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Êxodo e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Exodus

A teologia do trabalho não começa com nossa compreensão do que Deus quer que façamos ou mesmo como fazê-lo. Começa com o Deus que se revelou a nós como Criador e Redentor, e que nos mostra como segui-lo, sendo formados em seu caráter. Fazemos o que Deus quer que façamos, tornando-nos mais semelhantes a ele. Ao ler Êxodo, ouvimos Deus descrever seu próprio caráter e vemos esse Deus em particular formando ativamente seu povo. Como seu povo, nós cristãos não podemos nos contentar em fazer nosso trabalho de acordo com princípios piedosos, a menos que compreendamos essas verdades como algo exclusivamente enraizado neste certo Deus, que faz esse tipo específico de obra redentora, por meio da única pessoa de seu Filho, pelo poder de seu Espírito Santo. Em essência, aprendemos que o caráter de Deus é revelado em sua obra, e sua obra molda nosso trabalho. Seguir a Deus em nosso trabalho é, portanto, um tópico importante em Êxodo, embora o trabalho não seja o ponto principal do livro.

Encontramos muitos relatos em Êxodo que falam do trabalho diário. Mas são instruções e regras que ocorrem em um contexto de trabalho que existia há mais de três mil anos. O tempo não parou e os ambientes de trabalho mudaram. Algumas passagens, como “Não matarás” (Êx 20.13), parecem se encaixar tanto no contexto de hoje como no tempo de Moisés. Outros, como “Se o boi de alguém ferir o boi de outro e o matar, venderão o boi vivo e dividirão em partes iguais, tanto o valor do boi vivo como o animal morto” (Êx 21.35), parecem menos aplicáveis ​​diretamente à maioria dos ambientes de trabalho atuais. Como podemos honrar, obedecer e aplicar a palavra de Deus em Êxodo sem cair nas armadilhas do legalismo ou da aplicação incorreta?

Para responder a essas perguntas, partimos do entendimento de que este livro é uma narrativa. Assim como ajudou Israel a se localizar na história de Deus, também nos ajuda a descobrir como nos encaixamos na expressão mais plena da narrativa que é nossa Bíblia hoje. O propósito e a forma da obra de Deus não apenas moldam nossa identidade como seu povo, mas também direcionam a obra que Deus nos chamou para fazer.

Introdução a Êxodo

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O livro de Êxodo começa e termina com Israel em ação. No início, os israelitas estão trabalhando para os egípcios. No final do livro, eles terminaram a obra de construção do tabernáculo, de acordo com as instruções do Senhor (Êx 40.33). Deus não livrou Israel do trabalho. Ele libertou Israel para o trabalho. Deus os libertou do trabalho opressivo sob o ímpio rei do Egito e os levou a um novo tipo de trabalho sob seu reinado gracioso e santo. Embora o título do livro nas Bíblias cristãs, “Êxodo”, signifique “saída”, [1] a orientação voltada para o futuro de Êxodo poderia legitimamente nos levar a concluir que o livro fala realmente sobre entrada, pois relata a entrada de Israel na aliança mosaica que moldará sua existência, não apenas nas peregrinações no deserto ao redor da península do Sinai, mas também em sua vida estabelecida na terra prometida. O livro transmite como Israel deve entender seu Deus e como esta nação deve trabalhar e adorar em sua nova terra. Em todos os aspectos, Israel deve estar ciente de como sua vida sob Deus seria diferente e melhor do que a vida daqueles que seguiam os deuses de Canaã. Ainda hoje, o que fazemos no trabalho flui de por que nós fazemos isso e para quem, em última análise, estamos trabalhando. Normalmente, não precisamos ir muito longe na sociedade para encontrar exemplos de trabalho duro e opressivo. Certamente, Deus quer que encontremos maneiras melhores de conduzir nossos negócios e de tratar os outros. Mas o caminho para essa nova maneira de agir depende de nos vermos como destinatários da salvação de Deus, de sabermos qual é a obra de Deus e de nos treinarmos para seguir suas palavras.

O livro de Êxodo começa cerca de quatrocentos anos após o ponto em que Gênesis termina. Em Gênesis, o Egito tinha sido um lugar hospitaleiro, onde Deus providencialmente elevou José, para que ele pudesse salvar a vida dos descendentes de Abraão (Gn 50.20). Isso está de acordo com as promessas de Deus de transformar Abraão em uma grande nação, de abençoá-lo e torná-lo uma bênção para os outros, de engrandecer seu nome e de abençoar por meio dele todas as famílias da terra (Gn 12.2-3). No livro de Êxodo, no entanto, o Egito era um lugar opressivo, onde o crescimento de Israel levantava o espectro da morte. Os egípcios dificilmente viam Israel como uma bênção divina, embora não quisessem abandonar seu trabalho escravo. No final, a libertação de Israel no mar Vermelho custou muitas vidas ao faraó e ao seu povo. À luz das promessas de Deus à família escolhida de Abraão e das intenções de Deus de abençoar as nações, o povo de Deus no livro de Êxodo está em plena transição. A magnitude dos números de Israel indicava o favor de Deus, mas a geração seguinte de filhos do sexo masculino enfrentou a extinção imediata (Êx 1.15-16). A nação como um todo ainda não estava na terra que Deus lhes havia prometido.

Todo o Pentateuco ecoa esse tema do cumprimento parcial. As promessas de Deus para os descendentes de Abraão, o relacionamento privilegiado com Deus e uma terra para viver, tudo isso expressa as intenções de Deus, mas todas elas estão em algum estado de perigo ao longo da narrativa. [2] Entre os cinco livros do Pentateuco, Êxodo, em particular, aborda o elemento do relacionamento com Deus, tanto em termos da intervenção divina para libertar seu povo do Egito quanto do estabelecimento de sua aliança com eles no Sinai. [3] Isso é especialmente significativo para a forma como lemos o livro para obter perspectivas sobre nosso trabalho hoje. Valorizamos a forma e o conteúdo deste livro, pois lembramos que nosso relacionamento com Deus por meio de Jesus Cristo flui do que vemos aqui e orienta toda a nossa vida e trabalho em torno das intenções de Deus.

Para capturar o caráter de Israel como uma nação em transição, esboçamos o livro e avaliamos sua contribuição para a teologia do trabalho de acordo com os estágios geográficos de sua jornada, começando no Egito, depois no mar Vermelho, a caminho do Sinai e, finalmente, no próprio Sinai.

Israel no Egito (Êxodo 1.1—13.16)

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Os maus tratos de Israel pelos egípcios fornecem o pano de fundo e a motivação para sua redenção. O faraó não permitiu que eles seguissem Moisés até o deserto para adorar ao Senhor e, assim, negou uma medida de sua liberdade religiosa. Mas sua opressão como trabalhadores do sistema econômico egípcio é o que realmente chama nossa atenção. Deus ouve o clamor de seu povo e faz algo a respeito. Mas devemos lembrar que o povo de Israel não geme por causa do trabalho em geral, mas por causa da dureza de seu trabalho. Em resposta, Deus não os entrega a uma vida de descanso total, mas a uma libertação do trabalho opressivo.

A dureza do trabalho escravo dos israelitas no Egito (Êxodo 1.8-14)

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O trabalho que os egípcios impuseram aos israelitas era de motivação maligna e de natureza cruel. A cena de abertura apresenta a terra cheia de israelitas que foram frutíferos e se multiplicaram. Isso ecoa a intenção criacional de Deus (Gn 1.28; 9.1), bem como sua promessa a Abraão e seus descendentes escolhidos (Gn 17.6; 35.11; 47.27). Como nação, eles estavam destinados a abençoar o mundo. Sob um governo anterior, os israelitas tinham permissão real para viver na terra e trabalhar nela. Mas agora, o novo rei do Egito sentiu que aquele grande povo representava uma ameaça à sua segurança nacional e, portanto, decidiu lidar com eles “com astúcia” (Êx 1.10). Não nos é dito se os israelitas eram ou não uma ameaça genuína. A ênfase recai sobre o medo destrutivo do faraó, que o levou primeiro a degradar seu ambiente de trabalho e, depois, a usar o infanticídio para conter o crescimento da população.

O trabalho pode ser física e mentalmente desgastante, mas isso não o torna errado. O que tornou a situação no Egito insuportável não foi apenas a escravidão, mas também sua extrema dureza. Os mestres egípcios tratavam os israelitas de forma “cruel” (befarekh, Êx 1.13,14) e tornaram a vida deles “amarga” (marar, Êx 1.14) com serviço “árduo” (qasheh, no sentido de “cruel”, Êx. 1.14; 6.9). Como resultado, Israel definhou em “opressão” e “sofrimento” (Êx 3.7) e em “angústia” (Êx 6.9). O trabalho, um dos principais propósitos e alegrias da existência humana (Gn 1.27-31; 2.15), foi transformado em miséria pela dureza da opressão.

O trabalho de parteira e da maternidade (Êxodo 1.15—2.10)

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Em meio ao tratamento severo, os israelitas permaneceram fiéis à ordem de Deus de serem frutíferos e se multiplicarem (Gn 1.28). Isso envolvia ter filhos, o que, por sua vez, dependia do trabalho das parteiras. Além de sua presença na Bíblia, o trabalho de parteiras é bem atestado na antiga Mesopotâmia e no Egito. As parteiras ajudavam as mulheres a dar à luz, cortavam o cordão umbilical do bebê, lavavam o bebê e apresentavam a criança à mãe e ao pai.

As parteiras nesta narrativa possuem um temor de Deus que as levou a desobedecer à ordem real de matar todos os meninos nascidos das mulheres hebreias (Êx 1.15-17). De um modo geral, o “temor do Senhor” (e expressões relacionadas) na Bíblia se refere a um relacionamento saudável e obediente com o Deus de Israel (hebraico, YHWH), que faz alianças. Seu “temor a Deus” era mais forte do que qualquer medo que o faraó do Egito pudesse submetê-los. Além disso, talvez sua coragem tenha surgido de seu trabalho. Será que aquelas que pastoreiam uma nova vida todos os dias passam a valorizar tanto a vida que o assassinato se tornaria impensável, mesmo se ordenado por um rei?

A mãe de Moisés, Joquebede (Êx 6.20), foi outra mulher que enfrentou uma escolha aparentemente impossível e forjou uma solução criativa. Dificilmente se pode imaginar seu alívio por ter um filho homem em segredo e com sucesso, seguido por sua dor por ter de colocá-lo no rio — e isso de uma maneira que realmente pudesse salvar sua vida. Os paralelos com a arca de Noé — a palavra hebraica para “cesto” é usada apenas em outro lugar na Bíblia, a saber, para a “arca” de Noé — nos permitem saber que Deus estava agindo não apenas para salvar um menino, ou mesmo uma nação, mas também para redimir toda a criação por meio de Moisés e Israel. Paralelamente à sua recompensa para com as parteiras, Deus mostrou bondade para com a mãe de Moisés. Ela recuperou o filho e cuidou dele até que ele tivesse idade suficiente para ser adotado como filho da filha do faraó. O trabalho piedoso de gerar e criar filhos é bem conhecido por ser complexo, exigente e louvável (Pv 31.10-31). Em Êxodo, não lemos nada sobre as lutas internas vividas por Joquebede, a heroína desconhecida. Do ponto de vista narrativo, a vida de Moisés é a questão principal. Mas a Bíblia mais tarde elogiou Joquebede e Anrão, pai de Moisés, pela maneira como eles colocaram sua fé em ação (Hb 11.23).

Com muita frequência, o trabalho de dar à luz e criar filhos é negligenciado. As mães, especialmente, muitas vezes entendem que criar os filhos não é tão importante ou louvável quanto qualquer outro trabalho. No entanto, quando Êxodo conta a história de como seguir a Deus, a primeira coisa que ele tem a nos dizer é a incomparável importância de gerar, criar, proteger e ajudar os filhos. O primeiro ato de coragem, neste livro repleto de feitos corajosos, é a coragem de uma mãe, de sua família e de suas parteiras ao salvar seu filho.

O chamado de Deus a Moisés (Êxodo 2.11—3.22)

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Embora Moisés fosse hebreu, ele foi criado na família real do Egito como neto do faraó. Sua repulsa à injustiça explodiu em um ataque letal a um egípcio que ele encontrou espancando um trabalhador hebreu. Esse ato chamou a atenção do faraó, por isso Moisés fugiu em busca de segurança e tornou-se pastor em Midiã, uma região a várias centenas de quilômetros a leste do Egito, do outro lado da península do Sinai. Não sabemos exatamente quanto tempo ele viveu lá, mas durante esse tempo ele se casou e teve um filho. Além disso, duas coisas importantes aconteceram. O rei do Egito morreu, e o Senhor ouviu o clamor de seu povo oprimido e se lembrou de sua aliança com Abraão, Isaque e Jacó (Êx 2.23-25). Esse ato de lembrar não significava que Deus havia se esquecido de seu povo. Sinalizou que ele estava prestes a agir em nome deles. [1] Para isso, ele chamaria Moisés.

