugere que obedeçamos às ordens daqueles que têm autoridade sobre nós, a menos que tenhamos fortes razões para acreditar que seja errado.

No entanto, Paulo acrescenta que obedecemos aos senhores terrenos como uma maneira de fazer “de coração a vontade de Deus”. Certamente, se recebemos ordens para fazer algo claramente contrário à vontade de Deus — por exemplo, uma violação de mandamentos ou valores bíblicos —, nosso dever para com o Mestre superior (Cristo) é resistir à ordem ímpia de um chefe humano. A distinção crucial geralmente requer descobrir quais interesses seriam atendidos pela desobediência à ordem. Se a desobediência protegeria os interesses de outra pessoa ou da comunidade em geral, haveria fortes razões para desobedecer à ordem. Se desobedecer à ordem protegeria apenas nossos interesses pessoais, o argumento é mais fraco. Em alguns casos, proteger os outros pode até colocar em risco nossa carreira ou custar nosso meio de subsistência. Não é de admirar que Paulo diga “fortaleçam-se no Senhor” e “vistam toda a armadura de Deus” (Ef 6.10,11).

No entanto, certamente expressamos compaixão por aqueles — incluindo talvez por nós mesmos, às vezes — que se veem diante da escolha entre obedecer a uma ordem genuinamente ímpia ou sofrer perdas pessoais, como ser demitido. Isso é especialmente verdadeiro no caso de trabalhadores próximos da base da escala econômica, que podem ter poucas alternativas e nenhum colchão financeiro. Os trabalhadores recebem rotineiramente ordens para praticarem uma variedade de pequenos males, como mentir (“diga a ela que não estou no escritório”), trapacear (“coloque uma garrafa extra de vinho na conta da mesa 16 — eles estão bêbados demais para perceberem”) e idolatria (“espero que você aja como se este trabalho fosse a coisa mais importante do mundo para você”). Temos de renunciar a cada um deles? Em outras ocasiões, os trabalhadores podem ser obrigados a cometer males graves. “Ameace arrastar o nome dela na lama se não concordar com nossos termos.” “Encontre uma desculpa para demiti-lo antes que ele descubra mais registros falsificados de controle de qualidade.” “Jogue no rio esta noite, quando não houver ninguém por perto.” No entanto, a alternativa de perder o emprego e ver nossa família cair na pobreza pode ser — ou parecer — ainda pior do que seguir a ordem ímpia. Muitas vezes, não fica claro quais alternativas estão mais ou menos de acordo com os valores bíblicos. Devemos reconhecer que as decisões podem ser complexas. Quando somos pressionados a fazer algo errado, precisamos depender do poder de Deus para permanecer mais firmes contra o mal do que jamais acreditamos que poderíamos. No entanto, também precisaremos levar a palavra de compaixão e perdão de Cristo quando descobrirmos que os cristãos não podem superar todos os males do trabalho do mundo.

Quando somos nós que detemos autoridade, devemos ordenar apenas o trabalho que Cristo ordenaria. Não ordenamos que os subordinados causem danos a si mesmos ou a outros, a fim de beneficiar-nos. Não ordenamos que outros façam o que, em sã consciência, não faríamos. Não ameaçamos aqueles que recusam nossas ordens por consciência ou justiça. Embora sejamos chefes, temos nossos chefes, e os cristãos em posição de autoridade ainda têm o dever maior de servir a Deus pela maneira como damos ordens aos outros. Somos escravos de Deus e não temos autoridade para ordenar ou obedecer a alguém que se oponha a Cristo. Para cada um de nós, não importa nossa posição no local de trabalho, o trabalho é uma maneira de servir ou deixar de servir a Deus.

