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Samuel, Reis e Crônicas e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Samuel 1 bible commentary

Introdução a Samuel, Reis e Crônicas

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Os livros de 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis e 1 e 2Crônicas têm um profundo interesse pelo trabalho. Seu interesse predominante é no trabalho dos reis, incluindo aspectos políticos, militares, econômicos e religiosos. Governar, na forma de “ter domínio”, é uma das tarefas que Deus deu aos seres humanos no início (Gn 1.28), e as questões de liderança ou governança ocupam o centro do palco em 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis e 1 e 2Crônicas. Como os israelitas deveriam ser governados, por quem e com que propósitos? Quando as organizações são bem governadas, as pessoas prosperam. Quando a boa governança é violada, todos sofrem.

Os acontecimentos nos livros de Samuel, Reis e Crônicas estão completamente entrelaçados. Por causa disso, discutiremos todos os seis juntos, em vez de subdividir livro por livro. Para localizar a discussão de uma passagem específica, use o índice e os títulos.

Os reis são o foco, mas eles não são as únicas pessoas que vemos trabalhando nesses livros. Em primeiro lugar, o trabalho dos reis afeta o trabalho de muitos outros, como soldados, construtores, artesãos e sacerdotes, e os livros de Samuel, Reis e Crônicas prestam atenção em como o trabalho dos reis afeta esses outros trabalhadores. Em segundo lugar, os próprios reis têm outro trabalho além de governar, e a paternidade recebe particular interesse nesses livros. Por fim, como histórias de Israel, esses livros se interessam pelo povo como um todo e, em muitos casos, isso significa relatar o trabalho de pessoas que não estão ligadas ao trabalho da realeza.

Seguindo o exemplo dos próprios livros, prestaremos maior atenção às tarefas de liderança e governança dos reis de Israel, ao mesmo tempo em que exploraremos os muitos outros tipos de trabalhadores descritos. Incluem-se entre eles soldados e comandantes, juízes e líderes civis (muitas vezes chamados de “anciãos”), pais, pastores, agricultores, cozinheiros e padeiros, perfumistas, viticultores, músicos e artistas, inventores, empresários, diplomatas (formais e informais), manifestantes ou ativistas, conselheiros políticos, artesãos e trabalhadores manuais, arquitetos, supervisores, pedreiros, empreiteiros, metalúrgicos, carpinteiros, armeiros, tratadores de poços, negociantes de azeite, curandeiros, escravas, mensageiros, lenhadores e contadores. Profetas e sacerdotes também estão incluídos, mas, como o foco do Projeto Teologia do Trabalho está mais no trabalho não religioso, nos limitaremos ao seu papel no trabalho fora da esfera religiosa. Eles realmente desempenham um papel significativo nos assuntos políticos, militares e econômicos, como veremos.

Praticamente todo tipo de obreiro de hoje está representado nos livros de Samuel, Reis e Crônicas ou pode encontrar neles aplicações práticas para seu trabalho. De um modo geral, descobriremos como a boa governança e a liderança se aplicam ao nosso trabalho, em vez de encontrar instruções sobre como fazer nosso trabalho específico — a menos que governança ou liderança seja nosso trabalho.

O contexto histórico de Samuel, Reis e Crônicas

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O interesse primordial dos livros é o trabalho do rei, à medida que Israel se torna uma monarquia. Eles começam em um momento em que as doze tribos de Israel há muito violavam as regras, a ética e as virtudes de liderança que Deus havia estabelecido para elas, que podem ser encontradas nos livros de Gênesis a Deuteronômio. Depois de quase 200 anos de governança cada vez pior por uma sucessão de “juízes” (líderes temporários), Israel está em frangalhos. Samuel, Reis e Crônicas narram a intervenção de Deus no governo de Israel, à medida que seu povo passa de uma confederação tribal falida para uma monarquia promissora, que caminha para o fracasso à medida que gerações sucessivas de reis abandonam Deus e seus caminhos. Lamentavelmente, a história termina com a destruição de Israel como nação, que nunca mais será restaurada durante o período bíblico. Isso pode não parecer um pano de fundo promissor para um estudo de governança, mas a orientação de Deus está sempre em evidência na narrativa, quer as pessoas escolham segui-la ou não. Lendo a história milhares de anos depois, podemos aprender tanto com seus sucessos quanto com seus fracassos.

A posição teológica fundamental dos livros é que, se o rei é fiel a Deus, a nação prospera econômica, social e militarmente. Se o rei é infiel, segue-se uma catástrofe nacional. Portanto, a história do povo de Deus é contada principalmente por meio das ações dos principais líderes governamentais, para usar termos modernos. No entanto, a governança é necessária em todo tipo de comunidade ou instituição, seja política, civil, empresarial, sem fins lucrativos, acadêmica ou qualquer outra. As lições dos livros se aplicam à governança em todos os setores da sociedade hoje. Esses livros oferecem um rico estudo sobre liderança, demonstrando como a subsistência de muitos depende do que os líderes fazem e dizem.

Estudiosos acreditam que, originalmente, cada par de livros (1 e 2Samuel, 1 e 2Reis, 1 e 2Crônicas) era um único conjunto dividido entre dois pergaminhos. Os pergaminhos de Samuel e Reis formam uma história política integrada das monarquias israelitas. Crônicas conta a mesma história de Reis, mas com foco nos aspectos sacerdotais ou de adoração da história hebraica. Seguiremos a narrativa em três atos: (1) Da confederação tribal à monarquia, (2) A era de ouro da monarquia, (3) Das monarquias fracassadas ao exílio.


Da confederação tribal à monarquia: 1Samuel

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O primeiro livro de Samuel marca a transição de Israel de uma coalizão de tribos rebeldes para uma monarquia com um governo central em Jerusalém. A história começa com o nascimento e o chamado do profeta Samuel e continua com a transição para a monarquia e os reinados de Saul e Davi. Esta é a história da formação do Estado, da centralização do poder e do culto e do estabelecimento de uma nova ordem política, militar e social.

O chamado de Samuel (1Samuel 1—3)

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Pelas palavras finais do livro de Juízes e pelos capítulos iniciais de 1Samuel, sabemos que os israelitas não tinham liderança e estavam desconectados de Deus. A coisa mais próxima que eles têm de um líder nacional é o sacerdote Eli, que administra com seus filhos o santuário de Siló. A prosperidade política, militar e econômica dos israelitas depende de sua fidelidade a Deus. Assim, o povo traz suas ofertas e sacrifícios a Deus no santuário, mas os sacerdotes zombam da interação com Deus. “Os filhos de Eli eram ímpios... eles estavam tratando com desprezo a oferta do Senhor” (1Sm 2.12,17). Eles não são confiáveis ​​como líderes humanos e não honram a Deus em seu coração. Os adoradores descobrem que aqueles que deveriam direcioná-los para uma experiência de adoração estão, em vez disso, roubando deles.

Os perigos da autoridade herdada

Um tanto ameaçador para uma nação prestes a se tornar uma monarquia, a primeira coisa que observamos é que a autoridade herdada é inerentemente perigosa por duas razões. A primeira é que não há garantia de que os descendentes, mesmo do maior líder, sejam competentes e fiéis. A segunda é que ter nascido para o poder é muitas vezes uma influência corruptora, resultando com muita frequência em complacência ou — como no caso dos filhos de Eli — em alegação de direitos. Eli realiza seu trabalho como um encargo sagrado de Deus (1Sm 2.25), mas seus filhos veem aquilo como uma propriedade pessoal (1Sm 2.14). Crescendo em uma atmosfera um tanto análoga a de uma empresa familiar, eles esperam, desde cedo, herdar os privilégios de seu pai. Como essa “empresa familiar” é o próprio santuário de Deus — o que dá à família o direito de ter autoridade divina sobre a população —, a má conduta de seus filhos é ainda mais prejudicial.

Empresas familiares e dinastias políticas no mundo de hoje têm paralelos com a situação de Eli. O fundador da empresa ou da organização política pode ter trazido um grande bem ao mundo, mas, se os herdeiros o virem como um meio de ganho pessoal, aqueles a quem eles devem servir sofrerão danos. Todos ganham quando os fundadores e seus sucessores são fiéis ao propósito original e bom. O mundo é um lugar melhor, os negócios e a comunidade prosperam e a família está bem abastecida. Mas, quando o propósito original é negligenciado ou corrompido, a empresa ou a comunidade sofre, e a organização e a família correm perigo.

A triste história do poder herdado em governos, igrejas, empresas e outras organizações nos adverte de que aqueles que esperam receber o poder como um direito muitas vezes não sentem necessidade de desenvolver a habilidade, a autodisciplina e a atitude de serviço necessárias para ser bons líderes. Essa realidade deixou o mestre de Eclesiastes perplexo. “Desprezei todas as coisas pelas quais eu tanto me esforçara debaixo do sol, pois terei que deixá-las para aquele que me suceder. E quem pode dizer se ele será sábio ou tolo? Todavia, terá domínio sobre tudo o que realizei com o meu trabalho e com a minha sabedoria” (Ec 2.18-19). O que era verdade para ele é verdade para nós hoje. As famílias que obtêm riqueza e poder com o sucesso de um empreendedor em uma geração costumam perder esses ganhos na terceira geração e também sofrem brigas familiares devastadoras e infortúnios pessoais. [1] Isso não quer dizer que o poder ou a riqueza herdados sempre levem a resultados ruins, mas que a herança é uma política perigosa para a governança. Famílias, organizações ou governos que passam autoridade por meio de herança farão bem em desenvolver uma multiplicidade de meios para neutralizar os perigos que a herança acarreta. Existem consultorias e organizações especializadas em apoiar famílias e empresas em processos de herança.

Deus chama Samuel para suceder a Eli

Se não fossem seus filhos ímpios, quem sucederia a Eli como sacerdote? Em 1Samuel 3.1—4.1 e 1Samuel 7.3-17 é revelado o plano de Deus para levantar o jovem Samuel como sucessor de Eli. Samuel recebe um dos poucos chamados audíveis de Deus registrados na Bíblia, mas observe que esse não é um chamado para um tipo de trabalho ou ministério. (Samuel servia na casa do Senhor desde os dois ou três anos de idade, e a escolha da profissão havia sido feita por sua mãe. Veja 1Sm 1.20-28 e 2.18-21.) No entanto, é um chamado para uma tarefa: dizer a Eli que Deus decidiu trazer castigo sobre ele e seus filhos, que em breve serão removidos do cargo de sacerdotes de Deus. Depois de cumprir esse chamado, Samuel continua a servir sob o comando de Eli até que seja reconhecido como profeta por direito próprio (1Sm 4.1) e suceda a Eli após a morte deste (1Sm 4.18). Samuel se torna o líder do povo de Deus, não por ambição egoísta ou por um senso de direito, mas porque Deus tinha lhe dado uma visão (1Sm 3.10-14) e os dons e habilidades para levar as pessoas a realizar aquela visão (1Sm 3.19-4.1). Ver Visão geral da vocação para saber mais sobre o tema do chamado para o trabalho.

Os perigos de tratar Deus como um amuleto de boa sorte (1Samuel 4)

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Não está claro se a corrupção do líder, Eli, causa a corrupção do povo ou vice-versa, mas os capítulos 4—6 retratam o desastre que acontece àqueles que não são bem governados. Israel está engajado em uma luta secular contra o país vizinho dos filisteus. Um novo ataque é feito pelos filisteus, que derrotam os israelitas, resultando em 4.000 baixas (1Sm 4.1-3). Os israelitas reconhecem a derrota como um sinal do desfavor de Deus. Mas, em vez de examinar sua falta, arrepender-se e buscar orientação do Senhor, eles tentam manipular Deus para que sirva a seus propósitos. Eles pegam a arca da aliança de Deus e avançam para a batalha contra os filisteus, presumindo que a arca os tornará invencíveis. Os filhos de Eli emprestam uma aura de autoridade ao plano. Mas os filisteus massacram Israel na batalha, matando 30.000 soldados israelitas, capturando a arca, matando os filhos de Eli e causando a própria morte de Eli (1Sm 4.4-19).

Os filhos de Eli, ao lado dos líderes do exército, cometeram o erro de pensar que, por levarem o nome do povo de Deus e possuírem os símbolos da presença de Deus, podiam comandar o poder de Deus. Talvez os responsáveis ​​acreditassem que poderiam realmente controlar o poder de Deus carregando a arca. Ou talvez tenham se enganado ao pensar que, por serem o povo de Deus, tudo o que quisessem para si seria o que Deus queria para eles. De qualquer forma, eles descobriram que a presença de Deus não é uma garantia para projetar o poder de Deus, mas um convite para receber a orientação de Deus. Ironicamente, a arca continha o maior meio de orientação de Deus — os Dez Mandamentos (Dt 10.5) — mas os filhos de Eli não se preocuparam em buscar qualquer tipo de orientação de Deus antes de atacar os filisteus.