O chamado de Deus a Moisés veio enquanto Moisés estava trabalhando. O relato de como isso aconteceu compreende seis elementos que formam um padrão evidente na vida de outros líderes e profetas na Bíblia. Portanto, é instrutivo examinar essa narrativa de chamado e considerar suas implicações para nós hoje, especialmente no contexto de nosso trabalho.

Primeiro, Deus confrontou Moisés e chamou sua atenção na cena da sarça em chamas (Êx 3.2-5). Um arbusto em chamas no semideserto não é nada de excepcional, mas Moisés ficou intrigado com a natureza daquele fogo em particular. Moisés ouviu seu nome ser chamado e respondeu: “Eis-me aqui”. (Êx 3.4). Esta é uma declaração de disponibilidade, não de localização. Em segundo lugar, o Senhor apresentou-se como o Deus dos patriarcas e comunicou sua intenção de resgatar seu povo do Egito e trazê-los para a terra que ele havia prometido a Abraão (Êx 3.6-9). Terceiro, Deus comissionou Moisés para ir ao faraó a fim de tirar o povo de Deus do Egito (Êx 3.10). Quarto, Moisés argumentou (Êx 3.11). Embora ele tivesse acabado de ouvir uma poderosa revelação sobre quem estava falando com ele naquele momento, sua preocupação imediata foi: “Quem sou eu?”. Em resposta a isso, Deus tranquilizou Moisés com a promessa de sua própria presença (Êx 3.12a). Finalmente, Deus falou de um sinal de confirmação (Êx 3.12b).

Esses mesmos elementos estão presentes em várias outras narrativas de chamados nas Escrituras — por exemplo, nos chamados de Gideão, Isaías, Jeremias, Ezequiel e alguns dos discípulos de Jesus. Essa não é uma fórmula rígida, pois muitas outras narrativas de chamados nas Escrituras seguem um padrão diferente. Mas sugere que o chamado de Deus geralmente vem por meio de uma série extensa de encontros que guiam uma pessoa no caminho de Deus ao longo do tempo.

O
juiz
Gideão

O
profeta
Isaías

O
profeta
Jeremias

O
profeta
Ezequiel

Discípulos
de Jesus
em Mateus

Confronto

6.11b-12a

6.1-2

1.4

1.1-28a

28.16-17

Introdução

6.12b-13

6.3-7

1.5a

1.28b—2.2

28.18

Comissionamento

6.14

6.8-10

1.5b

2.3-5

28.19-20a

Argumentação

6.15

6.11a

1.6

2.6,8

Garantia

6.16

6.11b-13

1.7-8

2.6-7

28.20b

Sinal de confirmação

6.17-21


1.9-10

2.9—3.2

Possivelmente o
livro de Atos

Observe que esses chamados não são principalmente para o trabalho sacerdotal ou religioso em uma congregação. Gideão era um líder militar; Isaías, Jeremias e Ezequiel eram críticos sociais; e Jesus era um rei (embora não no sentido tradicional). Em muitas igrejas hoje, o termo “chamado” é limitado a ocupações religiosas, mas isso não é verdade nas Escrituras e, certamente, não em Êxodo. O próprio Moisés não era um sacerdote ou líder religioso (esses eram os papéis de Arão e Miriã), mas um pastor, estadista e governador. A pergunta do Senhor a Moisés: “O que é isso em sua mão?” (Êx 4.2) redireciona a ferramenta comum de pastoreio de ovelhas usada por Moisés para usos que ele nunca imaginou serem possíveis (Êx 4.3-5).

A obra de redenção de Deus para Israel (Êxodo 5.1—6.28)

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No livro de Êxodo, Deus é o obreiro essencial. A natureza e a intenção dessa obra divina definiram a agenda da obra de Moisés e, por meio dele, da obra do povo de Deus. O chamado inicial de Deus a Moisés incluía uma explicação da obra de Deus. Isso levou Moisés a falar em nome do Senhor a faraó, dizendo: “Deixe o meu povo ir” (Êx 5.1). A refutação do faraó não foi meramente verbal; ele oprimiu os israelitas com mais severidade do que antes. No final deste episódio, até os próprios israelitas se voltaram contra Moisés (Êx 5.20-21). É nesse ponto crucial que, em resposta ao questionamento de Moisés a Deus sobre todo o empreendimento, Deus esclareceu o projeto de sua obra. O que lemos aqui em Êxodo 6.2-8 não pertence apenas ao contexto imediato da opressão de Israel no Egito, mas estrutura uma agenda que abrange toda a obra de Deus na Bíblia. [1] É importante que todos os cristãos tenham clareza sobre o escopo da obra de Deus, porque isso nos ajuda a entender o que significa orar para que o Reino de Deus venha e para que sua vontade seja feita assim na terra como no céu (Mt 6.10). O cumprimento dessas intenções é tarefa de Deus. Para realizá-las, ele envolverá todo o seu povo, não apenas aqueles que fazem trabalho “religioso”. Chegar a uma compreensão mais clara da obra de Deus nos capacita a considerar melhor não apenas a natureza de nossa obra, mas a maneira pela qual Deus deseja que a façamos.

Para melhor apreciar esse texto-chave, faremos algumas breves observações sobre ele e, em seguida, mostraremos como ele é relevante para a teologia do trabalho. Depois de uma resposta inicialmente segura à pergunta acusatória de Moisés sobre a missão de Deus (Êx 5.22—6.1), Deus molda sua resposta mais extensa com as palavras “Eu sou o Senhor” no início e no fim (Êx 6.2,8). Essa frase-chave demarca o parágrafo e dá ao conteúdo uma prioridade especialmente alta. Os leitores devem ter o cuidado de observar que essa frase não comunica o que Deus é em termos de um título. Ela revela o próprio nome de Deus e, portanto, fala quem ele é. [2] Ele é o Deus que apareceu aos patriarcas, que faz alianças e cumpre promessas. A obra que Deus está prestes a fazer por seu povo está, portanto, fundamentada nas intenções que Deus expressou a eles. A saber, estes devem multiplicar os descendentes de Abraão, engrandecer seu nome e abençoá-lo para que, por meio de Abraão, Deus abençoe todas as famílias da terra (Gn 12.2-3).

A obra de Deus aparece então em quatro partes. Esses quatro propósitos redentores de Deus reaparecem de várias maneiras ao longo do Antigo Testamento e até dão forma ao clímax da obra redentora de Deus em Jesus Cristo. A primeira é a obra de libertação. “Eu os livrarei do trabalho imposto pelos egípcios. Eu os libertarei da escravidão e os resgatarei com braço forte e com poderosos atos de juízo” (Êx 6.6). Inerente a esse trabalho de libertação está a verdade franca de que o mundo é um lugar de opressão múltipla. Às vezes, usamos a palavra salvação para descrever essa atividade de Deus, mas devemos ter cuidado para evitar entendê-la em termos de resgate da terra para o céu (e certamente não da matéria para o espírito) ou como mero perdão de pecados. O Deus de Israel libertou seu povo entrando em seu mundo e efetuando uma mudança “no terreno”, por assim dizer. Êxodo não apenas mostra Deus efetuando a libertação de Israel do faraó no Egito, mas também prepara o terreno para o rei messiânico, Jesus, libertar seu povo de seus pecados e vencer o diabo, o tirano do mal (Mt 1.21; 12.28).

Segundo, o Senhor formará uma comunidade piedosa. “Eu os farei meu povo e serei o Deus de vocês” (Êx 6.7a). Deus não libertou seu povo para que eles pudessem viver como quisessem, nem os libertou como indivíduos isolados. Ele pretendia criar um tipo qualitativamente diferente de comunidade, na qual seu povo viveria com ele e uns com os outros em fidelidade à aliança. Toda nação nos tempos antigos tinha seus “deuses”, mas a identidade de Israel como povo de Deus envolvia um estilo de vida de obediência a todos os decretos, mandamentos e leis de Deus (Dt 26.17-18). À medida que esses valores e ações impregnassem seu modo de lidar com Deus e uns com os outros (e mesmo aqueles fora da aliança), Israel demonstraria cada vez mais o que genuinamente significa ser o povo de Deus. Novamente, isso forma o pano de fundo para Jesus, que construiria sua “igreja”, não como uma estrutura física de tijolo ou pedra, mas como uma nova comunidade com discípulos de todas as nações (Mt 16.18; 28.19).

Terceiro, o Senhor criará um relacionamento contínuo entre ele e seu povo. “Então vocês saberão que eu sou o Senhor, o seu Deus, que os livra do trabalho imposto pelos egípcios” (Êx 6.7b). Todas as outras declarações do propósito de Deus começam com a palavra eu, exceto esta. Aqui, o foco está em vocês. Deus deseja que seu povo tenha uma certa experiência de seu relacionamento com Deus, que graciosamente os resgatou. Para nós, o conhecimento parece praticamente equivalente à informação. O conceito bíblico de conhecimento abraça essa noção, mas também inclui a experiência interpessoal de conhecer os outros. Dizer que Deus não se fez “conhecido” como “Senhor” a Abraão não significa que Abraão desconhecia o nome divino “YHWH” (Gn 13.4; 21.33). Significa que Abraão e sua família ainda não haviam experimentado pessoalmente o significado desse nome como descritivo de seu Deus cumpridor de promessas, que lutaria em nome de seu povo para livrá-lo da escravidão em escala nacional. [3] Em última análise, isso é retomado por Jesus, cujo nome “Emanuel” significa Deus “conosco” em relacionamento (Mt 1.23).

Quarto, Deus pretende que seu povo experimente a boa vida. “E os farei entrar na terra que, com mão levantada, jurei que daria a Abraão, a Isaque e a Jacó” (Êx 6.8). Deus prometeu dar a Abraão a terra de Canaã, mas não é correto simplesmente equiparar essa “terra” ao nosso conceito de “região”. É uma terra de promessa e provisão. A descrição regular e positiva dela como terra “onde manam leite e mel” (Êx 3.8) destaca sua natureza simbólica como um lugar para viver com Deus e o povo de Deus em condições ideais, algo que entendemos como a “vida em abundância”. [4] Aqui, novamente, vemos que a obra de salvação de Deus é um ajuste correto de toda a sua criação — ambiente físico, pessoas, cultura, economia, tudo. Essa também é a missão de Jesus quando ele inicia o Reino de Deus vindo à terra, onde os mansos herdarão a terra e experimentarão a vida eterna (Mt 5.5; Jo 17.3). [9] Isso se completa na Nova Jerusalém de Apocalipse 21 e 22. Êxodo, portanto, estabelece o caminho para toda a Bíblia que se segue.

Considere como nosso trabalho hoje pode expressar esses quatro propósitos redentores. Primeiro, a vontade de Deus é livrar pessoas da opressão e das condições prejudiciais da vida. Parte desse trabalho resgata pessoas de perigos físicos; outro trabalho se concentra no alívio de traumas psicológicos e emocionais. O trabalho de cura toca as pessoas uma a uma; aqueles que elaboram soluções políticas para nossas necessidades podem abençoar sociedades e classes de pessoas inteiras. Os que trabalham na aplicação da lei e no sistema judicial devem ter como objetivo restringir e punir aqueles que fazem o mal, proteger as pessoas e cuidar das vítimas. Dada a extensão generalizada da opressão no mundo, sempre haverá múltiplas oportunidades e meios de trabalhar pela libertação.

O segundo e o terceiro propósitos (comunidade e relacionamento) estão intimamente relacionados entre si. O trabalho piedoso que promove a paz e a verdadeira harmonia no céu aumentará a misericórdia e a justiça na terra. Esta é a essência do discurso de Paulo aos coríntios: por meio de Cristo, Deus nos reconciliou consigo mesmo e, assim, nos deu a mensagem e o ministério da reconciliação (2Co 5.16-20). Os cristãos experimentaram essa reconciliação e, portanto, têm motivos e meios para fazer esse tipo de trabalho. O trabalho de evangelismo e desenvolvimento espiritual honra uma dimensão da área; o trabalho de paz e justiça honra a dimensão interpessoal. Em essência, os dois são inseparáveis ​​e aqueles que trabalham nesses campos fazem bem em lembrar a natureza holística do que Deus está fazendo. Jesus ensinou que, porque nós somos a luz do mundo, devemos deixar nossa luz brilhar diante dos outros (Mt 5.14-16).

Construir comunidade e relacionamentos pode ser o objeto do nosso trabalho, como no caso de líderes comunitários, pessoas que trabalham com jovens, assistentes sociais, organizadores de eventos, profissionais de mídia social, pais e familiares e muitos outros. Mas estes também podem ser elementos do nosso trabalho, seja qual for a nossa ocupação. Quando damos boas-vindas e ajudamos novos trabalhadores, perguntamos e ouvimos os outros falarem sobre assuntos importantes, estamos dispostos a conhecer alguém pessoalmente, enviamos uma nota de encorajamento, compartilhamos uma foto memorável, levamos boa comida para compartilhar, incluímos alguém em uma conversa ou uma infinidade de outros atos de camaradagem, estamos cumprindo esses dois propósitos do trabalho, dia após dia.