Resumo e conclusão de Efésios

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Apenas alguns versículos de Efésios lidam precisamente com o local de trabalho, e mesmo esses são direcionados a ladrões, escravos e senhores. Mas, quando vislumbramos como Deus está restaurando toda a criação por meio de Cristo, e quando descobrimos que o trabalho desempenha um papel essencial nesse plano, ele se torna o contexto principal para realizarmos as boas obras que Deus preparou para nós. Efésios não nos diz especificamente quais boas obras Deus preparou para cada um de nós no trabalho. Devemos procurar outras fontes para discernir isso. Mas nos diz que Deus nos chama para trabalharmos para o bem. Relacionamentos e atitudes no local de trabalho são transformados quando vemos a nós mesmos e a nossos colegas principalmente em termos de nosso relacionamento com Jesus Cristo, o único e verdadeiro Senhor.

Efésios nos encoraja a ter uma nova perspectiva na vida, na qual o trabalho é uma consequência da própria obra de Deus de criar o mundo e redimi-lo do pecado. Trabalhamos em resposta ao chamado de Deus para seguir a Jesus em todos os aspectos de nossa vida (Ef 4.1). No trabalho, descobrimos a oportunidade de fazer muitas das boas obras que Deus deseja que façamos. Assim, no escritório, na fábrica, escola, lar, loja e em todos os outros locais de trabalho, temos a oportunidade de servir “aos [nossos] senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor” (Ef 6.7).

Filipenses e o trabalho

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Ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Fp 2.12b-13)

Introdução a Filipenses

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O trabalho requer esforço. Seja fazendo negócios, dirigindo caminhões, criando filhos, escrevendo artigos, vendendo sapatos seja cuidando de deficientes e idosos, o trabalho exige esforço pessoal. Se não nos levantarmos de manhã e começarmos a trabalhar, o trabalho não será concluído. O que nos motiva a sair da cama todas as manhãs? O que nos mantém em movimento ao longo do dia? O que nos dá energia para realizar o trabalho com fidelidade e até com excelência?

Há uma grande variedade de respostas para essas perguntas. Alguns podem apontar para a necessidade econômica. “Eu me levanto e vou trabalhar porque preciso do dinheiro.” Outras respostas podem apontar para nosso interesse no trabalho. “Eu trabalho porque amo o que faço.” Ainda outras respostas podem ser menos inspiradoras. “O que me faz acordar e me faz continuar o dia todo? Cafeína!”

A carta de Paulo aos cristãos em Filipos fornece um tipo diferente de resposta à pergunta sobre onde encontramos forças para o trabalho. Paulo diz que ele não é o resultado de nosso próprio esforço, mas que a obra de Deus em nós é o que nos dá energia. O que fazemos na vida, inclusive no trabalho, é uma expressão da obra salvífica de Deus em Cristo. Além disso, encontramos a força para esse esforço pelo poder de Deus dentro de nós. A obra de Cristo é servir às pessoas (Mc 10.35), e Deus nos capacita a servir ao lado dele.

Quase todos os estudiosos concordam que o apóstolo Paulo escreveu a carta que conhecemos como Filipenses em algum momento entre 54 e 62 d.C. [1] Não há unanimidade sobre o lugar de onde Paulo a escreveu, embora saibamos que foi escrita durante uma de suas várias prisões (Fp 1.7). [2] Está claro que Paulo escreveu esta carta pessoal à igreja em Filipos, uma comunidade que ele plantou durante uma visita anterior (Fp 1.5; At 16.11-40). Ele escreveu para fortalecer seu relacionamento com a igreja de Filipos, atualizá-los sobre sua situação pessoal, agradecer-lhes por seu apoio ao seu ministério, equipá-los para enfrentar ameaças à sua fé, ajudá-los a se dar melhor e, em geral, para ajudá-los a viver sua fé.

Filipenses usa a palavra trabalhar (ergon e cognatos) várias vezes (Fp 1.6; 2.12-13, 30; 4.3). Paulo a usa para descrever a obra de salvação de Deus e as tarefas humanas que fluem da obra salvífica de Deus. Ele não aborda diretamente questões do ambiente de trabalho secular, mas o que ele diz sobre o trabalho tem aplicações importantes.