Será que muitas vezes caímos no mesmo mau hábito em nosso trabalho? Quando enfrentamos oposição ou dificuldade em nosso trabalho, buscamos a orientação de Deus em oração ou apenas lançamos uma oração rápida pedindo a Deus que faça o que queremos? Consideramos os possíveis cursos de ação à luz das Escrituras ou apenas mantemos uma Bíblia em nossa mesa? Examinamos nossas motivações e avaliamos nossas ações com abertura à transformação de Deus ou simplesmente nos enfeitamos com símbolos cristãos? Se nosso trabalho parece insatisfatório ou se nossa carreira não está progredindo como esperamos, é possível que estejamos usando Deus como um amuleto da sorte, em vez de segui-lo como o mestre de nosso trabalho?

As oportunidades que surgem do trabalho fiel (1Samuel 5—7)

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Os filisteus não se saem melhor com a arca do que os israelitas, e ela se torna uma propriedade perigosa para ambos os lados, até que seja retirada do uso militar e Samuel chame Israel para se comprometer novamente com o próprio Senhor (1Sm 5.1—7.3). O povo atende ao seu chamado e volta a adorar ao Senhor, e a carreira de Samuel se expande rapidamente. Seu papel como sacerdote logo cresce para “juiz” (ou seja, um governador militar) e ele lidera a defesa bem-sucedida contra os filisteus (1Sm 7.4-13). Seu papel logo abrange a realização de um tribunal itinerante para questões legais (1Sm 7.16). Por trás de todas as suas tarefas está seu chamado para ser “profeta do Senhor” (1Sm 3.20).

Obreiros habilidosos e confiáveis, que são fiéis aos caminhos de Deus, muitas vezes descobrem que seu trabalho vai além da descrição de seu trabalho. Diante de responsabilidades cada vez maiores, a resposta de Samuel não é: “Esse não é o meu trabalho”. Em vez disso, ele vê as necessidades cruciais à sua frente, reconhece que tem a capacidade de atendê-las e intervém para resolvê-las. Ao fazer isso, Deus aumenta sua autoridade e eficácia para corresponder à sua disposição.

Uma lição que podemos tirar disso é responder a Deus com a mesma disposição de servir demonstrada por Samuel. Você vê oportunidades à sua frente no trabalho que, estritamente falando, não se encaixam na descrição de sua função? Seus supervisores ou colegas parecem esperar que você assuma mais responsabilidades em áreas que não fazem parte formalmente de sua função? Geralmente, essas são oportunidades de crescimento, desenvolvimento e avanço (a menos que seus supervisores não gostem da ideia de você assumir responsabilidades adicionais). O que seria necessário para você aproveitar essas oportunidades? Da mesma forma, você pode ver necessidades ao seu redor que poderia ajudar a atender se tivesse confiança e coragem para responder. O que seria necessário para desenvolver sua confiança em Deus e receber a coragem necessária para seguir sua orientação?

O relato final do governo de Samuel (1Sm 7.15-17) diz que ele percorria ano após ano as cidades de Israel, governando e administrando a justiça. O capítulo termina dizendo: “e naquele lugar construiu um altar em honra ao Senhor”. Seus serviços civis e militares a Israel foram baseados em sua fidelidade e adoração ao Senhor ao longo da vida.

Os filhos de Samuel decepcionam (1Samuel 8.1-3)

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À medida que Samuel envelhece, ele repete o erro de Eli e nomeia seus próprios filhos para suceder-lhe. Como os filhos de Eli, eles se revelaram gananciosos e corruptos (1Sm 8.1-3). A decepção causada por filhos de grandes líderes é um tema recorrente em Samuel e Reis. (A tragédia do filho de Davi, Absalão, ocupa a maior parte dos capítulos 13-19 de 2Samuel, e isso será abordado mais tarde. Veja “O tratamento disfuncional de Davi com os conflitos familiares leva à guerra civil (2Samuel 13-19)”.) Isso nos lembra que o trabalho dos pais é tão desafiador quanto qualquer outra ocupação, mas muito mais intenso emocionalmente. Nenhuma solução é dada no texto, mas podemos observar que Eli, Samuel e Davi parecem ter dado a seus filhos problemáticos muitos privilégios, mas pouco envolvimento paterno. No entanto, também sabemos que mesmo os pais mais dedicados podem enfrentar o desgosto de filhos rebeldes. Em vez de culpar ou criar estereótipos para as causas, observemos simplesmente que criar filhos é uma ocupação que exige tanta oração, habilidade, apoio da comunidade, boa sorte e amor quanto qualquer outra, se não mais. Em última análise, ser pai ou mãe — quer nossos filhos tragam alegria, decepção ou um pouco de ambos — é depender da graça e da misericórdia de Deus e esperar por uma redenção além do que vemos durante nossa vida. Talvez nosso conforto mais profundo seja lembrar que Deus também experimentou o desgosto de um pai por seu Filho condenado, mas superou tudo por meio do poder do amor.

Os israelitas pedem um rei (1Samuel 8.4-22)

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Vendo a inadequação dos filhos de Samuel, os israelitas pediram a ele: “Escolhe agora um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações”. Esse pedido desagrada a Samuel (1Sm 8.4-6). Samuel adverte o povo, mostrando que os reis costumam impor fardos pesados ​​a uma nação.

O rei que reinará sobre vocês reivindicará como seu direito o seguinte: ele tomará os filhos de vocês para servi-lo em seus carros de guerra e em sua cavalaria, e para correr à frente dos seus carros de guerra. Colocará alguns como comandantes de mil e outros como comandantes de cinquenta. Ele os fará arar as terras dele, fazer a colheita, e fabricar armas de guerra e equipamentos para os seus carros de guerra. Tomará as filhas de vocês para serem perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará de vocês o melhor das plantações, das vinhas e dos olivais, e o dará aos criados dele. (1Sm 8.10-17)

De fato, os reis seriam tão vorazes que, por fim, o povo acabaria clamando a Deus para salvá-los dos reis (1Sm 8.18).

Deus concorda que pedir um rei é uma má ideia, porque equivale a uma rejeição do próprio Deus como rei. No entanto, o Senhor decide permitir que o povo escolha sua forma de governo e diz a Samuel: “Atenda a tudo o que o povo está lhe pedindo; não foi a você que rejeitaram; foi a mim que rejeitaram como rei” (1Sm 8.7). Como observa o estudioso bíblico John Goldingay: “Deus começa com seu povo onde eles estão; se eles não conseguem lidar com seu caminho mais elevado, ele entalha um caminho mais baixo. Quando eles não respondem ao espírito do Senhor ou quando todos os tipos de espíritos os levam à anarquia, ele fornece... a salvaguarda institucional dos governantes terrenos”. Às vezes, Deus permite instituições que não fazem parte de seu propósito eterno, e a monarquia de Israel é um dos exemplos mais flagrantes.

Tanto Deus quanto Samuel mostraram grande humildade, resiliência e graça ao permitir que Israel fizesse escolhas e cometesse erros, aprendendo com as consequências. Existem muitas situações institucionais e no ambiente de trabalho em que a liderança deve se ajustar às más escolhas das pessoas e, ao mesmo tempo, tentar oferecer oportunidades de crescimento e graça. A advertência de Samuel a Israel poderia facilmente servir de advertência a nações, empresas, igrejas, escolas e outras organizações do mundo de hoje. Em nosso mundo decaído, as pessoas abusam do poder e temos de nos ajustar e, ao mesmo tempo, fazer o que podemos para mudar as coisas. Nossa aspiração é amar a Deus e tratar as outras pessoas como Deus ordena na lei dada a Moisés, algo que o povo de Deus teve muita dificuldade em cumprir em todas as épocas.

A tarefa de escolher um rei (1Samuel 9—16)

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Saul é escolhido como primeiro rei de Israel

A primeira escolha de Deus para ser rei é Saul (c. 1050-1010 a.C.), alguém que se destacava — ele literalmente era “sem igual entre os israelitas; os mais altos batiam nos seus ombros” (1Sm 9.2). Além disso, ele obteve vitórias militares, a principal razão para ter um rei (1Sm 11.1-11). No início, ele serviu fielmente (1Sm 11.13-14), mas rapidamente se tornou desobediente a Deus (1Sm 13.8-15) e arrogante com seu povo (1Sm 14.24-30). Tanto Samuel quanto Deus ficaram exasperados com ele e começaram a procurar seu substituto (1Sm 16.1). Mas, antes de compararmos as ações de Saul com as expectativas da liderança do século 21, devemos observar que ele simplesmente fez o que faziam os reis no antigo Oriente Próximo. O povo conseguiu o que pediu (e contra o que Samuel havia advertido): um tirano militarista, carismático e que exaltava a si mesmo.

Como devemos avaliar o primeiro rei de Israel? Deus cometeu um erro ao levar Samuel a ungir o jovem Saul como rei? Ou a escolha de Saul foi uma lição prática para os israelitas não serem seduzidos pelas aparências externas — bonito por fora, mas vazio por dentro? Ao pedir um rei, os israelitas mostraram sua falta de fé em Deus. O rei que eles receberam, em última análise, demonstrou a mesma falta de fé em Deus. A principal tarefa de Saul como rei era garantir a segurança dos israelitas contra ataques dos filisteus vizinhos e de outras nações. Mas, quando enfrentou Golias, o medo de Saulo superou sua fé e ele se mostrou inapto para seu papel (1Sm 17.11). Ao longo de seu reinado, Saul igualmente duvidou de Deus, buscando conselho nos lugares errados e, finalmente, cometendo suicídio, enquanto seu exército era derrotado pelo inimigo (1Sm 31.4).

Davi é escolhido para suceder a Saul

Enquanto Samuel procura o substituto de Saul, ele quase comete o erro de julgar pelas aparências uma segunda vez (1Sm 16.1-4). O menino Davi parece insignificante para Samuel, mas, com a ajuda de Deus, ele finalmente reconhece em Davi o escolhido de Deus para ser rei de Israel. Na aparência externa, Davi não projeta a imagem de seriedade que as pessoas esperam de um líder (1Sm 16.6-11). Um pouco mais tarde na história, o gigante filisteu Golias se mostra igualmente desdenhoso (1Sm 17.42). Davi é um candidato não convencional por razões que vão além de sua juventude. Ele é o último filho em uma sociedade baseada na primazia do filho mais velho. Além disso, ele é etnicamente misto, não um israelita puro, porque uma de suas bisavós era Rute (Rt 4.21-22), uma imigrante do reino de Moabe (Rt 1.1-4). Embora Davi tenha contra ele vários aspectos, Deus vê nele uma grande promessa.

Ao pensarmos sobre a seleção de liderança hoje, é valioso lembrar a palavra de Deus a Samuel: “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1Sm 16.7). No reino invertido de Deus, o último ou o esquecido pode acabar sendo a melhor escolha. O melhor líder pode ser aquele que ninguém está procurando. Pode ser tentador partir para o candidato inicialmente impressionante, aquele que transborda carisma, a pessoa que outras pessoas parecem querer seguir. Mas o excesso de autoconfiança, na verdade, leva a um desempenho inferior, de acordo com um artigo de 2012 da Harvard Business Review. [1] O carisma não é o que Deus valoriza. O caráter é. O que seria necessário para aprender a ver o caráter de uma pessoa pelos olhos de Deus?

É significativo que Davi estivesse fazendo seu trabalho como pastor, cuidando conscientemente das ovelhas de seu pai, quando Samuel o encontrou. O desempenho fiel no trabalho em questão é uma boa preparação para um trabalho maior, como no caso de Davi (1Sm 17.34-37; veja também Lc 16.10; 19.17). Samuel logo descobre que Davi é o líder forte, confiante e competente pelo qual o povo ansiava, que “sairá à nossa frente para combater em nossas batalhas” (1Sm 8.20). Ao longo de sua carreira, Davi mantém em mente que está servindo à vontade de Deus para cuidar do povo de Deus (2Sm 6.21). Deus o chama de “homem segundo o meu coração” (At 13.22).

Deus escolheu Davi para suceder a Saul. Agora, Samuel deve ungir Davi como rei enquanto Saul ainda está no trono. Samuel duvida das perspectivas de sucesso. Samuel diz: “Como poderei ir? Saul saberá disto e me matará” (1Sm 16.2). A resposta de Deus é que Samuel vá disfarçado. “Leve um novilho com você e diga que foi sacrificar ao Senhor. Convide Jessé para o sacrifício, e eu lhe mostrarei o que fazer. Você irá ungir para mim aquele que eu indicar” (1Sm 16.2-3). Em outras palavras, vá abertamente à casa de Jessé (onde o novo rei será encontrado), mas disfarce seu propósito ao ir para lá. Seguindo a orientação de Deus, Samuel consegue ungir Davi como rei.

Em nosso trabalho, também podemos enfrentar o desafio de lidar com um sistema abusivo ou um líder tirânico. Falamos claramente, como se tivéssemos um alvo nas costas, esperando para ser abatidos? Ou transitamos sutilmente, esperando que isso nos dê a chance de afetar mais positivamente o resultado final? O que significa ser “astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas”, como Jesus disse? (Mt 10.16). Para saber mais sobre o tópico de quando o engano pode ser moralmente necessário, veja o artigo “Quando alguém não tem direito à verdade”.