Finalmente, o trabalho piedoso promove a boa vida. Deus guiou seu povo para fora do Egito, a fim de fazê-los entrar na terra prometida, onde eles poderiam se estabelecer, viver e se desenvolver. No entanto, o que Israel experimentou lá foi muito menos do que o ideal de Deus. Da mesma forma, o que os cristãos experimentam no mundo também não é o ideal. A promessa de entrar no descanso de Deus ainda está em aberto (Hb 4.1). Ainda esperamos por um novo céu e uma nova terra. Mas muitas das leis da aliança que Deus deu por meio de Moisés têm a ver com o tratamento ético mútuo. É vital, então, que a bênção de Deus seja operada na maneira como vivemos e trabalhamos uns com os outros. Visto do lado negativo, como podemos razoavelmente esperar que todas as famílias da terra experimentem a bênção de Deus por meio de nós (o povo de Abraão, por meio da fé em Cristo), se nós mesmos ignoramos as instruções de Deus sobre como viver e fazer nosso trabalho? Como Christopher Wright observou: “O povo de Deus, em ambos os testamentos, é chamado para ser uma luz para as nações. Mas não pode haver luz para as nações se ela já não estiver brilhando na vida transformada de um povo santo”. [5] Assim, fica claro que o tipo de “vida boa” em vista aqui não tem nada a ver com uma prosperidade egoísta ou um consumo desenfreado, pois abrange o amplo espectro da vida como Deus espera que seja: cheia de amor, justiça e misericórdia.

Moisés e Arão anunciam o julgamento de Deus ao faraó (Êxodo 7.1—12.51)

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Deus começou o primeiro passo — libertação — enviando Moisés e Aarão para dizer ao faraó que deixasse “os israelitas saírem do país” (Êx 7.2). Para essa tarefa, Deus fez uso da habilidade natural de Arão em falar em público (Êx 4.14; 7.1). Ele também equipou Arão com habilidade que supera a dos altos oficiais do Egito (Êx 7.10-12). Isso nos lembra que a missão de Deus requer palavra e ação.

O faraó se recusou a ouvir a ordem de Deus, por meio de Moisés, de libertar Israel da escravidão. Por sua vez, Moisés anunciou o juízo de Deus ao faraó por meio de uma série cada vez mais severa de desastres ecológicos (Êx 7.17—10.29). Esses desastres causaram miséria pessoal. Mais significativamente, eles prejudicaram drasticamente a capacidade produtiva da terra e do povo do Egito. As doenças causaram a morte do gado (Êx 9.6). As colheitas falharam e as florestas foram arruinadas (Êx 9.25). As pragas invadiram vários ecossistemas (Êx 8.6,24; 10.13-15). Em Êxodo, o desastre ecológico é a retribuição de Deus contra a tirania e a opressão do faraó. No mundo moderno, a opressão política e econômica é um fator importante na degradação ambiental e no desastre ecológico. Seríamos tolos em pensar que podemos assumir a autoridade de Moisés e declarar o julgamento de Deus em qualquer uma dessas coisas. Mas podemos ver que, assim como a economia, a política, a cultura e a sociedade precisam de redenção, o meio ambiente também precisa.

Cada uma dessas ações de advertência convenceu o faraó a libertar Israel, mas, à medida que cada uma delas passava, ele voltava atrás. Finalmente, Deus trouxe o desastre de matar todos os primogênitos entre o povo e os animais dos egípcios (Êx 12.29-30). O efeito terrível da escravidão é “endurecer” o coração contra a compaixão, a justiça e até a autopreservação, como o faraó logo descobriu (Êx 11.10). O faraó então aceitou a exigência de Deus de libertar Israel. Os israelitas que partiram “saquearam” as joias, a prata, o ouro e as roupas dos egípcios (Êx 12.35-36). Isso reverteu os efeitos da escravidão, que era a pilhagem legalizada de trabalhadores explorados. Quando Deus liberta as pessoas, ele restaura seu direito de trabalhar por frutos que elas mesmas possam usufruir (Is 65.21-22). O trabalho — e as condições em que ele é realizado — é assunto da maior preocupação de Deus.

Israel no mar Vermelho e no caminho para o Sinai (Êxodo 13.17—18.27)

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A expressão fundamental da obra de Deus se concretizou de forma dramática quando Deus guiou decisivamente seu povo através do mar Vermelho, libertando-o do domínio tirânico do Egito. O Deus que separou as águas do caos e criou a terra seca, o Deus que levou a família de Noé através do dilúvio para a terra seca, “dividiu” as águas do mar Vermelho e conduziu Israel através de “terra seca” (Êx 14.21-22). A jornada de Israel do Egito ao Sinai é, portanto, a continuação da história da criação e redenção de Deus. Moisés, Arão e outros trabalham arduamente, mas Deus é o verdadeiro trabalhador.

A obra da justiça entre o povo de Israel (Êxodo 18.1-27)

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Durante a viagem do Egito ao Sinai, Moisés se reconectou com seu sogro Jetro. Este, que antes era estrangeiro para os israelitas, ofereceu um conselho muito necessário a Moisés sobre justiça na comunidade. A obra de redenção de Deus para seu povo foi expandida para a obra da justiça entre seu povo. Israel já havia sofrido tratamento injusto nas mãos dos capatazes egípcios. Por conta própria, eles procuraram com razão respostas de Deus para suas próprias disputas. Walter Brueggemann observou que a fé bíblica não é apenas contar a história do que Deus fez. É também “sobre o trabalho árduo e contínuo de nutrir e praticar a paixão diária de curar e restaurar, e a rejeição diária de ganhos desonestos”. [1]

Uma das primeiras coisas que aprendemos sobre Moisés foi seu desejo de mediar entre aqueles que estavam envolvidos em uma disputa. Inicialmente, quando Moisés tentou intervir, ele foi repreendido com as palavras: “Quem o nomeou líder e juiz sobre nós?” (Êx 2.14). No episódio atual, vemos exatamente o oposto. Moisés está em tal demanda como líder e juiz que uma multidão de pessoas necessitadas de suas decisões se reuniu ao seu redor “desde a manhã até o cair da tarde” (Êx 18.14; veja também Dt 1.9-18). A obra de Moisés aparentemente tem dois aspectos. Primeiro, ele proferiu decisões legais para pessoas em disputa. Segundo, ele ensinou os estatutos e as instruções de Deus para aqueles que buscavam orientação moral e religiosa. [2] Jetro observou que Moisés era o único agente nessa nobre obra, mas considerou todo o processo insustentável. “O que você está fazendo não é bom” (Êx 18.17). Além disso, foi prejudicial para Moisés e insatisfatório para o povo que ele estava tentando ajudar. A solução de Jetro foi permitir que Moisés continuasse fazendo o que ele estava singularmente qualificado para fazer como representante de Deus: interceder junto a Deus pelo povo, instruí-lo e decidir os casos difíceis. Todos os outros casos deveriam ser delegados a juízes subordinados que atuariam em um sistema de administração judicial de quatro níveis.

A qualificação desses juízes é a chave para a sabedoria do plano, pois eles não foram selecionados de acordo com as divisões tribais do povo ou sua maturidade religiosa. Eles deviam atender a quatro qualificações (Êx 18.21). Primeiro, eles deviam ser “capazes”. A expressão hebraica “homens de hayil” denota habilidade, liderança, gerenciamento, desenvoltura e o devido respeito. [3] Segundo, eles deviam ser “tementes a Deus”. Assim como aconteceu com as parteiras no capítulo 2, essa provavelmente não é uma qualidade especificamente religiosa. Ele descreve pessoas que têm uma compreensão clara da moralidade comumente reconhecida, que se estende além das fronteiras culturais e religiosas. Terceiro, eles deviam ser “dignos de confiança”. A verdade é um conceito abstrato, bem como uma maneira de agir, por isso essas pessoas deviam ter um histórico público de caráter e conduta verdadeiros. Finalmente, eles deviam ser “inimigos de ganho desonesto”. Eles deviam saber como e por que a corrupção ocorre, desprezar a prática de suborno e todos os tipos de subversão e proteger ativamente o processo judicial dessas infecções.

A delegação é essencial para o trabalho da liderança. Embora Moisés fosse excepcionalmente talentoso como profeta, estadista e juiz, ele não era infinitamente talentoso. Qualquer pessoa que imagina que somente ela é capaz de fazer bem a obra de Deus esqueceu o que significa ser humano. Portanto, o dom da liderança é, em última análise, o dom de dar poder de forma adequada. O líder, como Moisés, deve discernir as qualidades necessárias, treinar aqueles que devem receber autoridade e desenvolver meios para responsabilizá-los. O líder também precisa ser responsabilizado. Jetro executou essa tarefa no caso de Moisés, e a passagem é notavelmente franca ao mostrar como até mesmo o maior de todos os profetas do Antigo Testamento teve de ser confrontado por alguém com o poder de responsabilizá-lo. A liderança sábia, decisiva e compassiva é um dom de Deus de que toda comunidade humana precisa. No entanto, Êxodo nos mostra que não é tanto uma questão de um líder talentoso assumir autoridade sobre as pessoas, mas sim o processo de Deus para uma comunidade desenvolver estruturas de liderança nas quais pessoas talentosas possam ter sucesso. A delegação é a única maneira de aumentar a capacidade de uma instituição ou comunidade, bem como de desenvolver futuros líderes.

O fato de Moisés ter aceitado esse conselho tão rápida e completamente pode ser uma evidência de como ele estava pessoalmente desesperado. Mas, em uma escala mais ampla, também podemos ver que Moisés estava completamente aberto à sabedoria de Deus, mediada a ele por alguém de fora do povo de Israel. Essa observação pode encorajar os cristãos a receber e respeitar contribuições de uma ampla gama de tradições e religiões, principalmente em questões de trabalho. Fazer isso não é necessariamente uma marca de deslealdade a Cristo, nem expõe a falta de confiança em nossa própria fé. Não é uma concessão indevida ao pluralismo religioso. Pelo contrário, pode até ser um testemunho ruim fazer uso de citações bíblicas de sabedoria com muita frequência, pois, ao fazê-lo, pessoas de fora podem nos considerar mesquinhos e até inseguros. Os cristãos fazem bem em ter discernimento sobre as especificidades do conselho que adotamos, quer venha de dentro ou de fora. Mas, em última análise, estamos confiantes de que “toda verdade é a verdade de Deus”. [4]

Israel no Monte Sinai (Êxodo 19.1—40.38)

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No monte Sinai, Moisés recebeu os Dez Mandamentos do Senhor. Como diz a Bíblia de Estudo NVI: “Os Dez Mandamentos são tanto a base quanto o âmago do relacionamento entre Israel e o Senhor. É quase impossível exagerar seu efeito sobre a história subsequente. Constituem base dos princípios morais de todo o mundo ocidental, resumindo o que o Deus único e verdadeiro espera de seu povo quanto à fé, a adoração e à conduta”. [1] Como veremos, o papel da lei israelita para os cristãos é objeto de muita controvérsia. Por essas razões, estaremos atentos ao que o texto de Êxodo realmente diz, pois é isso que temos em comum. Ao mesmo tempo, esperamos estar cientes e respeitar a variedade de maneiras pelas quais os cristãos podem querer tirar lições dessa parte da Bíblia.

O significado da lei em Êxodo (Êxodo 19.1—24.18)

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Começamos reconhecendo que Êxodo é parte integrante de toda a Escritura, não um estatuto legal independente. Christopher Wright escreveu:

A opinião comum de que a Bíblia é um livro de códigos morais para os cristãos fica muito aquém, é claro, da plena realidade do que a Bíblia é e faz. A Bíblia é essencialmente a história de Deus, da terra e da humanidade; é a história do que deu errado, do que Deus fez para consertar as coisas e do que o futuro reserva sob o plano soberano de Deus. No entanto, dentro dessa grande narrativa, o ensino moral tem um lugar vital. A história da Bíblia é a história da missão de Deus. A exigência da Bíblia é a de que os seres humanos respondam apropriadamente. A missão de Deus exige e inclui uma resposta humana. E nossa missão certamente inclui a dimensão ética dessa resposta. [1]

A palavra lei é uma tradução tradicional, porém imprecisa, da palavra-chave hebraica Torá. Como esse termo é tão central para toda a discussão em questão, ele nos ajudará a esclarecer como essa palavra hebraica realmente funciona na Bíblia. A palavra Torá aparece uma vez no Gênesis no sentido de instruções de Deus que Abraão seguiu. Pode se referir a instruções de um ser humano para outro (Sl 78.1). Mas, como algo de Deus, a palavra Torá em todo o Pentateuco e no restante do Antigo Testamento designa um padrão de conduta para o povo de Deus relacionado a questões cerimoniais de adoração formal, bem como estatutos de conduta civil e social. [2] A noção bíblica de Torá transmite o sentido de “instrução divinamente autorizada”. Esse conceito está longe de nossas ideias modernas de direito como um corpo de códigos elaborados e promulgados por legisladores ou leis “naturais”. Para destacar a natureza rica e instrutiva da lei no Êxodo, às vezes vamos nos referir a ela como Torá, sem nenhuma tentativa de tradução.