Aquele que começou boa obra em vocês vai completá-la (Fp 1.1-26)

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No contexto de sua oração de abertura pelos filipenses (Fp 1.3-11), Paulo compartilha sua convicção da obra de Deus nos crentes filipenses e entre eles. “Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.” (Fp 1.6 ). A “obra” a que Paulo se refere é a do novo nascimento em Cristo, que leva à salvação. O próprio Paulo participou dela, pregando-lhes o evangelho. Ele continua esse trabalho como mestre e apóstolo, e diz: “Terei fruto do meu trabalho” (Fp 1.22 ). No entanto, o trabalhador subjacente não é Paulo, mas Deus, pois Deus é “aquele que começou boa obra em vocês” (Fp 1.6). “Isso [vem] da parte de Deus.” (Fp 1.28)

As versões em português usam o termo “em vocês” ou “em vós”. Contudo, uma tradução possível é “entre vocês”. Ambos são apropriados, e a expressão grega en humin pode ser traduzida de ambas as formas. A boa obra de Deus começa em vidas individuais. No entanto, é para ser vivida entre crentes em comunhão. O ponto principal do versículo 6 não é restringir a obra de Deus a indivíduos ou à comunidade como um todo, mas enfatizar o fato de que toda sua obra é obra de Deus. Além disso, esse trabalho não é concluído quando indivíduos “são salvos” ou quando igrejas são plantadas. Deus continua trabalhando em nós e entre nós até que sua obra esteja completa, o que acontece “até o dia de Cristo Jesus”. A obra de Deus só estará terminada quando Cristo voltar.

O trabalho de Paulo é o de evangelista e apóstolo, e há marcas de sucesso e ambição em sua profissão, como em qualquer outra. Quantos convertidos você conquista, quantos recursos você arrecada, quantas pessoas o elogiam como seu mentor espiritual, como seus números se comparam aos de outros evangelistas — todos podem ser pontos de orgulho e ambição. Paulo admite que essas motivações existem em sua profissão, mas insiste que a única motivação adequada é o amor (Fp 1.15-16). A implicação é que isso também é verdade em todas as outras profissões. Todos somos tentados a trabalhar pelas marcas do sucesso — incluindo reconhecimento, segurança e dinheiro —, o que pode levar à “ambição egoísta ” (eritieias, talvez traduzida mais precisamente como “autopromoção injusta”). [1] Elas não são totalmente ruins, pois geralmente ocorrem quando realizamos os propósitos legítimos do trabalho (Fp 1.18). Concluir o trabalho é importante, mesmo que nossa motivação não seja perfeita. No entanto, a longo prazo (Fp 3.7-14), a motivação é ainda mais importante, e a única motivação semelhante à de Cristo é o amor.

Faça seu trabalho de maneira digna (Fp 1.27—2.11)

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Visto que o trabalho é, na verdade, a obra de Deus em nós, ele deve ser digno, assim como a obra de Deus é. Mas, aparentemente, temos a capacidade de impedir a obra de Deus em nós, pois Paulo exorta: “Exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo” (Fp 1.27). Seu tópico é a vida em geral, e não há razão para acreditar que ele pretenda excluir o trabalho dessa exortação. Ele dá três ordens específicas:

  1. “[Tenham] o mesmo modo de pensar.” (Fp 2.2)
  2. “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos.” (Fp 2.3)
  3. “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.” (Fp 2.4)

Novamente, podemos trabalhar de acordo com esses mandamentos apenas porque o trabalho é realmente a obra de Deus em nós, mas desta vez ele diz isso em uma bela passagem, muitas vezes chamada de “Hino de Cristo” (Fp 2.6-11). Jesus, diz ele, “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fp 2.6-8). Portanto, a obra de Deus em nós, especificamente a obra de Cristo em nós, é sempre feita humildemente com os outros, para o benefício dos outros, mesmo que exija sacrifícios.