Há um momento para ser claro sobre o que defendemos, e há um momento para agir de forma mais discreta, mantendo o objetivo em mente. Como podemos identificar a diferença? A pista está aqui no texto, no qual Samuel está continuamente conversando com Deus em busca de orientação. Sob pressão, podemos tomar esse tipo de decisão por conta própria, mas é provável que isso gravite em direção ao que é mais confortável para nós mesmos, e não ao que Deus deseja. No entanto, temos a promessa de Jesus de que recebermos ajuda do Espírito Santo de Deus (Jo 14.26). Samuel tinha o hábito de conversar com Deus em seu ambiente de trabalho, e isso o levou a lidar com a situação moralmente ambígua à luz de Deus para entender os propósitos de Deus corretamente. Podemos fazer o mesmo em nosso próprio ambiente de trabalho, levar nossas dúvidas e incertezas a Deus em oração? Para obter ajuda com isso, veja o plano de leitura da Bíblia, “Como tomar a decisão certa”.

A ascensão de Davi ao poder (1Samuel 17—30)

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Ao contrário de Saul, que começou seu reinado logo depois que Samuel o ungiu (1Sm 11.1), Davi tem um aprendizado longo e difícil antes de ser aclamado rei em Hebrom. Seu primeiro sucesso público veio ao matar o gigante Golias, que ameaçava a segurança militar de Israel. Quando o exército volta para casa, uma multidão de mulheres começa a cantar: “Saul matou milhares, e Davi, dezenas de milhares” (1Sm 18.7). Isso enfurece Saul (1Sm 18.8). Em vez de reconhecer como ele e a nação podem se beneficiar das capacidades de Davi, ele o considera uma ameaça. Ele decide eliminar Davi na primeira oportunidade (1Sm 18.9-13). Assim começou uma rivalidade que acabou forçando Davi a fugir para salvar a vida, evitando Saul enquanto liderava um bando de rebeldes no deserto de Judá por dez anos.

Quando Davi tem a oportunidade de assassinar o rei Saul, ele se recusa, sabendo que o trono não é dele: é de Deus, e só ele pode dar. Como os salmos expressam: “É Deus quem julga: Humilha a um, a outro exalta” (Sl 75.7). Davi respeita a autoridade que Deus deu a Saul, mesmo quando ele age de maneira desonrosa. Isso parece uma lição para aqueles que hoje trabalham para chefes difíceis ou estão esperando ser reconhecidos por sua liderança. Mesmo que sintamos que somos chamados por Deus para uma tarefa ou posição específica, isso não nos autoriza a tomar o poder, contrariando as autoridades existentes. Se todos os que pensavam que Deus queria que eles fossem o chefe tentassem acelerar o processo tomando o poder por conta própria, toda sucessão de autoridade seria marcada pelo caos. Deus é paciente, e nós também devemos ser pacientes, assim como Davi foi.

Podemos confiar que Deus nos dará a autoridade de que precisamos, em seu tempo, para fazer a obra que ele deseja que façamos? No ambiente de trabalho, ter mais autoridade é valioso para realizar o trabalho necessário. Agarrar-se a essa autoridade prematuramente, subestimando um chefe ou empurrando um colega para fora do caminho, não cria confiança com os colegas nem demonstra confiança em Deus. Às vezes, pode ser frustrante quando parece que está demorando muito para que a autoridade necessária apareça em seu caminho, mas a verdadeira autoridade não pode ser alcançada, apenas concedida. Davi estava disposto a esperar até que Deus colocasse essa autoridade em suas mãos.

Abigail acalma uma crise entre Davi e Nabal (1Samuel 25)

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À medida que o poder de Davi cresce, ele entra em conflito com um rico proprietário de terras chamado Nabal. Por acaso, o bando de rebeldes de Davi, contra o governo de Saul, está acampado na área de Nabal há algum tempo. Os homens de Davi trataram os pastores de Nabal com bondade, protegendo-os de danos ou, pelo menos, não roubando nada (1Sm 25.15-16). Davi imagina que isso significa que Nabal deve algo a ele, e ele envia uma delegação para pedir a Nabal que doe alguns animais para um banquete para o exército de Davi. Talvez percebendo a fraqueza de sua afirmação, Davi instrui sua delegação a ser ainda mais educada com Nabal.

Nabal não aceitará nada disso. Ele não apenas se recusa a dar a Davi qualquer coisa para a festa, mas também o insulta publicamente, nega conhecê-lo e contesta a integridade de Davi por ser um rebelde contra Saul (1Sm 25.10). Os próprios servos de Nabal descrevem seu amo como “um homem tão mau que ninguém consegue conversar com ele” (1Sm 25.17). Davi imediatamente sai com 400 homens armados para matar Nabal e todos os homens de sua casa.

De repente, Davi está prestes a cometer um assassinato em massa, enquanto Nabal se preocupa mais com seu orgulho do que com seus trabalhadores e sua família. Esses dois homens arrogantes são incapazes de resolver uma discussão sobre ovelhas sem derramar o sangue de centenas de pessoas inocentes. Graças a Deus, quem intervém na discussão é Abigail, a sábia esposa de Nabal. Ela rapidamente prepara um banquete para Davi e seus homens, depois sai ao encontro de Davi com um pedido de desculpas que estabelece um novo padrão de cortesia no Antigo Testamento (1Sm 25.26-31). No entanto, envoltas em palavras de cortesia, estão algumas verdades duras que Davi precisa ouvir. Ele está prestes a derramar sangue sem motivo, trazendo sobre si uma culpa da qual nunca poderia escapar.

Davi fica comovido com as palavras dela e abandona seu plano de matar Nabal e todos os seus homens e meninos. Ele até agradece a Abigail por desviá-lo de seu plano imprudente. “Seja você abençoada pelo seu bom senso e por evitar que eu hoje derrame sangue e me vingue com minhas próprias mãos. De outro modo, juro pelo nome do Senhor, o Deus de Israel, que evitou que eu lhe fizesse mal, que, se você não tivesse vindo depressa encontrar-me, nem um só do sexo masculino pertencente a Nabal teria sido deixado vivo ao romper do dia” (1Sm 25.33-34).

O incidente mostra que as pessoas precisam responsabilizar seus líderes, embora isso possa acarretar um grande risco pessoal. Você não precisa ter status de autoridade para ser chamado a exercer influência. Mas você precisa de coragem, o que, felizmente, é algo que você pode receber de Deus a qualquer momento. A intervenção de Abigail também demonstra que mostrar respeito, mesmo ao fazer uma crítica direta, fornece um modelo para desafiar a autoridade. Nabal transformou uma pequena discussão em uma situação de risco de vida, envolvendo uma pequena disputa em um insulto pessoal. Abigail resolve uma crise com risco de vida, disfarçando uma grande repreensão em um diálogo respeitoso.

De que maneiras Deus pode estar chamando você para exercer influência a fim de responsabilizar pessoas em posições de autoridade superior? Como você pode cultivar uma atitude piedosa de respeito, juntamente com um compromisso inabalável de dizer a verdade? Que coragem você precisa de Deus para realmente fazer isso?

A era de ouro da monarquia: 2Samuel 1—24, 1Reis 1—11, 1Crônicas 13; 21—25

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Após a morte de Saul, Davi é ungido rei sobre a tribo do sul de Judá, mas só depois de muito sangue derramado é que Davi finalmente é ungido rei sobre todo o Israel (2Sm 5.1-10). Quando Davi finalmente se destaca, ele investe seu talento no desenvolvimento de outras pessoas. Ao contrário dos medos de Saul quanto a um rival, Davi se cerca de uma companhia cujas façanhas rivalizam com as suas (2Sm 23.8-39; 1Cr 11.10-47). Ele os honra (1Cr 11.19), encoraja sua fama e os promove (1Cr 11.25). Deus usa a disposição de Davi para patrocinar e encorajar as pessoas a construir o próprio sucesso de Davi e abençoar as pessoas de seu reino.

Enfim, a frouxa confederação de tribos israelitas se uniu como nação. Por oitenta anos, primeiramente sob o governo de Davi (c. 1010-970 a.C.), depois de seu filho Salomão (c. 970-931 a.C.), Israel vive uma era de ouro de prosperidade e renome entre todas as nações do antigo Oriente Próximo. Mas, em meio a seus sucessos, esses dois governantes também violam a aliança de Deus. Embora isso cause apenas danos limitados em sua própria época, estabelece um padrão para aqueles que vierem depois deles se afastarem do Senhor e abandonarem sua aliança.

Os sucessos e fracassos de Davi como rei (2Samuel 1—24)

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A Bíblia considera Davi o modelo de rei de Israel, e os livros de Samuel, Reis e Crônicas descrevem seus muitos sucessos. No entanto, mesmo Davi, um homem segundo o coração de Deus (1Sm 13.14), abusa de seu poder e às vezes age sem fé. Ele tende a ter sucesso quando não se leva muito a sério, mas entra em sérios problemas quando o poder sobe à sua cabeça — por exemplo, quando resolve fazer um censo, violando o mandamento de Deus (2Sm 24.10-17) ou quando explora sexualmente Bate-Seba e ordena o assassinato de seu marido, Urias (2Sm 11.2-17). No entanto, apesar das falhas de Davi, Deus cumpre sua aliança com ele e o trata com misericórdia.

O estupro de Bate-Seba e o assassinato de Urias por Davi (2Samuel 11—12)

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Pessoas no poder têm encoberto casos de abuso sexual há milênios, mas a Bíblia expõe corajosamente exemplos de abuso contra Sara, Hagar, Diná, Tamar (duas delas) e Bate-Seba, o assunto desta passagem. O abuso de Bate-Seba parece o mais chocante de todos, porque ocorre nas mãos de ninguém menos que o ancestral mais famoso de Jesus, o rei Davi. A história é antiga, mas a questão permanece tão atual quanto sempre. Nos últimos anos, uma onda de histórias de abuso sexual gerou o movimento #metoo que derrubou grandes nomes do entretenimento (Harvey Weinstein, Bill O'Reilly, Charlie Rose), da política (Al Franken, Patrick Meehan, John Conyers), dos negócios (Steve Wynn, Travis Kalanick), esportes (Larry Nassar), música (R. Kelly) e religião (Bill Hybels, Andy Savage, Paige Patterson). Todos esses nomes são dos EUA, mas o problema é mundial.

A história é conhecida. Do telhado, Davi percebe que sua atraente vizinha, Bate-Seba, está tomando banho. Ele envia seus homens para levá-la até ele no palácio, faz sexo com ela e ela fica grávida. Em uma tentativa de encobrir a gravidez, Davi chama Urias, marido de Bate-Seba, que estava lutando em Rabá, mas Urias tem integridade demais para dormir com sua esposa enquanto o restante do exército e a arca estão acampados em tendas. Depois que Davi orquestra a morte de Urias em batalha, ele assume que o desastre foi evitado. Mas Davi não leva Deus em consideração.

Ao longo da história, esse encontro entre Davi e Bate-Seba foi frequentemente descrito como adultério, o que implica consentimento mútuo. No entanto, ao examinarmos os detalhes, vemos que, na verdade, trata-se de abuso sexual por alguém com poder, em outras palavras, estupro. Nem o texto nem o contexto apoiam a conclusão de que foi um caso consensual entre dois adultos. As pessoas que pensam que Bate-Seba seduziu Davi tomando banho do lado de fora de sua janela podem não perceber que o verbo hebraico rachats, usado para a ação de Bate-Seba aqui (2Sm 11.2), significa literalmente “lavar”, e assim é traduzido em outras partes desta narrativa (2Sm 11.8; 12.20). Não há razão para supor que Bate-Seba estava nua, ou que ela estava ciente de que o rei, que deveria estar com seu exército, estaria espiando de seu telhado (2Sm 11.1-2).

As pessoas que pensam que ela concordou em ir ao palácio de bom grado não entendem que, quando um antigo governante convocava um súdito ao palácio, o súdito não tinha escolha a não ser obedecer (veja Et 2.14, 3.12 e 8.9, por exemplo). E Davi envia não um, mas vários mensageiros, para garantir a obediência de Bate-Seba (2Sm 11.4). Lembre-se, a única pessoa que se recusa a seguir as diretrizes de Davi nesta história é Urias, e ele acaba morto (2Sm 11.14-18). O texto não diz que Bate-Seba percebeu que estava sendo trazida ao palácio para fazer sexo com o rei. É até mais provável que ela tivesse presumido que a convocação era para ser informada da morte de seu marido, o que foi essencialmente o que aconteceu mais tarde (2Sm 11.26-27).

O texto declara a ação como uma perpetração unilateral de Davi. “Davi mandou que a trouxessem, e se deitou com ela”, não “eles se deitaram juntos” (2Sm 11.4). A linguagem usada aqui para descrever o encontro sugere estupro, não adultério. Davi “mandou trazer” (laqach, lit. “tomou”) Bate-Seba e “deitou” (shakav) com ela. O verbo shakav pode significar apenas relação sexual, mas é usado na maioria dos incidentes de estupro na Bíblia hebraica. Os verbos laqach e shakav só aparecem juntos em contextos de estupro (Gn 34.2; 2Sm 12.11; 16.22).