Em Êxodo, fica claro que a Torá, no sentido de um conjunto de instruções específicas, faz parte da aliança e não o contrário. Em outras palavras, a aliança como um todo descreve a relação que Deus estabeleceu entre ele e seu povo em virtude de seu ato de libertação em favor deles (Êx 20.2). Como rei da aliança do povo, Deus especifica como ele deseja que Israel adore e se comporte. A promessa de Israel de obedecer é uma resposta ao presente divino da aliança (Êx 24.7). Isso é significativo para nossa compreensão da teologia do trabalho. A maneira como discernimos a vontade de Deus para nosso comportamento no trabalho e a maneira como a colocamos em prática no ambiente de trabalho são envoltos pelo relacionamento que Deus estabeleceu conosco. Em termos cristãos, amamos a Deus porque ele nos amou primeiro e demonstramos esse amor na forma como tratamos os outros (1Jo 4.19-21). A natureza categórica do mandamento de Deus para que amemos nosso próximo significa que Deus deseja que o apliquemos em todos os lugares, independentemente de nos encontrarmos em uma igreja, café, casa, local público ou ambiente de trabalho.

O papel da lei para os cristãos (Êxodo 20.1—24.18)

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Pode ser um desafio para um cristão extrair uma ideia de um versículo do livro de Êxodo ou, especialmente, de Levítico, e depois sugerir como essa lição deve ser aplicada hoje. Qualquer um que tente isso deve estar preparado para a resposta: “Claro, mas a Bíblia também permite a escravidão e diz que não podemos comer bacon ou camarão! Além disso, acho que Deus realmente não se importa se minhas roupas são de uma mistura de algodão e poliéster” (Êx 21.2-11; Lv 11.7,12; 19.19, respectivamente). Visto que isso acontece até mesmo dentro dos círculos cristãos, não devemos nos surpreender se encontrarmos dificuldades para aplicar a Bíblia ao tema do trabalho na esfera pública. Como podemos saber o que se aplica hoje e o que não se aplica? Como evitamos a acusação de inconsistência no modo como lidamos com a Bíblia? Mais importante ainda, como permitimos que a palavra de Deus realmente nos transforme em todas as áreas da vida? A diversidade de leis em Êxodo e no Pentateuco apresenta um tipo de desafio. Outro vem da variedade de maneiras pelas quais os cristãos entendem e aplicam a Torá e o Antigo Testamento em relação a Cristo e ao Novo Testamento. Ainda assim, a questão da Torá no cristianismo é crucial e deve ser abordada para que possamos extrair algo sobre o que essa parte da Bíblia diz sobre nosso trabalho. O breve tratamento a seguir pretende ser útil sem ser excessivamente estreito.

A relação do Novo Testamento com a lei é complexa. Inclui tanto a declaração de Jesus de que “de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço” (Mt 5.18) e a declaração de Paulo de que “fomos libertados da Lei, para que sirvamos conforme o novo modo do Espírito, e não segundo a velha forma da Lei escrita” (Rm 7.6). Essas não são duas declarações opostas, mas duas maneiras de dizer uma realidade comum — que a Torá continua a revelar o dom de justiça, sabedoria e transformação interior de Deus para aqueles que ele trouxe para uma nova vida em Cristo. Deus deu a Torá como expressão de sua natureza sagrada e como consequência de sua grande libertação. A leitura da Torá nos torna conscientes de nossa pecaminosidade inerente e de nossa necessidade de um remédio para vivermos em paz com Deus e uns com os outros. Deus espera que seu povo obedeça às suas instruções, aplicando-as a questões reais da vida, grandes e pequenas. A natureza específica de algumas leis não significa que Deus seja um perfeccionista irrealista. Essas leis nos ajudam a entender que nenhum problema que enfrentamos é pequeno ou insignificante demais para Deus. Mesmo assim, a Torá não se refere apenas ao comportamento exterior, pois aborda questões do coração, como a cobiça (Êx 20.17). Mais tarde, Jesus condenaria não apenas o assassinato e o adultério, mas também as raízes da ira e da luxúria (Mt 5.22,28).

No entanto, obedecer à Torá aplicando-a às questões reais da vida hoje não equivale a repetir as ações que Israel executou há milhares de anos. Já no Antigo Testamento vemos indícios de que algumas partes da lei não pretendiam ser permanentes. O tabernáculo certamente não era uma estrutura permanente e até o templo foi demolido pelas mãos dos inimigos de Israel (2Rs 25.9). No entanto, Jesus falou de sua própria morte e ressurreição sacrificial, quando disse que ergueria o “templo” destruído em três dias (Jo 2.19). Em um sentido importante, ele encarnava tudo o que o templo, seu sacerdócio e suas atividades representavam. A declaração de Jesus sobre a comida — que não é o que entra nas pessoas que as torna impuras — significava que as leis alimentares específicas da aliança mosaica não estavam mais em vigor (Mc 7.19). [1] Além disso, no Novo Testamento, o povo de Deus vive em vários países e culturas ao redor do mundo, onde não há autoridade legal para aplicar as sanções da Torá. Os apóstolos consideraram essas questões e, sob a orientação do Espírito Santo, decidiram que os detalhes da lei judaica não se aplicavam, em geral, aos cristãos gentios (At 15.28-29).

Quando perguntado sobre quais mandamentos eram mais importantes, a resposta de Jesus não foi controversa à luz da teologia de seu tempo. “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças” e “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Mc 12.30-31). [2]

Muito no Novo Testamento confirma a Torá, não apenas em seus mandamentos negativos contra adultério, assassinato, roubo e cobiça, mas também em seu mandamento positivo de amar uns aos outros (Rm 13.8-10; Gl 5.14). De acordo com Timothy Keller: “A vinda de Cristo mudou a forma como adoramos, mas não a forma como vivemos”. [3] Isso não causa surpresa, visto que, na nova aliança, Deus disse que colocaria sua lei dentro de seu povo e a escreveria em seu coração (Jr 31.33; Lc 22.20). A fidelidade de Israel às leis da aliança mosaica dependia de sua determinação em obedecer a elas. No final, somente Jesus poderia fazer isso. Por outro lado, os crentes da nova aliança não agem dessa maneira. De acordo com Paulo, nós servimos “conforme o novo modo do Espírito” (Rm 7.6).

Para nossos propósitos ao considerar a teologia do trabalho, a explicação anterior sugere vários pontos que podem nos ajudar a entender e aplicar as leis de Êxodo relacionadas ao ambiente de trabalho. As leis específicas que se referem ao tratamento adequado de trabalhadores, animais e propriedades expressam valores permanentes da própria natureza de Deus. Elas devem ser levadas a sério, mas não de forma servil. Por um lado, os itens dos Dez Mandamentos são redigidos em termos gerais e podem ser aplicados livremente em contextos variados. Por outro lado, leis específicas sobre servos, gado e danos pessoais exemplificam aplicações no contexto histórico e social específico do antigo Israel, especialmente em áreas que eram controversas na época. Essas leis são ilustrativas do comportamento correto, mas não esgotam todas as aplicações possíveis. Como cristãos, honramos a Deus e sua lei não apenas regulando nosso comportamento, mas também permitindo que o Espírito Santo transforme nossas atitudes, motivações e desejos (Rm 12.1-2). Fazer qualquer coisa menos do que isso equivaleria a evitar a obra e a vontade de nosso Senhor e Salvador. Os cristãos devem sempre buscar como o amor pode guiar nossas políticas e comportamentos.

Instruções sobre o trabalho (Êxodo 20.1-17 e 21.1—23.9)

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O “Livro da Aliança” de Israel (Êx 24.7) incluía os Dez Mandamentos, também conhecidos como Decálogo (literalmente, as “palavras”, Êx. 20.1-17), e as ordenanças de Êxodo 21.1—23.19 . Os Dez Mandamentos são redigidos como mandamentos gerais para fazer ou não fazer algo. As ordenanças são uma coleção de jurisprudências, que aplicam os valores do Decálogo a situações específicas, usando um formato “Se... então...”. Essas leis se encaixam no mundo social e econômico do antigo Israel. Elas não são um código legal exaustivo, mas funcionam como exemplos, servindo para coibir os piores excessos e estabelecendo precedentes legais para lidar com casos difíceis. [1]

Os Dez Mandamentos (Êxodo 20.1-17)

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Os Dez Mandamentos são a expressão suprema da vontade de Deus no Antigo Testamento e merecem nossa atenção. Eles devem ser considerados não como os dez mandamentos mais importantes entre centenas de outros, mas como um resumo de toda a Torá. O fundamento de toda a Torá repousa nos Dez Mandamentos, e em algum lugar dentro deles devemos ser capazes de encontrar toda a lei. Jesus expressou a unidade essencial dos Dez Mandamentos com o restante da lei, quando resumiu a lei nas famosas palavras: “‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.37-40). Toda a lei, assim como os profetas, é indicada sempre que os Dez Mandamentos são expressos.

A unidade essencial dos Dez Mandamentos com o restante da lei e sua continuidade com o Novo Testamento nos convida a aplicá-los ao trabalho de hoje de maneira ampla, à luz do restante das Escrituras. Ou seja, ao aplicar os Dez Mandamentos, levaremos em consideração passagens das Escrituras relacionadas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

“Não terás outros deuses além de mim” (Êxodo 20.3)
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O primeiro mandamento nos lembra que tudo na Torá flui do amor que temos por Deus, o que, por sua vez, é uma resposta ao amor que ele tem por nós. Este amor foi demonstrado pela de Israel operada por Deus “da terra da escravidão” no Egito (Êx 20.2). Nada na vida deve nos preocupar mais do que nosso desejo de amar e ser amado por Deus. Se nós tivermos alguma outra preocupação mais forte em relação a nós do que nosso amor por Deus, não significa tanto que estarmos quebrando as regras de Deus, mas sim que não estamos realmente em um relacionamento com Deus. A outra preocupação — seja dinheiro, poder, segurança, reconhecimento, sexo ou qualquer outra coisa — tornou-se nosso deus. Esse deus terá seus próprios mandamentos em desacordo com os de Deus, e inevitavelmente violaremos a Torá se cumprirmos as exigências desse deus. A observância dos Dez Mandamentos só é concebível para aqueles que começam não tendo outro deus além de Deus.

No campo do trabalho, isso significa que não devemos permitir que o trabalho ou seus requisitos e frutos substituam Deus como nossa preocupação mais importante na vida. “Nunca permita que alguém ou alguma coisa ameace o lugar central de Deus em sua vida”, como diz David Gill. [1] Como muitas pessoas trabalham principalmente para ganhar dinheiro, um desejo excessivo por dinheiro provavelmente seja o perigo mais comum do trabalho em relação ao primeiro mandamento. Jesus advertiu exatamente sobre esse perigo. “Ninguém pode servir a dois senhores... Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6.24). Mas quase tudo relacionado ao trabalho pode se tornar distorcido em nossos desejos, a ponto de interferir em nosso amor por Deus. Quantas carreiras chegam a um fim trágico porque os meios para realizar coisas pelo amor de Deus — como poder político, sustentabilidade financeira, compromisso com o trabalho, status entre colegas ou desempenho superior — tornam-se um fim em si mesmos? Quando, por exemplo, o reconhecimento no trabalho se torna mais importante do que o caráter no trabalho, não é um sinal de que a reputação está substituindo o amor de Deus como a preocupação principal?

Uma maneira prática de avaliação é perguntar se nosso amor a Deus é demonstrado pela maneira como tratamos as pessoas no trabalho. “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão’ (1Jo 4.20-21). Se colocarmos nossas preocupações individuais à frente de nossas preocupações com as pessoas com quem, para quem e entre quem trabalhamos, tornamos nossas preocupações individuais nosso deus. Em particular, se tratarmos as outras pessoas como coisas a serem manipuladas, obstáculos a serem superados, instrumentos para obter o que queremos ou simplesmente objetos neutros em nosso campo de visão, demonstraremos que não amamos a Deus de todo o nosso coração, alma e mente.

Nesse contexto, podemos começar a listar algumas ações relacionadas ao trabalho que têm alto potencial de interferir em nosso amor por Deus. Fazer um trabalho que viola nossa consciência. Trabalhar em uma organização em que temos de prejudicar os outros para ter sucesso. Trabalhar tantas horas que temos pouco tempo para orar, adorar, descansar e aprofundar nosso relacionamento com Deus. Trabalhar entre pessoas que nos desmoralizam ou nos seduzem para longe de nosso amor por Deus. Trabalhar onde o álcool, o abuso de drogas, a violência, o assédio sexual, a corrupção, o desrespeito, o racismo ou outros tratamentos desumanos arruínam a imagem de Deus em nós e nas pessoas que encontramos em nosso trabalho. Se pudermos encontrar maneiras de evitar esses perigos no trabalho — mesmo que isso signifique encontrar um novo emprego — seria sábio fazê-lo. Se isso não for possível, podemos pelo menos estar cientes de que precisamos de ajuda e apoio para manter nosso amor a Deus diante de nosso trabalho.