“[Tenham] o mesmo modo de pensar” (Fp 2.2)

O primeiro dos três mandamentos, “[tenham] o mesmo modo de pensar”, é dado aos cristãos como corpo. Não devemos esperar que isso se aplique ao trabalho secular. Na verdade, nem sempre queremos ter a mesma mente que os demais no trabalho (Rm 12.2). Mas, em muitos locais de trabalho, há mais de um cristão. Devemos nos esforçar para ter a mesma mente dos outros cristãos onde trabalhamos. Infelizmente, isso pode ser muito difícil. Na igreja, nos segregamos em comunidades em que geralmente concordamos sobre questões bíblicas, teológicas, morais, espirituais e até culturais. No trabalho, não temos esse luxo. Podemos compartilhar o local de trabalho com outros cristãos dos quais discordamos sobre esses assuntos. Pode até ser difícil reconhecer como cristãos — conforme julgamento — outros que afirmam ser cristãos.

Esse é um impedimento escandaloso tanto para nosso testemunho como cristãos quanto para nossa eficácia como colaboradores. O que os colegas não-cristãos pensarão de nosso Senhor — e de nós — se mantivermos relacionamentos piores entre nós do que com os descrentes? No mínimo, devemos tentar identificar outros cristãos no trabalho e aprender sobre suas crenças e práticas. Podemos não concordar, mesmo sobre assuntos de grande importância, mas é um testemunho muito melhor mostrar respeito mútuo do que tratar outros que se dizem cristãos com desprezo ou contendas. Ao menos devemos deixar de lado nossas diferenças o suficiente para fazer um excelente trabalho juntos, se realmente acreditarmos que nosso trabalho importa de fato para Deus.

Ter o mesmo modo de pensar significa ter “o mesmo amor” que Cristo (Fp 2.2). Cristo nos amou até a morte (Fp 2.8), e devemos ter o mesmo amor (Fp 2.5). Isso nos dá algo em comum não apenas com outros crentes, mas também com os descrentes no trabalho: nós os amamos! Todos no trabalho podem concordar conosco que devemos fazer um trabalho que os beneficie. Se um cristão disser “meu trabalho é servi-lo”, quem discordaria disso?

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade” (Fp 2.3)

Considerar os outros melhores do que nós mesmos é a mentalidade daqueles que têm o mesmo modo de pensar de Cristo (Fp 2.3). Nossa humildade deve ser oferecida a todas as pessoas ao redor, e não apenas aos cristãos. Pois a morte de Jesus na cruz — o derradeiro ato de humildade — foi pelos pecadores e não pelos justos (Lc 5.32; Rm 5.8; 1Tm 1.15).

Os locais de trabalho oferecem oportunidades ilimitadas para um serviço humilde. Você pode ser generoso ao dar crédito aos outros pelo sucesso e mesquinho ao distribuir a culpa pelo fracasso. Você pode ouvir o que outra pessoa está dizendo, em vez de pensar na resposta. Você pode experimentar a ideia de outra pessoa, em vez de insistir no seu modo de agir. Você pode desistir de sua inveja pelo sucesso, pela promoção ou pelo salário mais alto de outra pessoa ou, na falta disso, pode levar sua inveja a Deus em oração, em vez de a seus amigos no almoço.

Em contrapartida, o local de trabalho oferece oportunidades ilimitadas para ambição egoísta. Como vimos, a ambição e até mesmo a competição não são necessariamente ruins (Rm 15.20; 1Co 9.24; 1Tm 2.5), mas promover injustamente as próprias motivações é. Ela o força a adotar uma avaliação imprecisa e inflada de si mesmo (“vaidade”), o que o coloca em uma terra de fantasia cada vez mais remota, na qual você não pode ser eficaz nem no trabalho nem na fé. Existem dois antídotos. Primeiro, certifique-se de que seu sucesso dependa do sucesso dos outros e contribua para ele. Isso geralmente significa trabalhar genuinamente em equipe. Em segundo lugar, busque continuamente feedback preciso sobre você e seu desempenho. Você pode achar que seu desempenho é realmente excelente, mas, se aprender isso com fontes precisas, não é vaidade. O simples ato de aceitar o feedback dos outros é uma forma de humildade, já que você subordina sua autoimagem à imagem que eles têm de você. É desnecessário dizer que isso só é útil se você encontrar fontes precisas de feedback. Submeter sua autoimagem a pessoas que abusariam de você ou o enganariam não é a verdadeira humildade. Mesmo quando submeteu seu corpo a abusos na cruz, Jesus manteve uma avaliação precisa de si mesmo (Lc 23.43).

“Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4)

Dos três imperativos, esse pode ser o mais difícil de conciliar com nossos papéis no local de trabalho. Vamos trabalhar pelo menos em parte para atender a nossas necessidades. Como, então, pode fazer sentido evitar olhar para nossos próprios interesses? Paulo não diz. Mas devemos lembrar que ele está falando a uma comunidade de pessoas, a quem diz: “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4). Talvez ele espere que, se todos olharem não para suas necessidades individuais, mas para as de toda a comunidade, as necessidades de todos serão atendidas. Isso é consistente com a analogia do corpo que Paulo usa em 1Coríntios 12 e em outros lugares. O olho não supre sua necessidade de transporte, mas depende do pé para isso. Assim, cada órgão age para o bem do corpo, mas encontra as próprias necessidades atendidas.

Em circunstâncias ideais, isso pode funcionar para um grupo muito unido, talvez uma igreja com membros de igual e elevado compromisso. Mas isso deve ser aplicado ao local de trabalho fora da igreja? Será que Paulo quer nos dizer que devemos olhar para os interesses dos colegas de trabalho, clientes, chefes, subordinados, fornecedores e uma infinidade de outras pessoas ao redor, em vez de para nossos próprios interesses? Mais uma vez, devemos nos voltar para Filipenses 2.8, em que Paulo descreve Jesus na cruz como nosso modelo, olhando para os interesses dos pecadores, e não para os dele. Ele viveu esse princípio no mundo em geral, não na igreja, e nós também devemos viver. E Paulo deixa claro que as consequências para nós incluem sofrimento e perda, talvez até a morte. “Mas o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo.” (Fp 3.7) Não há uma leitura natural de Filipenses 2 que nos liberte de olhar para os interesses dos outros no trabalho em vez dos nossos.

Uma maneira de olhar para os interesses dos outros no trabalho é prestar atenção em como o preconceito racial e étnico afeta as pessoas. A rev. dra. Gina Casey, capelã da equipe da St Joseph Health, em Santa Rosa, Califórnia, diz: “É hora de os crentes buscarem intencionalmente instruir-se sobre a existência do racismo no local de trabalho e reconhecê-la. Os cristãos também devem se esforçar para entender e observar o peso que essas questões trazem para o bem-estar financeiro, social e emocional de seus colegas de trabalho e funcionários negros. É uma obrigação moral para as pessoas de fé buscarem aprender mais sobre preconceitos raciais implícitos e microagressões no local de trabalho e, então, se envolverem continuamente na disciplina do autoexame para descobrir áreas que precisem de alteração e cura de comportamento pessoal”. [1]

Três exemplos de como seguir a Cristo como cristãos comuns (Fp 2.19—3.21)

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Na verdade, Filipenses nos dá três exemplos, Paulo, Epafrodito e Timóteo, para nos mostrar como todos os cristãos devem seguir o modelo de Cristo. “Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem os que vivem de acordo com o padrão que apresentamos a vocês”, Paulo nos diz (Fp 3.17). Ele descreve cada um desses exemplos em uma estrutura baseada no “Hino de Jesus”, no capítulo 2.