Não podemos culpar Bate-Seba por consentir quando levada à câmara de um homem que possuía grande poder e um histórico de violência. À medida que a narrativa continua, todas as pessoas censuram Davi, mas ninguém censura Bate-Seba. Deus culpa Davi. “O que Davi fez desagradou ao Senhor” (2Sm 11.27). O profeta Natã acusa Davi, contando uma parábola na qual um homem rico (representando Davi) “toma” uma ovelha preciosa (Bate-Seba) de um homem pobre (Urias). Depois de ouvir a parábola de Natã, até Davi o culpa. “O homem que fez isso merece a morte!” (2Sm 12.5). Caso ainda não tenha ficado claro, Natã responde: “Você é esse homem!” (2Sm 12.7). De acordo com as leis de estupro e adultério de Deuteronômio 22.22-29, se o homem merece morrer, o que aconteceu não foi adultério, mas estupro.

Quando chamamos esse incidente de adultério ou contestamos as ações de Bate-Seba, não estamos apenas ignorando o texto, mas essencialmente culpando a vítima. No entanto, quando chamamos isso de estupro e nos concentramos nas ações de Davi, não apenas levamos o texto a sério, mas validamos as histórias de outras vítimas de abuso sexual. Assim como Deus viu o que Davi fez com Bate-Seba, Deus vê o que os perpetradores fazem com as vítimas de abuso sexual hoje.

O crime de Davi foi um abuso de poder realizado na forma de violação sexual. Como soberano sobre o maior império de Israel, Davi tinha indiscutivelmente mais poder do que qualquer outro israelita no Antigo Testamento. Antes de Davi assumir o trono, ele usou seu poder para servir aos outros, talvez mais notavelmente às cidades indefesas de Queila e Ziclague (1Sm 23.1-14; 30.1-31). Já no caso de Bate-Seba, ele abusou de seu poder primeiro para servir sua própria luxúria e, em seguida, para preservar sua reputação.

Embora poucos de nós tenham tanta autoridade quanto Davi, muitos de nós têm poder em esferas menores em contextos familiares ou de trabalho, seja como resultado de nosso sexo, raça, posição, riqueza ou outros marcadores de status, ou simplesmente à medida que envelhecemos, ganhamos experiência e temos mais responsabilidade. É tentador tirar proveito de nosso poder e privilégio, pensando que trabalhamos duro por essas vantagens (melhores escritórios, vagas especiais de estacionamento, salários mais altos), mesmo que pessoas com menos poder não as compartilhem.

Por outro lado, muitos de nós somos vulneráveis ​​aos que estão no poder pelas mesmas razões, embora estejam do lado oposto da distribuição de poder. Pode ser tentador pensar que aqueles em posições vulneráveis ​​​​devam tentar se defender, como muitos pensaram em relação a Bate-Seba. O texto não apresenta nenhuma evidência de que ela tenha tentado recusar a imposição sexual de Davi, portanto — segundo esse tipo de pensamento — ela deve ter participado voluntariamente. Como vimos, a Bíblia rejeita esse tipo de pensamento. A vítima de um crime é sempre a vítima do crime, não importa quanta ou pouca resistência ela possa ter oferecido.

Davi mergulhou nesse crime depois de ter esquecido que foi Deus quem lhe deu sua posição de poder e que Deus se importava com o que ele fazia com ela. Os pastores deveriam cuidar das ovelhas de seu rebanho, e não devorá-las (Ez 34). Jesus, o bom pastor, usou seu poder para alimentar, servir, curar e abençoar as pessoas sob sua autoridade, e ordenou que seus seguidores fizessem o mesmo (Mc 9.35; 10.42-45).

O poder soberano de Davi permitiu que ele evitasse aspectos desagradáveis ​​de sua responsabilidade, especificamente liderando seu exército na guerra, mesmo sendo um herói militar, derrotando Golias e “milhares” em batalha (1Sm 17; 18.7; 21.11; 29.5).Uma consequência de sua decisão de ficar em casa e tirar um cochilo foi que ele tinha pouca responsabilidade, já que seus amigos mais próximos (seus “homens poderosos”) estavam lutando. Muitas pessoas sabiam o que Davi estava fazendo, mas eles eram servos e, o que não é de surpreender, nenhum deles se manifestou. As pessoas que enfrentam o poder normalmente pagam por isso.

Mas isso não impediu Abigail, a sábia esposa do tolo Nabal, de se colocar em perigo para impedir que Davi, que ainda não era o governante, iniciasse um ataque sangrento (1Sm 25). Se um dos servos de Davi tivesse proferido uma palavra de advertência cedo, como Abigail fez, talvez o estupro de Bate-Seba e o assassinato de Urias pudessem ter sido evitados. Depois que os crimes foram cometidos, o profeta Natã foi inspirado por Deus a confrontar o rei, que, felizmente para sua alma, foi receptivo à mensagem (2Sm 12). Observe que tanto Abigail quanto Natã não eram propriamente os alvos dos abusos de poder de Davi. Eles estavam em posições de poder inferior ao do agressor, mas de alguma forma reconheciam que poderiam intervir e estavam dispostos a correr o risco de fazê-lo. Será que suas ações sugerem que aqueles de nós que estão cientes do abuso têm a responsabilidade de preveni-lo ou denunciá-lo, mesmo que isso represente um risco para nós ou para nossa reputação?

A maioria de nós não está em situações em que confrontar um chefe ou supervisor envolve arriscar a vida, mas falar nesses tipos de contexto pode significar perder status, uma promoção ou até o emprego. Mas, como esta e muitas outras histórias semelhantes nas Escrituras ilustram, Deus chama seu povo para agir como profetas em nossas igrejas, escolas, empresas e onde quer que trabalhemos e vivamos. Os exemplos de Abigail e Natã — além das instruções de Jesus em Mateus 18.15-17 — sugerem que, idealmente, devemos falar cara a cara com o agressor. (No entanto, Romanos 13.1-7 implica que os cristãos podem usar outros meios do devido processo legal que não exijam confronto individual com o agressor.)

Para aqueles de nós que evitam conflitos, aprender a falar a verdade para pessoas em posição de autoridade é algo que pode ser desenvolvido gradualmente ao longo do tempo, como fazer fisioterapia para um músculo fraco ou lesionado. Cultivamos a capacidade de confrontar começando com pequenos passos, fazendo perguntas ou apontando pequenos problemas. Podemos, então, passar para questões mais significativas, oferecendo diferentes perspectivas que podem não ser populares. Com o tempo, podemos nos tornar mais corajosos, de modo que, se estivermos cientes de uma falha moral significativa, como o abuso sexual cometido por um colega ou um superior, possamos falar a verdade de maneira sábia e graciosa. Do outro lado da equação, líderes sábios permitem com mais facilidade que seus subordinados os responsabilizem e levantem questões. Quando você atua como líder, o que faz para receber ou solicitar feedback negativo dos outros?

Davi aceita o severo feedback negativo de Natã e se arrepende. Mesmo assim, Natã aponta para Davi que seu arrependimento e perdão individuais não põem fim, por si só, às consequências que o pecado de Davi terá sobre os outros:

Então Davi disse a Natã: “Pequei contra o Senhor!”
E Natã respondeu: “O Senhor perdoou o seu pecado. Você não morrerá. Entretanto, uma vez que você insultou o Senhor, o menino morrerá”. (2Sm 12.13-14).

Mesmo pessoalmente arrependido, Davi não erradica a cultura de exploração que vigorava sob sua liderança. Natã declara a Davi que a punição por seu pecado será severa, e o restante do reinado de Davi é marcado por turbulências (2Sm 13—21, 1Rs 1). De fato, o filho de Davi, Amnom, comete o mesmo crime (estupro), mas de uma maneira ainda mais repreensível, pois é contra sua própria irmã Tamar (2Sm 13.1-19). O próprio Davi é cúmplice, embora talvez sem saber. Mesmo quando o assunto é trazido à sua atenção, Davi não faz nada para trazer justiça à situação. Finalmente, outro filho de Davi, Absalão, decide agir por conta própria. Ele mata Amnom e inicia uma guerra dentro da própria casa de Davi (2Sm 13), que se transforma em guerra civil e uma sequência de tragédias em todo o Israel.

Uma cultura que tolera o abuso é muito difícil de ser erradicada, muito mais difícil do que seus líderes supõem. Se Davi achava que seu arrependimento pessoal seria suficiente para restaurar a integridade de sua família, estava tragicamente enganado. Infelizmente, esse tipo de complacência e desrespeito voluntário em tolerar uma cultura de abuso continua até os dias atuais. Quantas igrejas, corporações, universidades, governos e organizações prometeram erradicar uma cultura de abuso sexual depois que um incidente for exposto, apenas para voltar imediatamente aos mesmos velhos hábitos e perpetrar ainda mais abusos?

Este episódio não termina em desespero, no entanto. O abuso sexual é um dos pecados mais graves, mas, mesmo assim, há esperança de justiça e restauração. Será que é possível deixar que os exemplos de Davi, Natã e Bate-Seba nos encorajem a admitir e nos arrepender (se formos os autores), a confrontar (se estivermos cientes do crime) ou a nos recuperar (se formos a vítima)? Em qualquer caso, o primeiro passo é fazer que o abuso cesse. Somente quando isso ocorre é que podemos falar de arrependimento, incluindo aceitação da culpa, punição e, se possível, restituição. Ao mencionar a linhagem de Jesus — o descendente mais famoso de Davi —, Mateus nos lembra do estupro de Davi. Mateus inclui Bate-Seba entre as quatro mães que ele menciona, não a chamando de esposa de Davi, mas de “mulher de Urias”, o homem que Davi assassinou (Mt 1.6). Esse aviso, no início dos Evangelhos, nos lembra que Deus é um Deus tanto de justiça quanto de restauração. Nessa faceta única, podemos de fato ver Davi como um modelo que vale a pena imitar. Esse homem de poder, quando confrontado com evidências de seus próprios erros, se arrepende e clama por justiça, mesmo sabendo que isso pode levar à sua ruína. Ele recebe misericórdia, mas não por seu próprio poder nem pelo poder de seus comparsas, mas por se submeter a uma autoridade que está além de seu poder de manipulação.

O tratamento disfuncional de Davi com os conflitos familiares leva à guerra civil (2Samuel 13—19)

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A maioria das pessoas se sente desconfortável em situações de conflito, por isso tendemos a evitar conflitos, seja em casa ou no trabalho. Mas os conflitos são muito parecidos com doenças. Os menores podem desaparecer, mesmo que os ignoremos, mas os maiores penetrarão mais profundamente e de forma mais catastrófica em nossos sistemas, se não os tratarmos. Isso é verdade para a família de Davi. Davi permite que o conflito entre alguns de seus filhos mergulhe sua família na tragédia. Seu filho mais velho, Amnom, estupra e depois envergonha sua meia-irmã, Tamar (2Sm 13.1-19). O irmão de Tamar, Absalão, odeia Amnom por esse crime, mas não fala com ele sobre isso. Davi sabe o que se passa, mas decide ignorar a situação (2Sm 13.21). Para saber mais sobre filhos que decepcionam os pais, veja “Os filhos de Samuel decepcionam (1Sm 8.1-3)”.

Por dois anos, tudo parece ficar bem, mas conflitos não resolvidos dessa magnitude nunca desaparecem. Quando Amnom e Absalão viajam juntos pelo campo, Absalão embebeda seu meio-irmão com vinho e, em seguida, seus servos o matam (2Sm 13.28-29). O conflito atrai mais membros da família de Davi, os nobres e o exército, até que toda a nação acaba envolvida em uma guerra civil. A destruição causada por evitar o conflito é muitas vezes pior do que o desagrado que pode ter resultado de lidar com os problemas quando eles surgem.

Os professores de Harvard Ronald Heifetz e Marty Linsky descrevem como os líderes devem “orquestrar o conflito”, ou então ele se desenvolverá por conta própria, frustrará seus objetivos e colocará em risco suas organizações. [1] Da mesma forma, Jim Collins dá o exemplo de Alan Iverson, que era CEO da Nucor Steel em uma época em que havia profundas divisões sobre se a empresa deveria ou não diversificar para a reciclagem de sucata de aço. Iverson trouxe as divisões à tona, permitindo que todos expressassem sua opinião, protegendo-os de represálias de outros que pudessem discordar. Os “debates acalorados” que se seguiram foram desconfortáveis ​​para todos. “As pessoas gritavam. Acenavam com os braços e batiam nas mesas. Os rostos ficavam vermelhos e as veias saltavam.” Mas reconhecer o conflito e trabalhá-lo abertamente impediu que ele se tornasse clandestino e explodisse mais tarde. Além disso, ao trazer à tona uma variedade de fatos e opiniões, o grupo foi levado a tomar as melhores decisões. “Os colegas entravam no escritório de Iverson e gritavam uns com os outros, mas depois chegavam a uma conclusão... A estratégia da empresa ‘evoluiu por meio de muitas discussões e brigas agonizantes’.” [2] Um conflito bem orquestrado pode, na verdade, ser uma fonte de criatividade.