“Não farás para ti nenhum ídolo” (Êxodo 20.4)
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O segundo mandamento levanta a questão da idolatria. Ídolos são deuses que nós mesmos criamos, deuses que nada têm em si próprios a não ser o que nós mesmos criamos, deuses sobre os quais pensamos ter controle. Nos tempos antigos, a idolatria muitas vezes assumia a forma de adoração a objetos físicos. Mas a questão é realmente de confiança e devoção. Em última análise, em que depositamos nossa esperança de bem-estar e sucesso? Qualquer coisa que não seja capaz de cumprir nossa esperança — ou seja, qualquer coisa que não seja Deus — é um ídolo, seja ou não um objeto físico. A história de uma família que forja um ídolo com a intenção de manipular Deus, bem como as desastrosas consequências pessoais, sociais e econômicas que se seguem, são memoravelmente contadas em Juízes 17—21.

No mundo do trabalho, é comum falar em dinheiro, fama e poder como ídolos em potencial, e com razão. Eles não são ídolos em si e, de fato, podem ser necessários para cumprirmos nossos papéis na obra criadora e redentora de Deus no mundo. No entanto, começamos a cair na idolatria quando imaginamos que temos total controle sobre eles, ou que, ao alcançá-los, nossa segurança e prosperidade serão garantidas. O mesmo pode ocorrer com praticamente todos os outros elementos do sucesso, incluindo preparação, trabalho árduo, criatividade, risco, riqueza e outros recursos e circunstâncias favoráveis. Como trabalhadores, temos de reconhecer o quanto isso é importante. Como povo de Deus, devemos reconhecer quando começamos a idolatrá-los. Pela graça de Deus, podemos vencer a tentação de adorar essas coisas no lugar de Deus. O desenvolvimento de sabedoria e habilidade genuinamente piedosas para qualquer tarefa é “para que você confie no Senhor” (Pv 22.19; grifo do autor).

O elemento distintivo da idolatria é a natureza humana do ídolo. No trabalho, surge o perigo de idolatria quando confundimos nosso poder, nosso conhecimento e nossas opiniões com a realidade. Quando paramos de nos responsabilizar pelos padrões que estabelecemos para os outros, deixamos de ouvir as ideias dos outros ou procuramos esmagar aqueles que discordam de nós, não estamos começando a nos tornar ídolos?

“Não tomarás em vão o nome do SENHOR, o teu Deus” (Êxodo 20.7)
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O terceiro mandamento literalmente proíbe o povo de Deus de tomar “em vão” o nome de Deus. Isso não precisa se restringir ao nome “YHWH” (Êx 3.15), mas inclui “Deus”, “Jesus”, “Cristo” e assim por diante. Mas o que significa tomar em vão? Isso inclui, é claro, o uso desrespeitoso para xingar, caluniar e blasfemar. Mas, mais significativamente, inclui atribuir falsamente desígnios humanos a Deus. Isso nos proíbe de reivindicar a autoridade de Deus para nossas próprias ações e decisões. Lamentavelmente, alguns cristãos parecem acreditar que seguir a Deus no trabalho consiste principalmente em falar por Deus com base em seu entendimento individual, em vez de trabalhar respeitosamente com os outros ou assumir a responsabilidade por suas ações. “A vontade de Deus é que…” ou “Deus está punindo você por…” são coisas muito perigosas de se dizer e quase nunca válidas quando ditas por um indivíduo sem o discernimento da comunidade de fé (1Ts 5.20-21). À luz disso, talvez a tradicional reticência dos judeus em proferir até mesmo o termo traduzido por “Deus” — sem falar do próprio nome divino — demonstre uma sabedoria que os cristãos muitas vezes carecem. Se fôssemos um pouco mais cuidadosos ao usar a palavra “Deus”, talvez fôssemos mais criteriosos ao afirmar que conhecemos a vontade de Deus, especialmente no que se refere a outras pessoas.

O terceiro mandamento também nos lembra que respeitar os nomes humanos é importante para Deus. O Bom Pastor “chama as ovelhas pelo nome” (Jo 10.3), enquanto nos adverte que, se você chamar outra pessoa de louco (ou “tolo”, NAA), então “corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mt 5.22). Tendo isso em mente, não devemos fazer uso indevido do nome de outras pessoas ou chamá-las por apelidos desrespeitosos. Usamos o nome das pessoas de forma errada quando o fazemos para amaldiçoar, humilhar, oprimir, excluir e fraudar. Usamos bem o nome das pessoas quando o fazemos para encorajar, agradecer, demonstrar solidariedade e acolher. Simplesmente aprender e dizer o nome de alguém é uma bênção, especialmente se essa pessoa é frequentemente tratada como alguém sem nome, invisível ou insignificante. Você sabe o nome da pessoa que esvazia sua lixeira, atende sua ligação telefônica ou dirige seu ônibus? Se esses exemplos não dizem respeito ao próprio nome do Senhor, eles dizem respeito ao nome daqueles que foram feitos à sua imagem.

“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias” (Êxodo 20.8-11)
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A questão do sábado é complexa, não apenas no livro de Êxodo e no Antigo Testamento, mas também na teologia e na prática cristãs. A primeira parte do mandamento exige que se pare de trabalhar um dia a cada sete. As outras referências em Êxodo ao sábado estão em Êxodo 16 (sobre colher maná), Êxodo 23.10-12 (o sétimo ano e a meta de descanso semanal), Êxodo 31.12-17 (pena por violação), Êxodo 34.21 e Êxodo 35.1-3. No contexto do mundo antigo, o sábado era exclusivo de Israel. Por um lado, esse foi um presente incomparável para o povo de Israel. Nenhum outro povo antigo teve o privilégio de descansar um dia em cada sete. Por outro lado, exigia uma confiança extraordinária na provisão de Deus. Seis dias de trabalho tinham de ser suficientes para plantar, colher, carregar água, fiar e tirar o sustento da criação. Enquanto Israel descansava um dia por semana, as nações ao redor continuaram a forjar espadas, preparar flechas e treinar soldados. Israel tinha de confiar em Deus para não deixar que um dia de descanso levasse a uma catástrofe econômica e militar.

Enfrentamos a mesma questão de confiança na provisão de Deus hoje. Se obedecermos ao mandamento de Deus de observar o próprio ciclo de trabalho e descanso de Deus, seremos capazes de competir na economia moderna? São necessários sete dias de trabalho para ter um emprego (ou dois ou três empregos), limpar a casa, preparar as refeições, cortar a grama, lavar o carro, pagar as contas, terminar os trabalhos da escola e comprar roupas? Ou podemos confiar em Deus para nos sustentar, mesmo que tiremos um dia de folga durante o curso de cada semana? Podemos reservar um tempo para adorar a Deus, orar e nos reunir com outras pessoas para estudo e encorajamento e, se o fizermos, isso nos tornará mais ou menos produtivos em geral? O quarto mandamento não explica como Deus fará com que tudo dê certo para nós. Ela simplesmente nos diz para descansar um dia a cada sete.

Os cristãos traduziram o dia de descanso como o Dia do Senhor (domingo, o dia da ressurreição de Cristo), mas a essência do sábado não é escolher um dia específico da semana em detrimento de outro (Rm 14.5-6). A polaridade que realmente está na base do sábado é trabalhar e descansar. Tanto o trabalho quanto o descanso estão incluídos no quarto mandamento. Os seis dias de trabalho fazem parte do mandamento tanto quanto o dia de descanso. Embora muitos cristãos corram o risco de permitir que o trabalho esmague o tempo reservado para o descanso, outros correm o risco de evitar o trabalho e tentar levar uma vida de lazer e dissolução. Isso é ainda pior do que negligenciar o sábado, pois “se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente” (1Tm 5.8). O que precisamos é de um ritmo adequado de trabalho e descanso, que, juntos, sejam bons para nós, nossa família, nossos funcionários e nossos hóspedes. O ritmo pode ou não incluir vinte e quatro horas contínuas de descanso, caindo no domingo (ou sábado). As proporções podem mudar devido a necessidades temporárias (o equivalente moderno de tirar um boi do poço no sábado, veja Lc 14.5) ou a necessidades mutáveis ​​das fases da vida.

Se o excesso de trabalho é o nosso principal perigo, precisamos encontrar uma maneira de honrar o quarto mandamento sem instituir um novo e falso legalismo que oponha o espiritual (adoração no domingo) contra o secular (trabalho de segunda a sábado). Se evitar o trabalho é o nosso perigo, precisamos aprender a encontrar alegria e significado em trabalhar como um serviço a Deus e ao próximo (Ef 4.28).

“Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20.12)
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Há muitas maneiras de honrar — ou desonrar — seu pai e sua mãe. Nos dias de Jesus, os fariseus queriam restringir isso a falar bem deles. Mas Jesus salientou que obedecer a esse mandamento inclui trabalhar para sustentar seus pais (Mc 7.9-13). Honramos as pessoas trabalhando para o bem delas.

Para muitas pessoas, um bom relacionamento com os pais é uma das alegrias da vida. Servir com amor a eles é um deleite, e obedecer a esse mandamento é fácil. Mas somos postos à prova por esse mandamento quando achamos difícil trabalhar em favor de nossos pais. Podemos ter sido maltratados ou negligenciados por eles. Eles podem ser controladores e intrometidos. Estar perto deles pode minar nosso senso de identidade, nosso compromisso com nosso cônjuge (incluindo nossas responsabilidades sob o terceiro mandamento) e até mesmo nosso relacionamento com Deus. Mesmo que tenhamos um bom relacionamento com nossos pais, pode chegar um momento em que cuidar deles seja um grande fardo, simplesmente por causa do tempo e do trabalho que isso exige. Se o envelhecimento ou a demência começarem a roubar sua memória, suas capacidades e sua boa índole, cuidar deles pode se tornar uma profunda tristeza.

No entanto, o quinto mandamento vem com uma promessa: “a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá” (Êx 20.12). De alguma forma, honrar nosso pai e nossa mãe de maneira prática tem o benefício prático de nos dar uma vida mais longa (talvez no sentido de mais realização) no Reino de Deus. Não nos é dito como isso ocorrerá, mas somos instruídos a esperar por isso e, para tanto, devemos confiar em Deus (veja o primeiro mandamento).

Como essa é uma ordem para trabalhar em benefício dos pais, é inerentemente uma ordem do ambiente de trabalho. O ambiente de trabalho pode ser onde ganhamos recursos para sustentá-los ou pode ser onde os ajudamos nas tarefas da vida cotidiana. Ambos são trabalho. Quando aceitamos um emprego porque ele nos permite viver perto deles, enviamos dinheiro para eles, fazemos uso dos valores e dons que eles desenvolveram em nós ou ainda fazemos coisas que eles nos ensinaram como sendo importantes, então estamos honrando-os. Quando nós limitamos nossas carreiras para que possamos estar presentes com eles, limpar e cozinhar para eles, dar-lhes banho e abraçá-los, levá-los aos lugares de que gostam ou diminuir seus medos, estamos honrando-os.

Também devemos reconhecer que, em muitas culturas, o trabalho que as pessoas fazem é ditado pelas escolhas de seus pais e pelas necessidades de suas famílias, e não por suas próprias decisões e preferências. Às vezes, isso dá origem a sérios conflitos para os cristãos, que encontram as exigências do primeiro mandamento (seguir o chamado de Deus) e do quinto mandamento competindo entre si. Eles se veem forçados a fazer escolhas difíceis que os pais não entendem. Mesmo Jesus experimentou esse mal-entendido com os pais quando Maria e José não conseguiram entender por que ele permaneceu no templo enquanto sua família partia de Jerusalém (Lc 2.49).

Em nosso ambiente de trabalho, podemos ajudar outras pessoas a cumprir o quinto mandamento, assim como nós mesmos obedecemos. Podemos lembrar que funcionários, clientes, colegas de trabalho, chefes, fornecedores e outros também têm família e, então, podemos ajustar nossas expectativas para apoiá-los a honrar suas famílias. Quando outras pessoas compartilham ou reclamam sobre suas dificuldades com os pais, podemos ouvi-las com compaixão, apoiá-las de forma prática (por exemplo, oferecendo-se para fazer um turno no trabalho para que elas possam estar com os pais), talvez oferecer uma perspectiva piedosa para que considerem, ou simplesmente refletir a graça de Cristo para aqueles que sentem estar falhando em seus relacionamentos entre pais e filhos.

“Não matarás” (Êxodo 20.13)
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Infelizmente, o sexto mandamento tem uma aplicação muito prática no ambiente de trabalho moderno, onde 10% de todas as mortes relacionadas ao trabalho (nos Estados Unidos) são homicídios. [1] No entanto, admoestar os leitores deste artigo para que “não mate ninguém no trabalho”, provavelmente não mudará muito essa estatística.

Mas o assassinato não é a única forma de violência no ambiente de trabalho, apenas a mais extrema. Jesus disse que até mesmo a ira é uma violação do sexto mandamento (Mt 5.21-22). Como Paulo observou, podemos não ser capazes de evitar o sentimento de raiva, mas podemos aprender a lidar com ele. “Quando vocês ficarem irados, não pequem. Apazigúem a sua ira antes que o sol se ponha” (Ef 4.26). A implicação mais significativa do sexto mandamento para o trabalho, então, pode ser: “Se você ficar com raiva no trabalho, procure ajuda para controlar a raiva”. Muitos empregadores, igrejas, entidades governamentais e organizações sem fins lucrativos oferecem aulas e aconselhamento sobre controle da raiva, e aproveitá-las pode ser uma maneira altamente eficaz de obedecer ao sexto mandamento.