Pessoa

Enviado para um lugar difícil

Em obediência / escravidão

Correndo sérios riscos

Em benefício dos outros

Jesus

Encontrado em forma humana (2.8)

Assumindo a forma de escravo (2.7)

Obediente até a morte (2.8)

Esvaziou-se (2.7)

Paulo

Vivendo no corpo (1.22)

Servo de Jesus Cristo (1.1)

Aprisionamento (1.7) Tornar-se semelhante a Cristo na morte (3.10)

Para o seu progresso e alegria (1.25)

Timóteo

Enviar Timóteo brevemente (2.19)

Como um filho ao lado de seu pai (2.22)

(Não especificado em Filipenses, mas veja Rm 6.21)

Interesse sincero pelo seu bem-estar (2.20)

Epafrodito

Enviar Epafrodito (2.25)

Seu mensageiro (2.25)

Quase morreu (2.30)

Para atender às minhas necessidades (2.25)

A mensagem é clara. Somos chamados a fazer como Jesus fez. Não podemos nos esconder atrás da desculpa de que Jesus é o único Filho de Deus, que serve aos outros para que não precisemos fazê-lo. Tampouco Paulo, Epafrodito e Timóteo são super-homens, cujas façanhas não podemos esperar duplicar. Em vez disso, ao trabalharmos, devemos nos colocar na mesma estrutura de envio, obediência, risco e serviço aos outros:

Pessoa

Enviado para um lugar difícil

Em obediência / escravidão

Correndo sérios riscos

Em benefício dos outros

Cristãos no local de trabalho

Vá a locais de trabalho não cristãos

Trabalhar sob a autoridade de outros

Arriscar a limitação da carreira por nossa motivação de amar como Cristo ama

São chamados por Deus para colocar os interesses dos outros à frente dos nossos

Temos permissão de temperar o mandamento de servir aos outros em vez de nós mesmos com um pouco de bom senso? Poderíamos, digamos, olhar primeiro para os interesses de outras pessoas em quem podemos confiar? Poderíamos olhar para os interesses dos outros além de aos nossos próprios interesses? Não há problema em trabalhar pelo bem comum em situações em que podemos esperar benefícios proporcionais, mas cuidar de nós mesmos quando o sistema estiver contra nós? Paulo não diz.

O que devemos fazer se nos descobrirmos incapazes ou desinteressados de viver com tanta ousadia? Paulo diz apenas isso: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus” (Fp 4.6). Somente por meio de oração constante, súplica e ação de graças a Deus podemos superar as decisões difíceis e as ações exigentes necessárias para olhar para os interesses dos outros, e não para os nossos. Isso não é teologia abstrata, mas um conselho prático para a vida e o trabalho diários.

Aplicações diárias (Fp 4.1-23)

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Paulo descreve três situações cotidianas que têm relevância direta para o local de trabalho.

Resolver conflitos (Fp 4.2-9)

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Paulo pede aos filipenses que ajudem duas mulheres entre eles, Evódia e Síntique, a fazerem as pazes (Fp 4.2-9). Embora nosso reflexo instintivo seja suprimir e negar o conflito, Paulo amorosamente o traz à tona, onde pode ser resolvido. O conflito das mulheres não é especificado, mas ambas são crentes que Paulo diz que “lutaram ao meu lado na causa do evangelho” (Fp 4.3). O conflito ocorre mesmo entre os cristãos mais fiéis, como todos sabemos. Parem de nutrir ressentimento, ele lhes diz, e pensem no que é verdadeiro, nobre, correto, puro, amável e de boa fama na outra pessoa (Fp 4.8). “A paz de Deus, que excede todo o entendimento” (Fp 4.7) parece começar com a apreciação dos pontos positivos daqueles ao redor, mesmo (ou especialmente) quando estamos em conflito com eles. Afinal, são pessoas pelas quais Cristo morreu. Também devemos olhar cuidadosamente para nós mesmos e encontrar as reservas de Deus de bondade, oração, súplica, ação de graças e abandonarmos as preocupações (Fp 4.6).