Davi aprende que precisa da orientação divina de como fazer sua obra (1Crônicas 13)

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Em 1Crônicas 13, Davi enfrenta um desafio em seu trabalho como rei e logo começa a resolvê-lo. Ele acredita que a arca de Deus deveria ser trazida de volta de Quiriate-Jearim, onde foi deixada durante o reinado de Saul. No entanto, em vez de agir por conta própria, ele conferencia com todos os seus líderes e ganha a concordância deles. Juntos, eles oram a Deus por sabedoria e concluem que realmente precisam trazer a arca de volta. É fácil para um líder cometer o erro de sair sozinho, sem o conselho de Deus ou de outras pessoas. Davi faz bem em reconhecer a necessidade de conselhos humanos e divinos. Ele recebe uma clara aprovação para seu projeto.

Mas o desastre ocorre. Uzá, que está ajudando a transportar a arca, põe a mão sobre ela para segurá-la, e Deus o mata (1Cr 13.9-10). Isso deixa Davi com raiva (1Cr 13.9-11) e com medo de Deus (1Cr 13.12), o que leva Davi a abandonar o projeto. O que começa como uma confirmação de Deus e de pessoas de confiança para realizar um projeto, de repente se transforma em um fracasso dramático. O mesmo acontece hoje. Por fim, quase todos nós experimentamos um doloroso revés em nosso trabalho. Pode ser profundamente desencorajador, e até ficamos tentados a abandonar a obra que Deus nos chamou para fazer.

No que parece ser um parêntese, Davi trava duas batalhas bem-sucedidas. Ele pergunta ao Senhor em cada caso se deve prosseguir, Deus o envia e ele obtém sucesso nas duas vezes. Mas a orientação de Deus para a segunda missão contém uma instrução peculiar. Deus diz: “Não ataque pela frente, mas dê a volta por trás deles e ataque-os em frente das amoreiras” (1Cr 14.14). Deus queria que Davi fosse, mas ele queria que ele fosse de uma maneira particular.

Depois desses sucessos, Davi reflete sobre essa experiência e ordena que ninguém, exceto os levitas, carregue a arca de Deus, porque o Senhor os escolheu para a tarefa (1Cr 15.2). Isso estava escrito no livro da Lei (Nm 4.15), mas havia sido esquecido ou negligenciado. Depois que Davi reúne os levitas para completar o trabalho de mover a arca, ele fala sobre o fracasso anterior: “Pelo fato de vocês [sacerdotes e levitas] não terem carregado a arca na primeira vez, a ira do Senhor, o nosso Deus, causou destruição entre nós. Nós não o tínhamos consultado sobre como proceder” (1Cr 15.13). Na segunda vez, porque eles seguiram o procedimento prescrito pela Lei, a arca foi movida com sucesso.

Esta história é um lembrete para nós em nosso próprio trabalho. É importante consultar a Deus e obter conselhos de pessoas de confiança sobre o que devemos fazer. Mas isso não é suficiente. Deus também se importa com como nós fazemos o trabalho. Como mostra a campanha fracassada de Davi, que negligenciou Números 4.15, fazer as coisas à maneira de Deus requer um conhecimento prático das Escrituras.

A desobediência de Davi a Deus causa uma praga nacional (1Crônicas 21.1-17)

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Davi também sofre outro fracasso que, para nós, no século 21, pode parecer estranho. Ele faz um censo do povo de Israel. Embora isso pareça prudente, o texto bíblico nos diz que Satanás incitou Davi a fazer isso, contrariando o conselho de Joabe, general de Davi. Além disso, a iniciativa “foi reprovada por Deus, e por isso ele puniu Israel” (1Cr 21.7).

Davi reconhece seu pecado ao fazer um censo contra a vontade de Deus. Como castigo, ele pode escolher entre três opções, cada uma das quais prejudicaria muitos no reino: (1) três anos de fome, ou (2) três meses de devastação pela espada de seus inimigos, ou (3) três dias de praga sobre a terra. Davi escolhe a terceira opção. Resultado: setenta mil pessoas morrem quando um anjo da morte passa pela terra. Diante disso, Davi clama a Deus: “Não fui eu que ordenei contar o povo? Fui eu que pequei e fiz o mal. Estes não passam de ovelhas. O que eles fizeram? Ó Senhor meu Deus, que o teu castigo caia sobre mim e sobre a minha família, mas não sobre o teu povo!” (1Cr 21.17).

Assim como Davi, provavelmente achamos difícil entender por que Deus puniria 70.000 outras pessoas pelo pecado de Davi. O texto não responde. Podemos observar, no entanto, que as transgressões dos líderes inevitavelmente prejudicam seu povo. Se os líderes empresariais tomarem más decisões sobre o desenvolvimento de produtos, as pessoas em sua organização perderão seus empregos quando as receitas despencarem. Se o gerente de um restaurante não aplicar as regras de saneamento, os clientes ficarão doentes. Se um professor der boas notas por um trabalho ruim, os alunos serão reprovados ou ficarão para trás no próximo nível de ensino. Aqueles que aceitam posições de liderança não podem fugir da responsabilidade pelos efeitos de suas ações sobre os outros.

O apoio de Davi às artes musicais (1Crônicas 25)

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1Crônicas acrescenta um detalhe não encontrado em 2Samuel e 1Reis. Davi cria um corpo de músicos para “ministrar a música no templo do Senhor”.

Todos esses homens estavam sob a supervisão de seus pais quando ministravam a música do templo do Senhor, com címbalos, liras e harpas, na casa de Deus. Asafe, Jedutum e Hemã estavam sob a supervisão do rei. Eles e seus parentes, todos capazes e preparados para o ministério do louvor do Senhor, totalizavam 288. (1Cr 25.6-7)

Manter um conjunto do tamanho de duas orquestras sinfônicas modernas seria um grande empreendimento em uma nação emergente no século 10 a.C. Davi não considera isso um luxo, mas uma necessidade. De fato, ele o ordena em seu papel de comandante-em-chefe do exército, com o consentimento dos outros comandantes (1Cr 25.1).

Muitos corpos militares ainda hoje mantêm bandas e corais, mas isso é raro de ver em outros ambientes de trabalho, a menos que sejam organizações musicais. No entanto, há algo na música e nas outras artes que é essencial para o trabalho de todos os tipos. A criação de Deus — a fonte da atividade econômica humana — não é apenas produtiva, é bela (por exemplo, Gênesis 3.6; Salmos 96.6; Ezequiel 31.7-9), e Deus ama belas obras (por Há lugar para a beleza em seu trabalho? Você, sua organização ou as pessoas que fazem uso de seu trabalho se beneficiariam se seu trabalho criasse mais beleza? Qual o significado de beleza para o trabalho em sua ocupação?

Avaliando o reinado de Davi (1Reis)

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Como devemos avaliar Davi e seu reinado? É digno de nota que, embora Salomão tenha conquistado mais riquezas, terras e renome do que seu pai, Davi ainda é aquele que os livros de Reis e Crônicas aclamam como o maior rei de Israel, o modelo pelo qual todos os outros reis foram medidos.

Podemos ganhar esperança para nós mesmos com a resposta de Deus aos pontos positivos e negativos que vemos na vida e nas ações de Davi. Ficamos impressionados com sua piedade fundamental, mesmo quando empalidecemos diante de sua manipulação política, luxúria e violência. Quando vemos uma ambivalência semelhante em nosso próprio coração e em nossas ações, buscamos consolo e esperança no Deus que perdoa todos os nossos pecados. A presença do Senhor na vida de Davi nos dá esperança de que, mesmo diante de nossa fraqueza de fé, Deus permanecerá conosco o tempo todo.

Como Saul, Davi combinou grandeza e fidelidade com pecado e erro. Podemos nos perguntar, então, por que Deus preservou o reinado de Davi, mas não o de Saul. Em parte, pode ser porque o coração de Davi permaneceu fiel a Deus (1Rs 11.4; 15.3), por mais errôneas que tenham sido suas ações. A mesma coisa nunca é dita de Saul. Ou pode ser simplesmente porque a melhor maneira de Deus cumprir seus propósitos para seu povo era colocar Davi no trono e mantê-lo lá. Quando Deus nos chama para uma tarefa ou posição, não é necessariamente em nós que ele está pensando. Ele pode nos escolher por causa do efeito que teremos sobre outras pessoas. Por exemplo, Deus deu a Ciro, rei da Pérsia, a vitória sobre a Babilônia, não para recompensar ou beneficiar Ciro, mas para libertar Israel do cativeiro (2Cr 36.22-23).

Davi prepara Salomão para suceder-lhe como rei (1Reis 1; 1Crônicas 22)

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Visto que Davi derramou muito sangue como rei, Deus decidiu não permitir que ele construísse um templo para o Senhor. Em vez disso, Salomão, filho de Davi, recebeu essa tarefa (1Cr 22.7-10). Assim, Davi aceitou que sua tarefa final seria preparar Salomão para o cargo de rei (1Cr 22.1-16) e cercá-lo com uma equipe capaz (1Cr 22.17-29). Davi forneceu as vastas reservas de materiais para a construção do templo de Deus em Jerusalém, dizendo: “Meu filho Salomão é jovem e inexperiente, e o templo que será construído para o Senhor deve ser extraordinariamente magnífico” (1Cr 22.5). Ele passou publicamente a autoridade a Salomão e certificou-se de que os líderes de Israel o reconhecessem como o novo rei e estivessem preparados para ajudá-lo a ter sucesso.

Davi reconheceu que a liderança é uma responsabilidade que dura mais do que a própria carreira. Na maioria dos casos, seu trabalho continuará depois que você deixá-lo (seja por promoção, aposentadoria ou por outro emprego). Você tem o dever de criar as condições necessárias para que seu sucessor seja bem-sucedido. Quando Davi preparou Salomão, vemos três elementos do planejamento sucessório. Primeiro, você precisa fornecer os recursos necessários para que seu sucessor conclua as tarefas que ficaram inacabadas. Se você foi, pelo menos, moderadamente bem-sucedido, terá aprendido como reunir os recursos necessários em sua posição. Muitas vezes, isso depende de relacionamentos que seu sucessor não herdará imediatamente. Por exemplo, o sucesso pode depender da ajuda de pessoas que não trabalham em seu departamento, mas que se dispuseram a ajudá-lo em seu trabalho. Você precisa se certificar de que seu sucessor saiba quem são essas pessoas e precisa obter delas o compromisso de continuar ajudando depois que você se for. Davi providenciou para que “especialistas em todo tipo de trabalho” com quem ele havia desenvolvido relacionamentos trabalhassem para Salomão depois que ele se foi (1Cr 22.15).

Em segundo lugar, você precisa transmitir seu conhecimento e seus relacionamentos à pessoa a quem o sucede. Em muitas situações, isso acontecerá trazendo seu sucessor para trabalhar ao seu lado muito antes de sua partida. Davi começou a incluir Salomão nas estruturas de liderança e nos rituais do reino pouco antes de sua morte, embora pareça que ele poderia ter feito um trabalho muito melhor se tivesse começado antes (1Rs 1.28-40). Em outro cenário, você pode não ter nenhum papel na designação de seu sucessor e pode não ter nenhum momento junto com ele. Nesse caso, você precisará transmitir as informações por escrito e por meio daqueles que permanecerão na organização. O que você pode fazer para preparar a obra e seu sucessor para que prosperem, para a glória de Deus, depois que você se for?

Terceiro, você precisa transferir o poder de forma definitiva para a pessoa que assume o cargo. Independentemente de você escolher seu próprio sucessor ou de outros tomarem essa decisão sem sua opinião, você ainda tem a opção de reconhecer ou não publicamente a transição e transmitir definitivamente a autoridade que tinha anteriormente. Suas palavras e ações conferirão uma bênção ou uma maldição ao seu sucessor. Um exemplo recente é a manipulação em que Vladimir Putin se envolveu para manter o poder, depois que limitações de mandato o impediram de buscar um terceiro mandato consecutivo como presidente da Rússia. Ele providenciou que alguns dos poderes do presidente fossem transferidos para o primeiro-ministro e, em seguida, usou sua influência para fazer com que um ex-subordinado fosse eleito presidente, que nomeou Putin como primeiro-ministro imediatamente depois. [1] Depois de um mandato como primeiro-ministro, Putin facilmente assumiu o cargo de presidente novamente, a convite do titular, que se afastou. [2] Como resultado, a concentração de poder nas mãos de Putin continua inabalável por décadas, exatamente o que os limites de mandato pretendiam evitar, possivelmente em detrimento da Rússia e de seus vizinhos. Em contraste, Davi providenciou para que Salomão fosse publicamente ungido como rei, transferiu os símbolos da monarquia para ele e o apresentou publicamente como o novo rei, enquanto o próprio Davi ainda estava vivo (1Rs 1.32-35,39-40).