Assassinato é homicídio intencional, mas a jurisprudência que decorre do sexto mandamento mostra que também temos o dever de evitar mortes não intencionais. Um caso que serve de ilustração é quando um boi (um animal de trabalho) chifra um homem ou uma mulher até a morte (Êx 21.28-29). Se o evento era previsível, o dono do boi deve ser tratado como um assassino. Em outras palavras, os proprietários/gerentes são responsáveis ​​por garantir a segurança no ambiente de trabalho dentro do razoável. Esse princípio está bem estabelecido na lei na maioria dos países, e a segurança no ambiente de trabalho é objeto de atenção significativa do governo, da autorregulamentação do setor e de políticas e práticas organizacionais. No entanto, ambientes de trabalho de todos os tipos continuam a exigir ou permitir que as pessoas trabalhem em condições desnecessariamente inseguras. Os cristãos que de alguma maneira ajudam a estabelecer as condições de trabalho, supervisionar os trabalhadores ou modelar as práticas no ambiente de trabalho são lembrados pelo sexto mandamento de que condições seguras de trabalho estão entre suas maiores responsabilidades no mundo do trabalho.

“Não adulterarás” (Êxodo 20.14)
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O ambiente de trabalho é um dos ambientes mais comuns de adultério, não necessariamente porque o adultério ocorre no próprio ambiente de trabalho, mas porque surge das condições de trabalho e do relacionamento com colegas de trabalho. A primeira aplicação ao ambiente de trabalho, então, é literal. As pessoas casadas não devem fazer sexo com pessoas que não sejam seus cônjuges, no trabalho ou por causa de seu trabalho. Obviamente, isso exclui profissões ligadas ao sexo, como prostituição, pornografia e barriga de aluguel, pelo menos na maioria dos casos, na medida em que os trabalhadores tenham escolha. Mas qualquer tipo de trabalho que corroa os laços do casamento infringe o sétimo mandamento. Existem muitas maneiras pelas quais isso pode ocorrer. Um trabalho que incentiva fortes laços afetivos entre colegas de trabalho, sem apoiar adequadamente seus compromissos com os cônjuges, como pode acontecer em hospitais, empreendimentos, instituições acadêmicas e igrejas, entre outros lugares. Condições de trabalho que colocam as pessoas em contato físico próximo por períodos prolongados ou que não incentivam limites razoáveis ​​para encontros fora do expediente, como pode acontecer em tarefas de campo prolongadas. O trabalho pode sujeitar as pessoas a assédio sexual e a pressão para fazer sexo com aqueles que detêm poder sobre elas. O trabalho pode inflar o ego das pessoas ou expô-las à bajulação, como pode ocorrer com celebridades, atletas famosos, gurus dos negócios, altos funcionários do governo e os super-ricos. O trabalho pode exigir tanto tempo longe — física, mental ou emocionalmente — que desgasta os laços entre os cônjuges. Tudo isso pode representar perigos que os cristãos fariam bem em reconhecer e evitar, melhorar ou resguardar-se. No entanto, a seriedade do sétimo mandamento surge não tanto porque o adultério é sexo ilícito, mas porque quebra uma aliança ordenada por Deus. Deus criou marido e mulher para se tornarem “uma só carne” (Gn 2.24), e o comentário de Jesus sobre o sétimo mandamento destaca o papel de Deus na aliança matrimonial. “O que Deus uniu, ninguém separe” (Mt 19.6). Cometer adultério, portanto, não é apenas fazer sexo com alguém que você não deveria, mas também quebrar uma aliança com o Senhor Deus. De fato, o Antigo Testamento frequentemente usa a palavra adultério e as imagens que o cercam para se referir não ao pecado sexual, mas à idolatria. Os profetas frequentemente se referem à infidelidade de Israel à sua aliança de adorar somente a Deus como “adultério” ou “prostituição”, como se vê em Isaías 57.3, Jeremias 3.8, Ezequiel 16.38 e Oseias 2.2, entre muitos outros. Portanto, qualquer quebra de fé com o Deus de Israel é figurativamente adultério, quer envolva sexo ilícito ou não. Esse uso do termo “adultério” une o primeiro, o segundo e o sétimo mandamentos e nos lembra que os Dez Mandamentos são expressões de uma única aliança com Deus, e não algum tipo de lista das dez principais regras.

Portanto, o trabalho que exige ou nos leva à idolatria ou à adoração de outros deuses deve ser evitado. É difícil imaginar como um cristão poderia trabalhar como tarólogo, criador de arte ou música idólatra ou editor de livros blasfemos. Atores cristãos podem achar difícil desempenhar papéis profanos, irreligiosos ou espiritualmente desmoralizantes. Tudo o que fazemos na vida, incluindo o trabalho, tende, em algum grau, a melhorar ou diminuir nosso relacionamento com Deus. Ao longo da vida, o estresse constante do trabalho, que nos diminui espiritualmente, pode ser devastador. É um fator que faríamos bem em incluir em nossas decisões de carreira, na medida em que tivermos escolhas.

O aspecto distintivo das alianças violadas pelo adultério é que elas são alianças com Deus. Mas toda promessa ou acordo feito por um cristão não é implicitamente uma aliança com Deus? Paulo nos exorta: “Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus” (Cl 3.17). Contratos, promessas e acordos são certamente coisas que fazemos em palavras ou atos, ou ambos. Se fizermos todas elas em nome do Senhor Jesus, isso não significa que algumas promessas devam ser honradas porque são alianças com Deus, enquanto outras podem ser quebradas porque são apenas humanas. Devemos honrar todos os nossos acordos e evitar induzir outras pessoas a quebrá-los. Se isso está contido em Êxodo 20.14 em si mesmo ou se está exposto nos ensinamentos do Antigo e do Novo Testamento que dela derivam, a afirmação “Guarde as suas promessas e ajude os outros a cumprir as deles” pode servir como uma excelente derivação do sétimo mandamento no mundo do trabalho.

“Não furtarás” (Êxodo 20.15)
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O oitavo mandamento é outro que tem o trabalho como seu assunto principal. Roubar é uma violação do trabalho adequado, porque priva a vítima dos frutos de seu trabalho. Também é uma violação do mandamento de trabalhar seis dias por semana, já que, na maioria dos casos, o roubo é um atalho para o trabalho honesto, o que mostra novamente a inter-relação dos Dez Mandamentos. Portanto, podemos tomar como palavra de Deus que não devemos roubar daqueles para quem, com quem ou entre quem trabalhamos.

O furto ocorre de muitas formas, além do roubo propriamente dito. Sempre que nos apossamos de algo de valor sem consentimento de seu legítimo dono, estamos cometendo um roubo. Apropriar-se indevidamente de recursos ou fundos para uso pessoal é roubar. Usar o engano para fazer vendas, ganhar participação no mercado ou aumentar os preços é roubar, porque o engano significa que o que o comprador consente não é a situação real. (Veja a seção sobre “Exagero” em Verdade e Engano em www.teologiadotrabalho.org para saber mais sobre esse assunto.) Da mesma forma, lucrar tirando vantagem do medo, vulnerabilidade, impotência ou desespero das pessoas é uma forma de roubo, porque seu consentimento não é verdadeiramente voluntário. Violar patentes, direitos autorais e outras leis de propriedade intelectual é roubar porque priva os proprietários da capacidade de lucrar com sua criação, nos termos da lei civil.

Lamentavelmente, muitos trabalhos parecem incluir um elemento de aproveitar-se da ignorância dos outros ou da falta de alternativas para forçá-los a fazer transações com as quais, de outra forma, não concordariam. Empresas, governos, indivíduos, sindicatos e outros podem usar seu poder para coagir outras pessoas a pagar salários, preços, termos financeiros, condições de trabalho, horários ou outros fatores injustos. Podemos até não estar roubando bancos, roubando de nossos empregadores ou furtando lojas, mas muito provavelmente podemos estar participando de práticas injustas ou antiéticas que privam outras pessoas de certos direitos que deveriam ser delas. Resistir a essas práticas pode ser difícil e até mesmo trazer consequências para nossa carreira, mas, mesmo assim, somos chamados a agir assim.

“Não darás falso testemunho contra o teu próximo” (Êxodo 20.16)
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O nono mandamento honra o direito à própria reputação. [1] Ele encontra aplicação direta em processos judiciais em que o que as pessoas dizem retrata a realidade e determina o curso da vida. Decisões judiciais e outros processos legais exercem grande poder. Manipulá-los mina o tecido ético da sociedade e, portanto, constitui uma ofensa muito grave. Walter Brueggemann diz que esse mandamento reconhece “que a vida em comunidade não é possível, a menos que haja uma arena na qual haja confiança pública de que a realidade social será descrita e relatada de forma confiável”. [2]

Embora afirmado na linguagem do tribunal, o nono mandamento também se aplica a uma ampla gama de situações que afetam praticamente todos os aspectos da vida. Nunca devemos dizer ou fazer algo que desvirtue outra pessoa. Brueggemann novamente fornece uma visão:

Os políticos procuram destruir uns aos outros em campanhas negativas; colunistas de fofocas se alimentam de calúnias; e nas salas de estar cristãs, reputações são manchadas ou destruídas enquanto o café é servido em porcelana fina com a sobremesa. Esses tribunais informais são conduzidos sem o devido processo legal. Acusações são feitas; boatos são permitidos; difamações, perjúrios e comentários caluniosos são proferidos sem objeção. Sem provas, sem defesa. Como cristãos, devemos nos recusar a participar ou a tolerar qualquer conversa em que uma pessoa esteja sendo difamada ou acusada sem que a pessoa esteja presente para se defender. É errado transmitir boatos de qualquer forma, mesmo como pedidos de oração ou preocupações pastorais. Mais do que simplesmente não participar, cabe aos cristãos impedir os rumores e aqueles que os espalham. [3]

Isso sugere ainda que a fofoca no ambiente de trabalho é uma ofensa grave. Parte disso diz respeito a assuntos pessoais e externos, o que é bastante maligno. E quanto aos casos em que um funcionário mancha a reputação de um colega de trabalho? A verdade pode realmente ser dita quando aqueles de quem se fala não estão lá para falar por si mesmos? E as avaliações de desempenho? Que medidas devem ser adotadas para garantir que os relatórios sejam justos e precisos? Em larga escala, o negócio de marketing e propaganda opera no espaço público entre organizações e indivíduos. No interesse de apresentar os próprios produtos e serviços da melhor maneira possível, até que ponto se pode apontar as falhas e fraquezas da concorrência, sem incorporar sua perspectiva? É possível que os direitos do seu “próximo” incluam os direitos de outras empresas? O escopo de nossa economia global sugere que esse mandamento pode ter uma aplicação muito ampla. Em um mundo em que a percepção muitas vezes conta para a realidade, a retórica da persuasão eficaz pode ou não ter muito a ver com a verdade genuína. A origem divina desse mandamento nos lembra de que as pessoas podem não ser capazes de detectar quando nossa representação dos outros é precisa ou não, mas Deus não pode ser enganado. É bom fazer a coisa certa quando ninguém está olhando. Com este mandamento, entendemos que devemos dizer a coisa certa quando qualquer um está ouvindo.

(Veja Verdade e engano em www.teologiadotrabalho.org para uma discussão muito mais completa desse tópico, incluindo se a proibição de “falso testemunho contra o próximo” inclui todas as formas de mentira e engano.)

“Não cobiçarás a casa do teu próximo [...] nem coisa alguma que lhe pertença” (Êxodo 20.17)
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A inveja e a ganância podem surgir em qualquer lugar da vida, inclusive no trabalho, onde status, salário e poder são fatores rotineiros em nossos relacionamentos com as pessoas com quem passamos muito tempo. Podemos ter muitos bons motivos para desejar realizações, promoções ou recompensas no trabalho. Mas a inveja não é um deles, assim como não um bom motivo é trabalhar obsessivamente por inveja da posição social que isso pode possibilitar.

Em particular, enfrentamos no trabalho a tentação de inflar falsamente nossas realizações às custas dos outros. O antídoto é simples, embora às vezes difícil de fazer. Torne uma prática consistente reconhecer as realizações dos outros e dar a eles todo o crédito que merecem. Se pudermos aprender a nos alegrar com — ou pelo menos reconhecer — os sucessos dos outros, cortaremos a força vital da inveja e da cobiça em ação. Melhor ainda, se pudermos aprender a trabalhar para que nosso sucesso ande de mãos dadas com o sucesso dos outros, a cobiça será substituída pela colaboração e a inveja, pela unidade.

Leith Anderson, ex-pastor da Wooddale Church, em Eden Prairie, Minnesota, diz: “Como pastor titular, é como se eu tivesse um suprimento ilimitado de moedas no bolso. Sempre que dou crédito a um membro da equipe por uma boa ideia, elogio o trabalho de um voluntário ou agradeço a alguém, é como se estivesse enfiando uma moeda do meu bolso no dele. Esse é o meu trabalho como líder, passar moedas do meu bolso para o bolso dos outros, para aumentar o apreço que outras pessoas têm por elas.” [1]

Veja “De uma atitude de descontentamento ao contentamento”, em Visão geral de provisão e riqueza em www.teologiadotrabalho.org.