A aplicação ao local de trabalho de hoje é clara, embora raramente seja fácil. Quando nosso desejo é ignorar e ocultar o conflito com os outros no trabalho, devemos reconhecer e falar (não fofocar) sobre isso. Quando preferimos guardar para nós mesmos, devemos pedir ajuda a pessoas sábias com humildade, e não na esperança de ganhar vantagem. Quando preferimos construir um caso contra nossos rivais, devemos, em vez disso, construir um caso para eles, pelo menos fazendo-lhes a justiça de reconhecer quaisquer que sejam seus pontos positivos. E, quando pensamos que não temos energia para nos envolver com o outro e preferimos simplesmente descartar o relacionamento, devemos deixar que o poder e a paciência de Deus substituam os nossos. Nisso, procuramos imitar nosso Senhor, que “esvaziou-se a si mesmo” (Fp 2.7) de agendas pessoais e, assim, recebeu o poder de Deus (Fp 2.9) para viver a vontade de Deus no mundo. Se fizermos essas coisas, nosso conflito poderá ser resolvido observando os verdadeiros problemas, em vez de nossas projeções, medos e ressentimentos. Geralmente, isso leva à restauração de um relacionamento de trabalho e a uma espécie de respeito mútuo, se não amizade. Mesmo nos casos incomuns em que nenhuma reconciliação é possível, podemos esperar uma surpreendente “paz de Deus, que excede todo o entendimento” (Fp 4.7). É um sinal de Deus que mesmo um relacionamento rompido não está além da esperança da bondade de Deus.

Apoiar uns aos outros no trabalho (Fp 4.10-11,15-16)

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Paulo agradece aos filipenses por seu apoio, tanto pessoal (Fp 1.30) quanto financeiro (Fp 4.10-11,15-16). Em todo o Novo Testamento, vemos Paulo sempre se esforçando para trabalhar em parceria com outros cristãos, incluindo Barnabé (At 13.2), Silas (At 15.40), Lídia (At 16.14-15) e Priscila e Áquila (Rm 16.3). Suas cartas geralmente terminam com saudações às pessoas com quem ele trabalhou de perto, e muitas vezes as cartas são de Paulo e de um colega de trabalho, como Filipenses é de Paulo e Timóteo (Fp 1.1). Nisso, ele está seguindo seu próprio conselho de imitar Jesus, que fez quase tudo em parceria com seus discípulos e outros.

Como observamos em Filipenses 2, os cristãos no trabalho secular nem sempre podem se dar o luxo de trabalhar ao lado de crentes. Mas isso não significa que não podemos apoiar uns aos outros. Poderíamos nos reunir com outras pessoas em nossa profissão ou em instituições para apoio mútuo em desafios e oportunidades específicos. O programa “Mom-to-Mom” [1] é um exemplo prático de apoio mútuo no local de trabalho. As mães se reúnem semanalmente para aprender, compartilhar ideias e apoiar umas às outras no trabalho de criar filhos pequenos. Idealmente, todos os cristãos teriam esse tipo de apoio para seu trabalho. Na ausência de um programa formal, poderíamos conversar sobre o trabalho em nossa comunidade cristã habitual, incluindo adoração e sermões, estudos bíblicos, pequenos grupos, retiros na igreja, aulas e outras atividades. Mas com que frequência o fazemos? Paulo fez um grande esforço para construir uma comunidade em seu chamado, até mesmo empregando mensageiros para fazer longas viagens marítimas (Fp 2.19, 25) para compartilhar ideias, notícias, companheirismo e recursos.

Lidar com a pobreza e a fartura (Fp 4.12-13,18)

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Por fim, Paulo discute como lidar com a pobreza e a abundância. Isso tem relevância direta no trabalho, porque ele faz a diferença entre pobreza e fartura para nós, ou pelo menos para aqueles de nós que são pagos por ele. Novamente, o conselho de Paulo é simples, mas difícil de seguir. Não idolatre seu trabalho na expectativa de que ele sempre lhe fornecerá o suficiente. Em vez disso, realize-o pelo benefício que ele traz para os outros e aprenda a se contentar com o que ele lhe oferece. Conselho difícil, de fato. Aqueles que exercem certas profissões — professores, profissionais de saúde, profissionais de atendimento ao cliente e pais, para citar alguns — podem estar acostumados a trabalhar mais sem remuneração extra para ajudar pessoas necessitadas. Outros esperam ser amplamente recompensados pelo serviço que prestam. Imagine um executivo sênior ou um banqueiro de investimentos trabalhando sem um contrato ou meta de bônus dizendo:

“Cuido dos clientes, funcionários e acionistas, e fico feliz em receber o que eles escolherem me dar no final do ano.” Não é comum, mas algumas pessoas fazem isso. Paulo diz simplesmente o seguinte:

Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. [...] Recebi tudo, e o que tenho é mais que suficiente. Estou amplamente suprido [...]. (Fp 4.12-13,18)

A questão não é quanto ou quão pouco nos é pago — dentro do razoável —, mas se somos motivados pelo benefício que o trabalho traz para os outros ou apenas por interesse próprio. No entanto, essa motivação em si deve nos levar a resistir a instituições, práticas e sistemas que resultem em extremos de muita fartura ou muita pobreza.

Conclusão de Filipenses

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Embora Paulo não trate do local de trabalho distintamente em Filipenses, sua visão da obra de Deus em nós estabelece um fundamento para nossas considerações sobre fé e trabalho. Este fornece um contexto importante no qual devemos viver a boa obra que Deus começou em nós. Devemos buscar a mesma mente que outros cristãos onde vivemos e trabalhamos. Devemos agir como se os outros fossem melhores que nós mesmos. Devemos olhar para os interesses dos outros, em vez dos nossos. Sem abordar diretamente o trabalho, Paulo parece exigir o impossível de nós no trabalho! Mas o que fazemos lá não é apenas nosso esforço — é a obra de Deus em nós e por meio de nós. Como o poder de Deus é ilimitado, Paulo pode dizer com ousadia: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13).

Versículos e temas-chave em Gálatas, Efésios e Filipenses

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Versículo

Tema

Gálatas 2.20 Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.

Vivendo em Cristo pela fé.

Gálatas 5.1 Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão.

Liberdade em Cristo, não escravidão.

Gálatas 5.6 Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor.

A fé que atua pelo amor.

Gálatas 5.13 Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor.

Liberdade para nos tornarmos “escravos” por meio do amor.

Gálatas 5.16 Por isso digo: Vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne.

Viva pelo Espírito, não pela carne.

Gálatas 5.22-23a Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio.

O fruto do Espírito.

Gálatas 6.10 Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé.

Trabalhando para o bem de todos e da família da fé.

Efésios 1.9-10 [Deus] nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos.

Tudo — incluindo o trabalho na terra — faz parte do plano de Deus.

Efésios 2.8-10 Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos.

Embora sua salvação venha apenas pela graça, por meio da fé, você foi criado em Cristo Jesus para fazer boas obras.

Efésios 4.28 O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade.

Trabalhe duro para poder compartilhar com os necessitados.

Efésios 6.5-8 Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre.

Se lhe for ordenado fazer um bom trabalho, trabalhe avidamente como se fosse para o Senhor. Se lhe for ordenado fazer obras más, recuse, pois obras más não podem ser feitas “ao Senhor”.

Efésios 6.9 Vocês, senhores, tratem seus escravos da mesma forma. Não os ameacem, uma vez que vocês sabem que o Senhor deles e de vocês está nos céus, e ele não faz diferença entre as pessoas.

Se você estiver em uma posição de autoridade, não dê ordens a seus subordinados que contrariem os mandamentos de Deus.

Filipenses 1.6 Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.

Deus completará a obra que começou em nós.

Filipenses 2.2 Completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude.

Os cristãos não devem permitir que as divisões os impeçam de testemunhar e trabalhar de forma eficaz no mundo.

Filipenses 2.3 Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos.

Aproveite as oportunidades ilimitadas no trabalho para tratar os outros como mais sábios, mais inteligentes ou melhores do que você.

Filipenses 2.4 Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.

Devemos atender às necessidades da comunidade ao redor, e não às nossas. Se os outros fizerem o mesmo, nossas necessidades serão atendidas, embora não haja garantia de que eles o farão.

Filipenses 4.12-13, 18 Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. [...] Recebi tudo, e o que tenho é mais que suficiente. Estou amplamente suprido.

A maneira de se libertar da idolatria das recompensas que buscamos no trabalho (dinheiro, poder, status etc.).