Salomão sucede a Davi como rei (1Reis 1—11)

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Ao suceder a Davi como rei, Salomão se depara com a vastidão de seus deveres (1Rs 3.5-15). Ele está perfeitamente ciente de que é inadequado para a tarefa (1Cr 22.5). O trabalho que lhe é confiado é imenso. Além do projeto do templo, ele tem uma nação grande e complexa sob seus cuidados, “um povo tão grande que nem se pode contar” (1Rs 3.8). Mesmo quando ganha experiência no trabalho, ele percebe que a tarefa é tão complexa que ele nunca será capaz de descobrir o curso de ação certo em todas as circunstâncias. Ele precisa de ajuda divina: por isso, pede a Deus: “Dá, pois, ao teu servo um coração cheio de discernimento para governar o teu povo e capaz de distinguir entre o bem e o mal. Pois, quem pode governar este teu grande povo?” (1Rs 3.9). Deus responde à sua oração e lhe dá “a Salomão sabedoria, discernimento extraordinário e uma abrangência de conhecimento tão imensurável quanto a areia do mar” (1Rs 4.29).

Salomão constrói o templo do Senhor (1Reis 5—8)

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A primeira grande tarefa de Salomão foi construir o templo do Senhor. Para alcançar esse feito arquitetônico, Salomão emprega profissionais de todos os cantos de seu reino. Três capítulos (1Rs 5—7) são dedicados à descrição do trabalho de construção do templo, dos quais destacamos apenas uma pequena seleção:

Salomão tinha setenta mil carregadores e oitenta mil cortadores de pedra nas colinas, e três mil e trezentos capatazes que supervisionavam o trabalho e comandavam os operários. Por ordem do rei retiravam da pedreira grandes blocos de pedra de ótima qualidade para servirem de alicerce de pedras lavradas para o templo. (1Rs 5.15-17)
Ele fundiu duas colunas de bronze, cada uma com oito metros e dez centímetros de altura e cinco metros e quarenta centímetros de circunferência, medidas pelo fio apropriado. Também fez dois capitéis de bronze fundido para colocar no alto das colunas; cada capitel tinha dois metros e vinte e cinco centímetros de altura. Conjuntos de correntes entrelaçadas ornamentavam os capitéis no alto das colunas, sete em cada capitel. (1Rs 7.15-17)
Além desses, Salomão mandou fazer também estes outros utensílios para o templo do Senhor: O altar de ouro; a mesa de ouro sobre a qual ficavam os pães da Presença; 9os candelabros de ouro puro, cinco à direita e cinco à esquerda, em frente do santuário interno; as flores, as lâmpadas e as tenazes de ouro; as bacias, os cortadores de pavio, as bacias para aspersão, as tigelas e os incensários; e as dobradiças de ouro para as portas da sala interna, isto é, o Lugar Santíssimo, e também para as portas do átrio principal. (1Rs 7.48-51)

De profissionais talentosos a trabalhadores forçados, o povo do reino contribui com seus conhecimentos e habilidades para ajudar a construir o templo. Ao fazer isso, Salomão envolve inúmeras pessoas para ajudar a construir e sustentar seu reino. Sendo ou não a intenção de Salomão, empregar tantas pessoas de todas as esferas da vida garante que a vasta maioria dos cidadãos mantenha um investimento pessoal no bem-estar político, religioso, social e econômico do reino.

Salomão centraliza o governo do reino (1Reis 9—11)

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O enorme esforço nacional necessário para construir o templo deixa Salomão como governante de um reino poderoso. Durante seu reinado, o poderio militar e econômico de Israel atingiu seu auge, e o reino abrange mais território do que em qualquer outro momento da história de Israel. Ele completa a centralização do governo, da organização econômica e da adoração da nação.

Para reunir uma força de trabalho grande o suficiente, o rei Salomão recruta trabalhadores de todo o Israel, num total de trinta mil homens (1Rs 5.13-14). Salomão parece ter pago os israelitas que foram recrutados (1Rs 9.22), de acordo com Lv 25.44-46, que proíbe fazer israelitas escravos. Mas os estrangeiros residentes são simplesmente escravizados (1Rs 9.20-21). Além disso, uma multidão de trabalhadores é trazida de nações vizinhas. Seja qual for a sua origem, reúne-se uma grande variedade de profissionais altamente qualificados, incluindo os melhores artesãos da época. Os livros de Samuel, Reis e Crônicas —interessados principalmente ​​no trabalho da realeza — dizem pouco sobre esses trabalhadores, exceto no que diz respeito ao templo. Mas eles são visíveis em segundo plano, tornando possível toda a sociedade.

Salomão vê que, à medida que o governo central se expande, precisará de alimento para uma força de trabalho cada vez maior. Os servos precisam de comida (1Rs 5.9-11), ao lado dos trabalhadores em todos os projetos de construção de Salomão. A crescente burocracia também precisa ser alimentada. Então, o rei organiza a nação em doze distritos e nomeia um governador como superintendente de cada distrito. Cada governador é encarregado de fornecer todas as provisões alimentares necessárias durante um mês de cada ano (1Rs 4.7). Como resultado, as filhas da nação são recrutadas para o trabalho como “cozinheiras e padeiras” (1Sm 8.13). Israel se torna como outros reinos, com trabalho forçado, tributação pesada e uma elite central que exerce poder sobre o resto do país.

Como Samuel havia predito, os reis trazem consigo um vasto exército (1Sm 8.11-12). A militarização floresceu plenamente durante o reinado de Salomão, à medida que as forças armadas se tornaram um componente essencial da estabilidade do reino. Militares de todas as categorias, de soldados de infantaria a generais, precisam de armas, incluindo dardos, lanças, arcos e flechas, espadas, punhais, facas e fundas. Eles precisam de equipamentos de proteção, incluindo escudos, capacetes e armaduras. Para administrar um exército em tão grande escala, uma organização militar nacionalizada deve ser mantida. Em contraste com seu pai, Davi, Salomão é chamado de “um homem de paz” (1Cr 22.9), mas a paz é assegurada pela presença de uma força militar bem organizada e bem provisionada.

Vemos na história de Salomão como a sociedade depende do trabalho de uma infinidade de pessoas, juntamente com estruturas e sistemas para organizar a produção e a distribuição em larga escala. A capacidade humana de organizar o trabalho é uma evidência de nossa criação à imagem de um Deus que traz ordem ao caos em escala mundial (Gênesis 1). É muito apropriado que a Bíblia retrate essa capacidade por meio da construção do local de encontro de Deus com a humanidade. É preciso uma habilidade dada por Deus para organizar o trabalho em escala grande o suficiente para construir a casa de Deus. Poucos de nós gostariam de voltar aos métodos de organização de Salomão — recrutamento, trabalho forçado e militarização — para podermos ser gratos por Deus nos levar a métodos mais justos e eficazes hoje. Talvez o que tiremos desse episódio seja que Deus está intensamente interessado na arte de coordenar a criatividade e o trabalho humanos para cumprir os seus propósitos no mundo.

Avaliando a era de ouro de Salomão (1Reis)

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A profecia de Samuel sobre os perigos de um rei se cumpriu no tempo de Salomão.

O rei que reinará sobre vocês reivindicará como seu direito o seguinte: ele tomará os filhos de vocês... Tomará as filhas de vocês... Tomará de vocês o melhor das plantações, das vinhas e dos olivais... Tomará um décimo dos cereais e da colheita das uvas... Também tomará de vocês para seu uso particular os servos e as servas, e o melhor do gado e dos jumentos. E tomará de vocês um décimo dos rebanhos, e vocês mesmos se tornarão escravos dele. Naquele dia, vocês clamarão por causa do rei que vocês mesmos escolheram, e o Senhor não os ouvirá. (1Sm 8.11-18)

À primeira vista, as campanhas de administração e construção de Salomão parecem ter sido muito bem-sucedidas. O povo fica feliz em fazer os sacrifícios necessários para construir o templo (1Rs 8.65-66), um lugar onde todos podem ir para receber a justiça de Deus (1Rs 8.12-21), o perdão (1Rs 8.33-36), cura (1Rs 8.37-40) e misericórdia (1Rs 8.46-53).

Mas, depois que o templo é concluído, Salomão constrói um palácio da mesma proporção e magnificência do templo (1Rs 9.1,10). À medida que se acostuma ao poder e à riqueza, torna-se egoísta, arrogante e infiel. Ele se apropria de grande parte da capacidade produtiva da nação para seu benefício pessoal. Seu já impressionante trono de marfim é revestido de ouro (2Cr 9.17). Ele vivia luxuosamente (1Rs 10.5). Ele renega acordos com aliados (1Rs 9.12) e mantém um harém de “setecentas princesas e trezentas concubinas” (1Rs 11.3). Esta última é sua ruína final, pois “ele amou muitas mulheres estrangeiras” (1Rs 11.1), com o resultado de que “à medida que Salomão foi envelhecendo, suas mulheres o induziram a voltar-se para outros deuses, e o seu coração já não era totalmente dedicado ao Senhor, o seu Deus” (1Rs 11.4). Ele constrói santuários para Astarote, Camos e Moloque (1Rs 11.5-7). Como a aliança previa que a fidelidade do rei ao Senhor fosse a chave para a prosperidade da nação, Israel começaria a cair rapidamente de seu auge. Deus, ao que parece, se importa profundamente se fazemos nosso trabalho para seus propósitos ou contra eles. Proezas incríveis são possíveis quando trabalhamos de acordo com os planos de Deus, mas nosso trabalho se desintegra rapidamente quando não o fazemos.

Das monarquias fracassadas ao exílio (1Reis 11—2Reis 25; 2Crônicas 10—36)

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Salomão é apenas o terceiro rei de Israel, mas o reino já atingiu seu ponto alto. Nos quatrocentos anos seguintes, uma sucessão de reis maus leva a nação ao declínio, à desintegração e à derrota.

A poderosa nação de Salomão dividida em dois (1Reis 11.26—12.19)

Após a morte de Salomão, logo fica claro que a agitação estava fermentando sob o verniz de uma administração equilibrada e eficaz. Após a morte do grande rei, Jeroboão (anteriormente o chefe dos trabalhadores forçados) e “toda a assembleia de Israel” se aproxima do filho e sucessor do rei, Roboão (c. 931-914 a.C.) para pedir: “Teu pai colocou sobre nós um jugo pesado, mas agora diminui o trabalho árduo e este jugo pesado, e nós te serviremos” (1Rs 12.3-16; 2Cr 10). Eles estão prontos para prometer lealdade ao novo rei em troca da redução do trabalho forçado e dos altos impostos. [1] Mas, por quarenta anos, Roboão conheceu apenas uma vida luxuosa em palácios, recebendo funcionários e suprimentos do povo israelita. Seu senso de direito é forte demais para permitir concessões. Em vez de aliviar o fardo indevido colocado sobre o povo por seu pai, Roboão escolhe tornar o jugo ainda maior.

Cumprindo ainda mais a previsão de Samuel (1Sm 8.18), ocorre uma rebelião e a monarquia fica dividida para sempre. Por mais que o povo de Israel estivesse disposto a realizar sua parte justa do trabalho para apoiar o Estado, o surgimento de expectativas irreais e irracionais resulta em revolta e divisão. As dez tribos do norte se separam, ungindo Jeroboão (c. 931-910 a.C.) como seu rei. Embora ele tenha sido o líder da delegação que buscava isenção de impostos de Roboão, sua dinastia não se mostrou melhor para o povo.

A marcha do reino do norte em direção ao exílio (1Reis 12.25—2Reis 17.18)

Por dois séculos (910-722 aC), o reino do norte de Israel é governado por reis que fazem grande mal aos olhos do Senhor. Esses séculos foram marcados por constantes guerras, traição e assassinatos, que culminaram em uma derrota catastrófica para a nação da Assíria. Para destruir todo o senso de identidade nacional, os conquistadores assírios arrebatam a população, dispersando-a em diferentes partes de seu império e trazendo estrangeiros para povoar a terra conquistada (2Rs 17.5-24). Conforme discutido em “A desobediência de Davi a Deus causa uma praga nacional (1Crônicas 2.1-17)”, as falhas dos líderes geralmente têm um efeito devastador sobre seu povo.

Obadias salva cem pessoas trabalhando dentro de um sistema corrupto (1Reis 18)

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Pelo menos dois episódios durante esse período merecem nossa atenção. A primeira, a salvação de cem profetas por Obadias, pode ser útil para aqueles que enfrentam a decisão de deixar um emprego em uma organização que se tornou antiética, uma decisão que muitos enfrentam no mundo do trabalho.

Obadias é o chefe de gabinete do rei Acabe. (Acabe até hoje carrega a fama de ter sido o mais iníquo dos reis de Israel.) A rainha Jezabel, esposa de Acabe, ordena que os profetas do Senhor sejam mortos. Como alto funcionário da corte de Acabe, Obadias tem conhecimento prévio da operação, bem como dos meios para contorná-la. Ele esconde cem profetas em duas cavernas e fornece-lhes pão e água até que a crise diminua. Eles são salvos apenas porque ali havia um “homem que temia muito o Senhor” (1Rs 18.3), o qual estava em uma posição de autoridade para protegê-los. Uma situação semelhante ocorre no livro de Ester, contada com muito mais detalhes. Veja “Trabalhando dentro de um sistema caído (Ester)” em www.teologiadotrabalho.org.