Jurisprudências no livro da aliança (Êxodo 21.1—23.33)

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Segue-se uma coleção de jurisprudências, decorrentes dos Dez Mandamentos. Em vez de desenvolver princípios detalhados, o texto dá exemplos de como aplicar a lei de Deus aos tipos de casos que comumente surgem na conduta da vida diária. Como casos, todos estão inseridos nas situações enfrentadas pelo povo de Israel. De fato, em todo o Pentateuco (a Torá), pode ser difícil separar o que são as leis específicas e o que é a narrativa e a exortação ao redor. Quatro seções da jurisprudência são particularmente aplicáveis ​​ao trabalho hoje.

Escravidão ou contrato de servidão (Êxodo 21.1-11)
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Embora Deus tenha libertado os hebreus da escravidão no Egito, a escravidão não é universalmente proibida na Bíblia. A escravidão era permitida em certas situações, desde que os escravos fossem considerados membros plenos da comunidade (Gn 17.12), recebessem os mesmos períodos de descanso e feriados que os não escravos (Êx 23.12; Dt 5.14-15; 12.12) e fossem tratados com humanidade (Êx 21.7,26-27). Mais importante ainda, a escravidão entre os hebreus não pretendia ser uma condição permanente, mas um refúgio voluntário e temporário para pessoas que sofriam o que, de outra forma, seria uma pobreza desesperada. “Se você comprar um escravo hebreu, ele o servirá por seis anos. Mas no sétimo ano será liberto, sem precisar pagar nada” (Êx 21.2). A crueldade por parte do proprietário resultava em liberdade imediata para o escravo (Êx 21.26-27). Isso tornava a escravidão hebraica masculina mais como um tipo de contrato de trabalho de longo prazo entre indivíduos do que o tipo de exploração permanente que caracterizou a escravidão nos tempos modernos.

A escravidão feminina hebraica era, em certo sentido, ainda mais protetora. O principal propósito contemplado para a compra de uma escrava era que ela pudesse se tornar esposa do comprador ou do filho do comprador (Êx 21.8-9). Como esposa, ela se tornava socialmente igual ao proprietário de escravos, e a compra funcionava muito como a doação de um dote. De fato, ela é até chamada de “esposa” pela lei (Êx 21.10). Além disso, se o comprador deixasse de tratar a escrava com todos os direitos devidos a uma esposa comum, ele era obrigado a libertá-la. “Ela poderá ir embora sem precisar pagar nada” (Êx 21.11). No entanto, em outro sentido, as mulheres tinham muito menos proteção do que os homens. Potencialmente, toda mulher solteira enfrentava a possibilidade de ser vendida para um casamento contra sua vontade. Embora isso a tornasse uma “esposa” em vez de uma “escrava”, será que o casamento forçado era menos questionável do que o trabalho forçado?

Além disso, uma brecha óbvia é que uma menina ou mulher poderia ser comprada como esposa para um escravo, e não para o proprietário do escravo ou o filho. Como resultado, ela seria escrava permanente do proprietário (Êx 21.4), mesmo quando o período de escravidão do marido terminasse. A mulher se tornava escrava permanente de um proprietário que não se tornou seu marido e que não se via obrigado a dar nenhuma das proteções devidas a uma esposa.

A proteção contra a escravidão permanente também não se aplicava a estrangeiros (Lv 25.44-46). Os homens capturados na guerra eram considerados espólio e se tornavam propriedade perpétua de seus donos. Mulheres e meninas capturadas na guerra — que aparentemente eram a grande maioria dos cativos (Nm 31.9-11,32-35; Dt 20.11-14) — enfrentavam a mesma situação que as escravas de origem hebraica (Dt 21.10-14), incluindo a escravidão permanente. Os escravos também podiam ser comprados de nações vizinhas (Ec 2.7), e nada os protegia contra a escravidão perpétua. As outras proteções concedidas aos escravos hebreus se aplicavam aos estrangeiros, mas isso deve ter sido um pequeno consolo para aqueles que enfrentaram uma vida inteira de trabalhos forçados.

Em contraste com a escravidão como se deu nos Estados Unidos, que geralmente proibia o casamento entre escravos, os regulamentos em Êxodo visam preservar as famílias intactas. “Se chegou solteiro, solteiro receberá liberdade; mas se chegou casado, sua mulher irá com ele” (Êx 21.3). No entanto, muitas vezes, como vimos, o resultado real dos regulamentos foi o casamento forçado.

Independentemente de quaisquer proteções oferecidas pela lei, a escravidão não era de forma alguma um modo de vida agradável. Os escravos eram uma propriedade, independentemente da duração de sua escravização. Quaisquer que fossem as regulamentações, na prática provavelmente havia pouca proteção contra maus-tratos, e abusos ocorriam. Como em grande parte da Bíblia, a palavra de Deus em Êxodo não aboliu a ordem social e econômica existente, mas instruiu o povo de Deus a viver com justiça e compaixão em suas circunstâncias atuais. Aos nossos olhos, os resultados parecem — e devem parecer — muito inquietantes.

De qualquer forma, antes de nos tornarmos presunçosos demais, devemos dar uma olhada nas condições de trabalho que prevalecem hoje entre as pessoas pobres em todos os cantos do mundo, incluindo os países desenvolvidos. Labor incessante para aqueles que trabalham em dois ou três empregos para sustentar as famílias, abuso e exercício arbitrário de poder por aqueles que estão no poder e apropriação indevida dos frutos do trabalho por operadores de negócios ilícitos, funcionários corruptos e chefes com conexões políticas. Milhões de pessoas trabalham hoje sem os regulamentos fornecidos pela Lei de Moisés. Se era a vontade de Deus proteger Israel da exploração, mesmo na escravidão, o que Deus espera que os seguidores de Cristo façam por aqueles que sofrem a mesma opressão, ou pior, hoje?

Restituição comercial e Lei do Talião (Êxodo 21.18—22.15)
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As leis casuísticas estabeleciam penalidades para infrações, incluindo muitas relacionadas diretamente ao comércio, especialmente no caso de responsabilidade por perdas ou danos. A chamada Lei do Talião, que também aparece em Levítico 24.17-21 e Deuteronômio 19.16-21, é central para o conceito de retribuição. [1] Literalmente, a lei diz para pagar “vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida e contusão por contusão” (Êx 21.23-25). A lista é notavelmente específica. Quando os juízes de Israel faziam seu trabalho, devemos realmente acreditar que eles aplicavam punições dessa maneira? Será que um queixoso que foi queimado devido à negligência de alguém realmente ficaria satisfeito em ver o ofensor literalmente queimado no mesmo grau? Curiosamente, nesta mesma parte do Êxodo, não vemos a Lei do Talião sendo aplicada dessa maneira. Em vez disso, um homem que fere gravemente outro em uma briga deve pagar pelo tempo perdido da vítima e cobrir suas despesas médicas (Êx 21.18-19). O texto não diz que ele deve ficar parado para receber uma surra pública e comparável de sua ex-vítima. Parece que a Lei do Talião não determinou a penalidade padrão para crimes graves, mas estabeleceu um teto máximo para danos que poderiam ser reivindicados. Gordon Wenham observa: “Nos tempos do Antigo Testamento, não havia polícia ou ministério público, de modo que todo processo e punição tinham de ser realizados pela parte ofendida e sua família. Assim, seria bem possível que as partes lesadas não insistissem em seus plenos direitos sob a Lei do Talião, mas negociasse um acordo mais baixo ou até perdoasse o ofensor por completo”. [2] Essa lei pode ser percebida por alguns hoje como selvagem, mas Alec Motyer observou: “Quando a lei inglesa enforcava uma pessoa por roubar uma ovelha, não era porque o princípio de ‘olho por olho’ estava sendo praticado, mas porque tinha sido esquecido.” [3]

Essa questão de interpretar a Lei do Talião ilustra que pode haver uma diferença entre fazer o que a Bíblia diz literalmente e aplicar o que a Bíblia instrui. Obter uma solução bíblica para nossos problemas nem sempre será uma questão simples. Os cristãos devem usar maturidade e discernimento, especialmente à luz do ensinamento de Jesus, para renunciar à Lei do Talião e não resistir a um malfeitor (Mt 5.38-42). Ele estava falando de uma ética pessoal ou esperava que seus seguidores aplicassem esse princípio nos negócios? Funciona melhor para pequenas ofensas do que para grandes? Aqueles que fazem o mal criam vítimas que devemos defender e proteger (Pv 31.9).

As instruções específicas sobre restituição e penalidades para roubo atingiam dois objetivos. Primeiro, eles responsabilizavam o ladrão por devolver o roubo ao proprietário original ou por compensá-lo totalmente por sua perda. Em segundo lugar, eles puniam e educavam o ladrão, fazendo com que ele experimentasse toda a dor que havia causado à vítima. Esses objetivos podem formar uma base cristã para o trabalho do direito civil e criminal hoje. O trabalho judiciário atual opera de acordo com estatutos e diretrizes específicas estabelecidas pelo Estado. Mas, mesmo assim, os juízes têm certa liberdade para estabelecer sentenças e penalidades. Para disputas que são resolvidas fora dos tribunais, os advogados negociam para ajudar seus clientes a chegarem a um acordo conclusivo. Em tempos recentes, surgiu uma perspectiva chamada “justiça restaurativa”, com ênfase na punição que restaura a condição original da vítima e, na medida do possível, restaura o agressor como um membro produtivo da sociedade. Uma descrição e avaliação completas de tais abordagens estão além do nosso escopo aqui, mas queremos observar que as Escrituras têm muito a oferecer aos sistemas contemporâneos de justiça a esse respeito.

Nos negócios, os líderes às vezes precisam mediar entre funcionários que têm sérios problemas relacionados ao trabalho entre si. Decidir o que é certo e justo afeta não apenas os envolvidos na disputa, mas também pode afetar toda a atmosfera da organização e até servir para abrir precedentes sobre como os trabalhadores podem esperar que seja no futuro. Os riscos imediatos podem ser muito altos. Além disso, quando os cristãos devem tomar esse tipo de decisão, os espectadores tiram conclusões sobre nós como pessoas, bem como sobre a legitimidade da fé pela qual alegamos viver. Claramente, não podemos prever todas as situações (e o livro de Êxodo também não o faz). Mas sabemos que Deus espera que apliquemos suas instruções e podemos ter certeza de que perguntar a Deus como amar nosso próximo como a nós mesmos é o melhor ponto de partida.

Oportunidades produtivas para os pobres — respiga (Êxodo 22.21-27; 23.10-11)
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Deus deseja fornecer oportunidades para os pobres, e isso é visto nos regulamentos que beneficiam estrangeiros, viúvas e órfãos (Êx 22.21-22). O que esses três grupos tinham em comum era que não possuíam terras para se sustentar. Muitas vezes, isso os deixava pobres, de modo que estrangeiros, viúvas e órfãos são os que primeiro vêm à mente sempre que “os pobres” são mencionados no Antigo Testamento. Em Deuteronômio, a preocupação de Deus por essa tríade de pessoas vulneráveis ​​exigia que Israel lhes fornecesse justiça (Dt 10.18; 27.19) e acesso à comida (Dt 24.19-22). A jurisprudência sobre o assunto também é desenvolvida em Isaías 1.17,23; 10.1-2; Jeremias 5.28; 7.5-7; 22.3; Ezequiel 22.6-7; Zacarias 7.8-10; e Malaquias 3.5 .

Um dos mais importantes desses regulamentos é a prática de permitir que os pobres colham, ou “recolham”, os grãos restantes dos campos ativos e colham todas as colheitas voluntárias em campos em repouso. A prática conhecida como respigar não era uma esmola, mas uma oportunidade para os pobres se sustentarem. Os proprietários de terras eram obrigados a deixar cada campo, vinha e pomar em repouso um ano a cada sete, e os pobres tinham permissão para colher qualquer coisa que pudesse crescer lá (Êx 23.10-11). Mesmo em campos ativos, os proprietários deveriam deixar parte do grão no campo para que os pobres colhessem, em vez de limpá-lo exaustivamente (Lv 19.9-10). Por exemplo, um olival ou uma vinha deveriam ser colhidos apenas uma vez a cada estação (Dt 24.20). Depois disso, os pobres tinham o direito de recolher o que sobrava, talvez o que fosse de menor qualidade ou que demorasse mais para amadurecer. Essa prática não era apenas uma expressão de bondade, mas também uma questão de justiça. O livro de Rute gira em torno dessa prática com efeitos encantadores (veja “Rute 2.17-23” em Rute e o trabalho em www.teologiadotrabalho.org).

Hoje, há muitas maneiras pelas quais plantadores, produtores e distribuidores de alimentos compartilham com os pobres. Muitos deles doam para despensas e abrigos aquilo que sobra do dia, mas que ainda serve como alimento saudável. Outros trabalham para tornar os alimentos mais acessíveis, aumentando sua própria eficiência. Mas a maioria das pessoas, pelo menos nos países desenvolvidos, não se dedica mais à agricultura como meio de vida, e são necessárias oportunidades para os pobres em outros setores da sociedade. Nas sociedades industriais e tecnológicas de hoje, a utilização eficiente de recursos é a base do sucesso da produção. Não há nada para se colher no chão de uma bolsa de valores, de uma montadora ou de um laboratório de programação. Mas o princípio de fornecer trabalho produtivo para trabalhadores vulneráveis ​​ainda é relevante. As corporações podem empregar de forma produtiva pessoas com deficiências mentais e físicas, com ou sem assistência do governo. Com treinamento e apoio, pessoas de origens desfavorecidas, prisioneiros que retornam à sociedade e outros que têm dificuldade em encontrar um emprego convencional podem se tornar trabalhadores produtivos e ganhar a vida.

Outras pessoas economicamente vulneráveis ​​podem ter de depender de contribuições em dinheiro, em vez de receber oportunidades de trabalho. Aqui, novamente, a situação moderna é complexa demais para proclamarmos uma aplicação simplista da lei bíblica. Mas os valores subjacentes à lei podem oferecer uma contribuição significativa para o projeto e a execução de sistemas de bem-estar público, caridade pessoal e responsabilidade social corporativa. Muitos cristãos têm papéis significativos na contratação de trabalhadores ou na elaboração de políticas de emprego. Êxodo nos lembra que empregar trabalhadores vulneráveis ​​é uma parte essencial do que significa para um povo viver sob a aliança de Deus. Junto com o Israel da antiguidade, os cristãos também experimentaram a redenção de Deus, embora não necessariamente em termos idênticos. Mas nossa simples gratidão pela graça de Deus é certamente um motivo poderoso para encontrar maneiras criativas de servir aos necessitados ao nosso redor.

Empréstimos e garantias (Êxodo 22.25-27)
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Outro conjunto de leis regulamentava o dinheiro e as garantias (Êx 22.25-27). Duas situações estão em vista. A primeira se refere a um membro necessitado do povo de Deus que precisa de um empréstimo financeiro. Este empréstimo não deve ser feito de acordo com os padrões usuais de empréstimo de dinheiro. Deve ser feito sem “juros”. A palavra hebraica neshekh (que em alguns contextos significa “mordida”) atraiu muita atenção acadêmica. Será que neshek se referia à cobrança de juros excessivos e, portanto, injustos, além da quantia razoável de juros necessária para manter financeiramente viável a prática de emprestar dinheiro? Ou se referia a algum tipo de juros? O texto não tem detalhes suficientes para estabelecer isso de forma conclusiva, mas a última opção parece mais provável, porque, no Antigo Testamento, neshek sempre se refere a emprestar àqueles que estão em circunstâncias miseráveis ​​e vulneráveis, para quem pagar qualquer tipo de juros seria um fardo excessivo. [1] Colocar os pobres em um ciclo interminável de endividamento financeiro estimulará o compassivo Deus de Israel a agir. Se essa lei foi ou não boa para os negócios, não é isto que está em questão aqui. Walter Brueggemann observa: “A lei não discute sobre a viabilidade econômica de tal prática. Simplesmente requer a necessidade de cuidados de maneira concreta e espera que a comunidade resolva os detalhes práticos”. [2] A outra situação é a de um homem que coloca seu único casaco como garantia de um empréstimo. Este deve ser devolvido a ele à noite, para que ele possa dormir sem pôr em perigo sua saúde (Êx 22.26-27). Isso significa que o credor deve visitá-lo pela manhã para pegar o casaco do dia e continuar fazendo isso até que o empréstimo seja pago? No contexto de tão óbvia miséria, um credor piedoso poderia evitar o quase absurdo desse ciclo simplesmente não esperando que o tomador do empréstimo desse qualquer garantia. Essas regulamentações podem ter menos aplicação ao sistema bancário atual em geral do que aos sistemas atuais de proteção e assistência aos pobres. Por exemplo, o microcrédito em países menos desenvolvidos foi desenvolvido com taxas de juros e políticas de garantias sob medida para atender às necessidades das pessoas pobres que, de outra forma, não teriam acesso ao crédito. O objetivo — pelo menos nos primeiros anos, a partir da década de 1970 — não era maximizar o lucro para os credores, mas fornecer instituições de crédito sustentáveis ​​para ajudar os pobres a escapar da pobreza. Mesmo assim, o microfinanciamento luta para equilibrar a necessidade do credor por um retorno sustentável e taxas de inadimplência com a necessidade do devedor de taxas de juros acessíveis e termos de garantia não restritivos. [3]

A presença de regulamentos específicos seguindo os Dez Mandamentos significa que Deus quer que seu povo o honre, colocando em prática suas instruções para atender a necessidades reais. A preocupação emocional sem ação deliberada não dá aos pobres o tipo de ajuda de que precisam. Como disse o apóstolo Tiago: “A fé sem obras está morta” (Tg 2.26). Estudar as aplicações específicas dessas leis no antigo Israel nos ajuda a pensar sobre as maneiras específicas pelas quais podemos agir hoje. Mas lembramos que, mesmo naquela época, essas leis eram apenas ilustrações. Terence Fretheim conclui assim: “Há uma abertura para a aplicação da lei. O texto convida o ouvinte/leitor a estender essa passagem a todas as esferas da vida em que a injustiça possa ser encontrada. Em outras palavras, alguém é convidado pela lei a ir além da lei”. [4]

Uma leitura cuidadosa revela três razões pelas quais o povo de Deus deve guardar essas leis e aplicá-las a novas situações. [5] Primeiro, os próprios israelitas foram oprimidos como estrangeiros no Egito (Êx 22.21; 23.9). Ensaiar essa história não apenas mantém a redenção de Deus em vista, mas a memória se torna uma motivação para tratar os outros como gostaríamos de ser tratados (Mt 7.12). Segundo, Deus ouve o clamor dos oprimidos e faz algo a respeito, especialmente quando não o fazemos (Êx 22.22-24). Terceiro, devemos ser seu povo santo (Êx 22.31; Lv 19.2).

O tabernáculo (Êxodo 25.1—40.38)

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O trabalho de construção do tabernáculo pode parecer estar fora do escopo do Projeto de Teologia do Trabalho por causa de seu foco litúrgico. Devemos observar, no entanto, que o livro de Êxodo não separa tão facilmente a vida de Israel nas categorias de sagrado e secular, tal como estamos tão acostumados. Mesmo se traçarmos uma linha entre as atividades litúrgicas e extralitúrgicas de Israel, nada em Êxodo sugere que uma seja mais importante que a outra. Além disso, o que realmente aconteceu no tabernáculo não pode ser equiparado com justiça ao “trabalho da igreja” hoje. Certamente, sua construção não tem paralelo próximo com a construção de prédios de igrejas. Os capítulos de Êxodo que tratam do tabernáculo são todos sobre o estabelecimento de uma instituição única. Embora o trabalho do tabernáculo continuasse de ano para ano e fosse subordinado ao templo, cada um desses edifícios era, por definição, central e único. Eles não eram exemplos a serem reproduzidos onde quer que os israelitas se estabelecessem para viver. De fato, a construção e a operação de santuários locais em todo o país provaram ser um enorme prejuízo para a saúde espiritual nacional de Israel. Finalmente, o propósito do tabernáculo não era dar a Israel um lugar autorizado para adoração. Era sobre a presença de Deus no meio deles. Isso fica claro desde o início nas palavras de Deus: “E farão um santuário para mim, e eu habitarei no meio deles” (Êx 25.8). Os cristãos de hoje entendem que Deus habitou entre nós na pessoa de seu Filho (Jo 1.14). Por meio de seu trabalho, toda a comunidade de crentes se tornou o templo de Deus no qual o Espírito de Deus vive (1Co 3.16). À luz dessas observações, consideraremos duas afirmações relacionadas ao trabalho. Primeiro, Deus é um arquiteto. Segundo, Deus capacita seu povo para fazer sua obra.

A grande seção em Êxodo sobre o tabernáculo é organizada de acordo com a ordem de Deus (Êx 25.1—31.11) e a resposta de Israel (Êx 35.4—40.33). Mas Deus fez mais do que dizer a Israel o que ele queria deles. Ele forneceu o projeto real para a obra. Isso fica claro em suas palavras a Moisés: “Segundo tudo o que eu mostrar a você como modelo do tabernáculo e como modelo de todos os seus móveis, assim mesmo vocês o farão” (Êx 25.9, NAA). [1] A palavra hebraica traduzida aqui como “modelo” (tavnit) se refere ao edifício e aos itens associados a ele. Os arquitetos de hoje usam plantas para direcionar a construção, mas pode ter sido que algum tipo de modelo arquetípico estivesse em vista. [2] Os templos eram frequentemente vistos como réplicas terrenas de santuários celestiais (Is 6.1-8). Pelo Espírito, o rei Davi recebeu esse modelo para o templo e o deu a seu filho Salomão, que organizou a construção do templo (1Cr 28.11-12,19). Pelas descrições que se seguem, fica claro que o projeto arquitetônico de Deus é requintado e engenhoso. O princípio de que o desígnio de Deus precede a edificação de Deus é verdade para os santuários de Israel, bem como para a comunidade mundial de cristãos do Novo Testamento (1Co 3.5-18). A futura Nova Jerusalém é uma cidade que só Deus poderia projetar (Ap 21.10-27). A obra de Deus como arquiteto confere dignidade a essa carreira em particular. Mas, em um sentido geral, o povo de Deus pode se envolver em seu trabalho (seja ele qual for) com a consciência de que Deus também tem um plano para ele. Como veremos a seguir, há muitos detalhes a serem trabalhados dentro dos contornos do plano de Deus, mas o Espírito Santo ajuda até mesmo nisso.

Os relatos de Bezalel, Aoliabe e de todos os obreiros qualificados do tabernáculo estão cheios de termos relacionados ao trabalho (Êx 31.1-11 ; 35.30—36.5). Bezalel e Aoliabe são importantes não apenas por seu trabalho no tabernáculo, mas também como modelos para Salomão e Hirão, que construíram o templo. [3] O conjunto abrangente de ofícios incluía trabalhos em metal em ouro, prata e bronze, bem como trabalhos em pedra e madeira. A fabricação de roupas exigiria obter lã, fiá-la, tingi-la, tecê-la, desenhar roupas, fabricá-las e costurá-las sob medida, além do trabalho de bordado. Os artesãos até prepararam óleo de unção e incenso aromático. O que une todas essas práticas é Deus enchendo os obreiros com seu Espírito. A palavra hebraica para “habilidade” nesses textos (hokhmah) é geralmente traduzido como “sabedoria”, o que nos leva a pensar sobre o uso das palavras e a tomada de decisões. Aqui, ele descreve um trabalho que é claramente prático, mas espiritual no sentido teológico mais completo (Êx 28.3; 31.3,6; 35.26,31,35; 36.1-2).

A ampla gama de atividades de construção nesta passagem ilustra, mas não esgota, o que a construção no antigo Oriente Médio envolvia. Visto que Deus os inspirou, podemos presumir com segurança que ele os desejou e os abençoou. Mas será que realmente precisamos de textos como esses para nos assegurar que Deus aprova esse tipo de trabalho? E quanto às habilidades relacionadas que não são mencionado? Fazendo uma brincadeira, se o tabernáculo precisasse de um sistema de ar-condicionado, presumimos que Deus teria dado planos para um bom sistema. Robert Banks recomenda sabiamente: “Nos escritos bíblicos, não devemos interpretar comparações com o processo [moderno] de construção de uma maneira muito estreita ou específica para cada trabalho. Ocasionalmente, isso pode ser justificado, mas geralmente não.” [4] O ponto aqui não é que Deus se importa mais com certos tipos de trabalho do que com outros. A Bíblia não precisa citar todas as profissões nobres para que as vejamos como algo piedoso a fazer. Assim como as pessoas não foram feitas para o sábado, mas o sábado para as pessoas (Mc 2.27), edifícios e cidades também foram feitos para as pessoas. A lei de que as casas antigas sejam construídas com um parapeito de proteção ao redor do telhado plano (Dt 22.8) ilustra a preocupação de Deus com uma construção responsável que realmente sirva e proteja as pessoas. O ponto sobre o Espírito capacitando os obreiros do tabernáculo é que Deus se importava com este particular projeto para esses particulares propósitos. Com base nessa verdade, a lição duradoura para nós em nosso trabalho hoje pode ser que, seja qual for a obra de Deus, ele não deixa sua grande obra em nossas mãos inábeis. As maneiras pelas quais ele nos equipa para seu trabalho podem ser tão variadas quanto essas muitas tarefas. Na fidelidade divina, os dons espirituais que Deus nos dá nos fortalecerão para fazer a obra de Deus até o fim (1Co 1.4-9). Ele nos fornece todas as bênçãos em abundância, para que possamos participar abundantemente de toda boa obra (2Co 9.8).

Conclusões de Êxodo

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Em Êxodo, vemos Deus tirar seu povo do trabalho opressivo para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Não significa estar livres do trabalho, mas ser livres para amar e servir ao Senhor por meio do trabalho em todos os aspectos da vida. Deus fornece orientação para a vida e o trabalho que o glorificarão e abençoarão Israel. E ele fornece um lugar para sua presença, a fim de abençoar tudo o que eles fazem.