É desmoralizante trabalhar em uma organização corrupta ou má. Seria muito mais fácil sair e encontrar um lugar “mais sagrado” para trabalhar. Muitas vezes, desistir é a única maneira de evitar fazer o mal. Mas nenhum ambiente de trabalho no mundo é puramente bom, e enfrentaremos dilemas éticos onde quer que trabalhemos. Além disso, quanto mais corrupto é o ambiente de trabalho, mais ele precisa de pessoas piedosas. Se há alguma maneira de permanecer no lugar sem aumentar o mal, pode ser que Deus queira que fiquemos. Durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de oficiais que se opunham a Hitler permaneceu no Abwher (inteligência militar) porque isso lhes dava uma plataforma para tentar remover Hitler. Seus planos falharam e a maioria foi executada, incluindo o teólogo Dietrich Bonhoeffer. Ao explicar por que permaneceu no exército de Hitler, ele disse: “A pergunta final para um homem responsável não é como ele deve se livrar heroicamente do caso, mas como a próxima geração deve viver”. [1] Nossa responsabilidade de fazer o que pudermos para ajudar os outros parece ser mais importante para Deus do que nosso desejo de pensar em nós mesmos como moralmente puros.

Acabe e Jezabel assassinam Nabote para obter sua propriedade (1Reis 21)

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O rei Acabe abusa ainda mais de seu poder quando começa a cobiçar a vinha de seu próximo, Nabote. Acabe oferece um preço justo pela vinha, mas Nabote considera a terra como uma herança ancestral e diz que não tem interesse em vendê-la por qualquer preço. Acabe aceita desanimado essa limitação apropriada de seu poder, mas sua esposa Jezabel o impele à tirania. “É assim que você age como rei de Israel?”, ela zomba (1Rs 21.7). Se o rei não tem apetite por abuso de poder, a rainha tem. Ela paga dois vadios para fazerem uma falsa acusação de blasfêmia e traição contra Nabote, e ele é rapidamente condenado à morte e apedrejado pelos anciãos da cidade. Ficamos imaginando por que os anciãos agiram tão rapidamente, sem sequer conduzir um julgamento adequado. Eles eram cúmplices do rei? Estavam sob seu controle, com medo de enfrentá-lo? De qualquer forma, com Nabote fora do caminho, Acabe toma posse da vinha para si.

O abuso de poder, incluindo a apropriação de terras tão flagrante quanto a de Acabe, continua até hoje, como é possível notar em quase todos os jornais diários. E, como na época de Acabe, o abuso de poder exige a cumplicidade de outros, que preferem tolerar a injustiça e até o assassinato a arriscar sua própria segurança pelo bem do próximo. Somente Elias, o homem de Deus, ousa se opor a Acabe (1Rs 21.17-24). Embora seus protestos não possam fazer nada para ajudar Nabote, a oposição de Elias reprime o abuso de poder de Acabe, e nenhum outro abuso é registrado em Reis antes da morte de Acabe. Mais frequentemente do que poderíamos esperar, a oposição com princípios por parte de um pequeno grupo ou mesmo de um único indivíduo pode conter o abuso de poder. Caso contrário, por que os líderes se dariam ao trabalho de esconder seus erros? Qual você estima ser a probabilidade de tomar conhecimento de pelo menos um abuso de poder em sua vida profissional? Como você está se preparando para responder, se o fizer?

A atenção do profeta Eliseu ao trabalho comum (2Reis 2—6)

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À medida que os reis do norte mergulham cada vez mais na apostasia e na tirania, Deus levanta profetas para se opor a eles com mais força do que nunca. Os profetas eram figuras de imenso poder dado por Deus, que surgiam do nada para anunciar a verdade de Deus nos corredores do poder humano. Elias e Eliseu são, de longe, os profetas mais proeminentes nos livros de Reis e Crônicas e, dos dois, Eliseu é especialmente notável pela atenção que presta ao trabalho dos israelitas comuns. Eliseu é chamado a enfrentar os reis rebeldes de Israel durante uma longa jornada (2Rs 2.13—13.20). Suas ações mostram que ele considera a vida econômica do povo tão importante quanto as lutas dinásticas do reino, e ele tenta proteger o povo dos desastres causados ​​pelos reis.

Eliseu restaura o sistema de irrigação de uma cidade (2Reis 2.19-22)

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O primeiro grande ato de Eliseu é limpar o poço poluído da cidade de Jericó. A principal preocupação na passagem é a produtividade agrícola. Sem um poço saudável, “a terra é improdutiva” (2Rs 2.19). Ao restaurar o acesso à água potável, Eliseu possibilita que as pessoas da cidade retomem a missão dada por Deus à humanidade de ser frutífera, se multiplicar e produzir alimentos (Gn 1.28-30).

A restauração da solvência financeira de uma família por Eliseu (2Reis 4.1-7)

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Depois que um dos profetas do círculo de Eliseu morreu, sua família fica endividada. O destino de uma família carente no antigo Israel era tipicamente vender alguns ou todos os seus membros como escravos, onde pelo menos seriam alimentados (veja “Escravidão ou contrato de servidão (Êxodo 21.1-11)” em www.teologiadotrabalho.org). A viúva está prestes a vender seus dois filhos como escravos e implora a ajuda de Eliseu (2Rs 4.1). Eliseu apresenta um plano para que a família se torne economicamente produtiva e se sustente. Ele pergunta à viúva o que ela tem para trabalhar. “Nada”, diz ela, exceto “uma vasilha de azeite” (2Rs 4.2). Aparentemente, esse capital é suficiente para que Eliseu possa começar. Ele diz a ela que fale com todas as suas vizinhas para pedir vasilhas vazias emprestadas e as encher com o óleo da sua vasilha. Ela é capaz de encher todas as vasilhas com azeite antes que sua própria vasilha acabe, e o lucro da venda do azeite é suficiente para pagar as dívidas da família (2Rs 4.9). Em essência, Eliseu cria uma comunidade empreendedora, na qual a mulher é capaz de iniciar um pequeno negócio. Isso é exatamente o que alguns dos métodos mais eficazes de combate à pobreza fazem hoje, seja por meio de microfinanciamento, sociedades de crédito, cooperativas agrícolas ou programas de fornecedores para pequenas empresas, por parte de grandes empresas e governos.

As ações de Eliseu em nome dessa família refletem o amor e a preocupação de Deus pelos necessitados. Como nosso trabalho pode criar oportunidades para que as pessoas em situação de pobreza abram caminho em direção à prosperidade? De que maneiras individual e coletivamente minamos a capacidade produtiva de pessoas e economias pobres, e o que podemos fazer, com a ajuda de Deus, para mudar isso?

A restauração da saúde de um comandante militar por Eliseu (2Reis 5.1-14)

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Quando Eliseu cura a lepra de Naamã, comandante do exército sírio e inimigo de Israel, isso tem efeitos importantes na esfera do trabalho. “Não é pouca coisa que uma pessoa doente fique boa, especialmente um leproso”, como observa Jacques Ellul em seu perspicaz ensaio sobre essa passagem, [1] porque a cura restaura a capacidade de trabalhar. Nesse caso, a cura restaura Naamã ao seu trabalho de governo, aconselhando seu rei sobre como lidar com o rei de Israel. Curiosamente, essa cura de um estrangeiro também leva à restauração da cultura ética na própria organização de Eliseu. Naamã se oferece para recompensar Eliseu generosamente pela cura, mas Eliseu não aceita nada, pois ele considerava simplesmente estar fazendo a vontade do Senhor. No entanto, um membro da comitiva de Eliseu, chamado Geazi, vê uma oportunidade para ter um pequeno ganho extra. Geazi corre atrás de Naamã e diz que Eliseu mudou de ideia — enfim, ele aceitará um pagamento muito significativo. Depois de receber o pagamento, Geazi esconde seu ganho ilícito e mente a Eliseu para encobrir suas ações. Eliseu responde anunciando que Geazi seria atingido pela mesma lepra que havia deixado Naamã. Aparentemente, Eliseu reconhece que tolerar a corrupção em sua organização minará rapidamente todo o bem que uma vida inteira de serviço a Deus já fez.

As próprias ações de Naamã demonstram outro ponto dessa história. Naamã tem um problema — lepra. Ele precisa ser curado. Mas sua noção pré-concebida de como deveria ser a solução — aparentemente esperava algum tipo de encontro dramático com um profeta — o leva a recusar a verdadeira solução (banhar-se no rio Jordão) quando lhe é oferecida. Quando ele ouviu esse remédio simples entregue pelo mensageiro de Eliseu — em vez do próprio Eliseu — Naamã “foi embora dali furioso” (2Rs 5.12). Nem a solução nem a fonte parecem grandiosas o suficiente para que Naamã desse atenção.

No mundo de hoje, esse duplo problema se repete com frequência. Primeiro, um líder sênior não vê a solução proposta por um funcionário de nível inferior porque não está disposto a considerar a perspectiva de alguém que considera não qualificado. Jim Collins, em seu livro Bom a ótimo, identifica que o primeiro sinal do que ele chama de líder do “nível cinco” é a humildade, a disposição de ouvir muitas fontes. [2] Em segundo lugar, a solução não é aceita porque não corresponde à abordagem imaginada pelo líder. Graças a Deus, muitos líderes de hoje, como Naamã, têm subordinados dispostos a correr o risco de falar com eles. Não são apenas necessários chefes humildes nas organizações, mas também subordinados corajosos. Curiosamente, a pessoa que põe todo o episódio em movimento é a pessoa de status mais baixo de todas, uma garota estrangeira que Naamã havia capturado em um ataque e dado à sua esposa como escrava (2Rs 5.13). Este é um lembrete maravilhoso de como a arrogância e as expectativas erradas podem bloquear o discernimento, mas a sabedoria de Deus continua tentando avançar de qualquer maneira.

Eliseu restaura o machado de um lenhador (2Reis 6.1-7)

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Cortando lenha ao longo da margem do rio Jordão, um dos profetas companheiros de Eliseu perde a cabeça de um machado de ferro no rio. Ele havia emprestado o machado de um lenhador. O preço de um item de ferro tão substancial na idade do bronze significaria ruína financeira para o proprietário, e o profeta que o tomou emprestado está perturbado. Eliseu encara a perda econômica como uma questão de preocupação imediata e pessoal e faz com que o ferro flutue na superfície da água, onde pode ser recuperado e devolvido ao seu dono. Mais uma vez, Eliseu intervém para permitir que alguém trabalhe para viver.

O dom de um profeta é discernir os objetivos de Deus na vida cotidiana, bem como trabalhar e agir de acordo. Deus chama os profetas para restaurar a boa criação de Deus, em meio a um mundo caído, de maneiras que apontem para o poder e a glória de Deus. O aspecto teológico do trabalho de um profeta — chamar as pessoas para adorar o Deus verdadeiro — é inevitavelmente acompanhado por um aspecto prático, que restaura o bom funcionamento da ordem criada. O Novo Testamento nos diz que alguns cristãos também são chamados a ser profetas (1Co 12.28; Ef 4.11). Eliseu não é apenas uma figura histórica que demonstra a preocupação de Deus com a obra de seu povo, mas um modelo para os cristãos de hoje.

A marcha do reino do sul em direção ao exílio (1Reis 11.41—2Reis 25.26; 2Crônicas 16—36)

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Seguindo os passos do reino do norte, os governantes do reino do sul logo começaram a cair em idolatria e maldade. Sob o governo de Roboão, eles “construíram para si altares idólatras, colunas sagradas e postes sagrados sobre todos os montes e debaixo de todas as árvores frondosas. Havia no país até prostitutos cultuais; o povo se envolvia em todas as práticas detestáveis das nações” (1Rs 14.23-24). Os sucessores de Roboão oscilaram entre fidelidade e pecado diante de Deus. Por um tempo, Judá teve reis bons o suficiente para evitar o desastre, mas, nos anos finais, o reino caiu para o mesmo estado em que o reino do norte estava. A nação foi conquistada e os reis e as elites foram capturados e deportados pelos babilônios (2Rs 24—25). A falta de fé dos reis que o próprio povo havia exigido centenas de anos antes, contrariando o conselho de Deus, culminou em um colapso financeiro, na destruição da força de trabalho, na fome e no assassinato em massa ou na deportação de grande parte da população. O desastre previsto dura setenta anos, até que o rei Ciro, da Pérsia, autoriza o retorno de alguns judeus para reconstruir o templo e os muros de Jerusalém (2Cr 36.22-23).

Responsabilidade financeira no templo (2Reis 12.1-12)

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Um exemplo da degeneração do reino serve, ironicamente, para trazer à luz um modelo de boas práticas financeiras. Como praticamente todos os líderes do reino, os sacerdotes se tornaram corruptos. Em vez de usar as doações dos fiéis para a manutenção do templo, eles desviavam o dinheiro e o dividiam entre si. Sob a direção de Joás, um dos poucos reis que faziam “o que o Senhor aprova” (2Rs 12.2), os sacerdotes elaboraram um sistema contábil eficaz. Uma caixa com um pequeno orifício na tampa foi instalada no templo para receber as doações. Quando ela ficava cheia, o sumo sacerdote e o secretário do rei abriam a caixa juntos, contavam o dinheiro e contratavam carpinteiros, construtores e pedreiros para fazer os reparos. Isso garantia que o dinheiro fosse usado para seus propósitos adequados.

O mesmo sistema ainda está em uso hoje, por exemplo, quando é contado o dinheiro depositado em caixas eletrônicos. O princípio de que mesmo indivíduos confiáveis ​​devem estar sujeitos a verificação e prestação de contas é a base da boa gestão. Sempre que uma pessoa no poder — especialmente no poder de lidar com as finanças — tenta evitar a verificação, a organização está em perigo. Como Reis inclui esse episódio, sabemos que Deus valoriza o trabalho de caixas de banco, contadores, auditores, reguladores bancários, motoristas de carros blindados, trabalhadores de segurança digital e outros que protegem a integridade das finanças. Também exorta todos os tipos de líderes a exercerem a liderança sendo um exemplo pessoal de responsabilidade pública, convidando outras pessoas a verificar seu trabalho.

Arrogância e o fim dos reinos (2Crônicas 26)

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Como é que rei após rei puderam cair tão facilmente no mal? A história de Uzias pode nos dar algumas dicas. Ele assume o trono aos dezesseis anos e, a princípio, “fez o que o Senhor aprova” (2Cr 26.4). Sua pouca idade prova ser uma vantagem, pois ele reconhece sua necessidade da orientação de Deus. Ele “buscou a Deus durante a vida de Zacarias, que o instruiu no temor de Deus. Enquanto buscou o Senhor, Deus o fez prosperar” (2Cr 26.5).

Curiosamente, muito do sucesso que o Senhor concede a Uzias está relacionado ao trabalho comum. “Construiu torres no deserto e cavou muitas cisternas, pois ele possuía muitos rebanhos na Sefelá e na planície. Ele mantinha trabalhadores em seus campos e em suas vinhas, nas colinas e nas terras férteis, pois gostava da agricultura” (2Cr 26.10). “Em Jerusalém construiu máquinas projetadas por peritos” (2Cr 26.15a).

“Ele foi extraordinariamente ajudado”, diz-nos a Escritura, “e assim tornou-se muito poderoso” (2Cr 26.15b). Então, sua força se torna sua ruína, porque ele passa a servir a si mesmo em vez de servir ao Senhor. “Depois que Uzias se tornou poderoso, o seu orgulho provocou a sua queda. Ele foi infiel ao Senhor, o seu Deus” (2Cr 26.16). Ele tenta usurpar a autoridade religiosa dos sacerdotes, levando a uma revolta no palácio que lhe custa o trono e o transforma num excluído pelo resto de sua vida.

A história de Uzias é preocupante para as pessoas que ocupam posições de liderança hoje. O caráter que leva ao sucesso — especialmente nossa confiança em Deus — é facilmente corroído pelos poderes e privilégios que o sucesso traz. Quantos líderes empresariais, militares e políticos passaram a acreditar que são invencíveis e, assim, perdem a humildade, a disciplina e a atitude de serviço necessárias para permanecerem bem-sucedidos? Quantos de nós, em qualquer nível de sucesso, prestamos mais atenção a nós mesmos e menos a Deus, à medida que nosso poder aumenta, mesmo que modestamente? Uzias até teve o benefício de subordinados que se opunham a ele quando ele errava, embora os ignorasse (2Cr 26.18). O que ou quem você precisa para impedir que se afaste do orgulho e se afaste de Deus, caso seu sucesso aumente?

O desprezo de Ezequias pela próxima geração (2Reis 20)

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O rei Ezequias, de Judá, apresenta outro exemplo da arrogância dos reis. A passagem começa com Ezequias com uma doença mortal. Ele implora a Deus que se recupere, e Deus, pela palavra do profeta Isaías, concede a ele mais quinze anos de vida. Enquanto isso, o vizinho rei da Babilônia ouve falar da doença de Ezequias e envia mensageiros para espionar se a situação em Israel é propícia para a conquista. Quando eles chegam, Ezequias está totalmente recuperado. Talvez a recuperação milagrosa tenha feito que ele se sentisse invencível, porque, em vez de provar sua saúde e despachar rapidamente os espiões, ele decide mostrar a eles as riquezas de seu tesouro. Isso torna Israel um alvo mais tentador do que nunca.

Deus responde a essa ação tola enviando Isaías para profetizar um pouco mais.

Então Isaías disse a Ezequias: “Ouça a palavra do Senhor: ‘Um dia, tudo o que se encontra em seu palácio, bem como tudo o que os seus antepassados acumularam até hoje, será levado para a Babilônia. Nada restará’, diz o Senhor. ‘Alguns dos seus próprios descendentes serão levados, e eles se tornarão eunucos no palácio do rei da Babilônia’”. (2Rs 20.16-18)

Essa passagem pode nos lembrar sobre nosso próprio trabalho. Em tempos de grande sucesso, é fácil ficar orgulhoso e imprudente. Isso pode levar a uma grande destruição, se esquecermos que dependemos da graça de Deus para nosso sucesso.

Ezequias combina seu primeiro erro com um segundo. Isaías acaba de profetizar que, depois que Ezequias se for, seus filhos serão capturados e mutilados, e o reino será destruído. Em vez de se arrepender e implorar a Deus novamente para salvar seu povo, ele não faz nada.

Respondeu Ezequias ao profeta: “Boa é a palavra do Senhor que anunciaste”, pois ele entendeu que durante sua vida haveria paz e segurança. (2Rs 20.19)

Parece que o rei está pensando apenas em si mesmo. Como essa destruição não virá durante sua vida, Ezequias não se importa com isso.

Este episódio nos desafia a pensar em como nossas ações afetam a próxima geração, em vez de pensar apenas em nossa própria vida. Marion Wade, fundador da ServiceMaster, concentrou-se em construir uma empresa duradoura, em vez de garantir seu próprio sucesso. Ele disse,

Eu não estava pedindo sucesso pessoal como indivíduo ou sucesso meramente material como corporação. Não comparo esse tipo de sucesso com o cristianismo. Tudo o que Deus quer é o que eu quero. Mas tentei construir um negócio que durasse mais do que eu no mercado, que testemunhasse sobre Jesus Cristo na maneira como o negócio era conduzido. [1]

Lewis D. Solomon observou que Wade conseguiu estabelecer uma cultura de liderança dirigida por Deus que durou muito depois de seu mandato. Durante esse longo período, a empresa foi altamente bem-sucedida. Com o tempo, no entanto, o controle passou para um CEO que adotou uma abordagem de liderança menos abertamente centrada em Deus, e o desempenho da empresa diminuiu.

A ServiceMaster, uma bem-sucedida corporação de capital aberto, listada entre as 500 maiores pela revista Fortune, cresceu de raízes humildes, liderada primeiro por um líder pregador-administrador e, depois, por uma sucessão de CEOs, que combinaram estilos de liderança pregador-administrador-servo. Mais recentemente, essa empresa em transição, agora liderada por um CEO não evangélico, segue uma abordagem inclusiva e não sectária. Coincidentemente com essa transição, as dificuldades legais da empresa aumentaram e seus resultados financeiros estagnaram. [2]

Autossuficiência no lugar da orientação de Deus (2Crônicas 16—20)

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Mesmo com o declínio da força do reino, os reis continuam convencidos de que estão no controle de sua situação. Confiantes em suas próprias habilidades e confiando em conselheiros humanos, muitas vezes deixam de pedir a orientação de Deus, geralmente com resultados desastrosos.

Em um caso, o rei Acabe, de Israel, está prestes a entrar em batalha. O rei Josafá de Judá o lembra: “Peço-te que busques primeiro o conselho do Senhor” (2Cr 18.4). Acabe consulta os profetas da corte, mas Josafá pergunta se há um profeta genuíno de Deus disponível. Acabe responde: “Ainda há um homem por meio de quem podemos consultar o Senhor, porém eu o odeio, porque nunca profetiza coisas boas a meu respeito, mas sempre coisas ruins. É Micaías, filho de Inlá” (2Cr 18.7). Acabe não quer conselhos do Senhor porque estes não se alinham com suas intenções. Por fim, ele consulta Micaías, que de fato prediz o desastre na batalha; por causa dessa palavra, Acabe o prende e o deixo passar fome (2Cr 18.18-27). Acabe prossegue para a batalha e é morto (2Cr 19.33-34).

Da mesma forma, o rei Asa decide formar uma aliança com o rei da Síria, em vez de confiar na proteção de Deus. Depois disso, ele é desafiado por um vidente que lhe diz: “Por você ter pedido ajuda ao rei da Síria e não ao Senhor, ao seu Deus, o exército do rei da Síria escapou de suas mãos” (2Cr 16.7). Da mesma forma, quando Asa é atingido por uma grave doença nos pés, ele não busca a ajuda do Senhor, mas apenas de médicos (2Cr 16.12), levando à sua morte prematura.

Depois disso, o rei Josafá se lembra de depender da orientação de Deus. Ele instrui seus juízes: “Considerem atentamente aquilo que fazem, pois vocês não estão julgando para o homem, mas para o Senhor, que estará com vocês sempre que derem um veredicto. Agora, que o temor do Senhor esteja sobre vocês. Julguem com cuidado, pois o Senhor, o nosso Deus, não tolera nem injustiça nem parcialidade nem suborno”. (2Cr 19.6-7). Mesmo assim, quando o próprio Josafá enfrenta um vasto exército inimigo em batalha, o profeta Jaaziel precisa lembrá-lo: “Não tenham medo nem fiquem desanimados por causa desse exército enorme. Pois a batalha não é de vocês, mas de Deus” (2Cr 20.15).

Os tipos de trabalho nessas passagens — estratégia militar, medicina e sistema legal — exigem habilidade humana. No entanto, habilidade não é suficiente: a percepção de Deus também é necessária. A maioria dos tipos de trabalho moderno também exige habilidade, e podemos sentir que nossa percepção e treinamento são maiores do que nos tempos antigos. Podemos até pensar que não precisamos — ou não queremos — a orientação de Deus, então confiamos em nossas próprias forças. Deus nos presenteou com sabedoria e discernimento, mas ele quer que busquemos sua face, mesmo que pensemos ter todas as habilidades de que precisamos. Na verdade, as habilidades e o poder modernos tornam maior — não menor — nossa necessidade de confiar em Deus, porque nossa capacidade de causar danos na ausência da orientação de Deus é maior agora do que nunca. Deus nos dá talentos e habilidades por um motivo, e precisamos usá-los em consulta com ele.

A falha de Roboão em distinguir bons conselhos dos maus (2Crônicas 10.1-19)

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Um exemplo do fracasso da liderança de Israel ocorre quando o rei Roboão precisa de conselhos sobre um assunto difícil. Jeroboão e todo o Israel pedem que ele alivie o fardo do trabalho forçado que seu pai, o rei Salomão, havia imposto sobre eles (2Cr 8.8). Em troca, eles prometem a ele que o serviriam (2Cr 10.5). Roboão começa sabiamente ouvindo os anciãos de seu reino, que o aconselham a reduzir o fardo, tal como o povo pede. “Se hoje fores bom para esse povo, se o agradares e lhe deres resposta favorável, eles sempre serão teus servos” (2Cr 10.7). Roboão, aparentemente, não gostou dessa resposta. Então, ele pede a opinião de seus amigos mais jovens. Eles o aconselham a dominar o povo e se gabar: “Meu dedo mínimo é mais grosso do que a cintura do meu pai. Pois bem, meu pai lhes impôs um jugo pesado; eu o tornarei ainda mais pesado. Meu pai os castigou com simples chicotes; eu os castigarei com chicotes pontiagudos” (2Cr 10.10-11). Roboão decide seguir o conselho de seus amigos mais jovens, aparentemente porque isso acaricia seu ego. Ele responde a Jeroboão e ao povo, como sugerem seus jovens amigos, e depois nomeia um novo capataz sobre o trabalho forçado (2Cr 10.18). O povo responde matando o enviado do rei e rebelando-se contra Roboão, que nunca consegue reprimir a rebelião (2Cr 10.19).

Decisões difíceis também fazem parte da liderança hoje, estejamos liderando um reino inteiro ou simplesmente a nós mesmos. Onde você procura conselhos e como faz bom uso dos conselhos? Roboão começou pedindo conselhos a pessoas que ele reconhece como espiritualmente maduras. A idade em si não torna alguém sábio, nem as pessoas devotas são necessariamente mais sábias do que os não crentes. Mas os anciãos que ele consulta demonstraram maturidade espiritual e sabedoria ao longo de muitos anos servindo ao rei Salomão. Um sinal disso é sua capacidade de resposta a novos fatos e situações. Embora tenham sido nomeados por Salomão, eles ouvem Jeroboão com a mente aberta, resultando em seu conselho para derrubar as políticas de Salomão. Em contraste, os amigos mais jovens de Roboão parecem ter apenas uma maneira de chamar sua atenção — eles são seus amigos. É fácil pedir conselhos a pessoas que já pensam como você. Mas você tem acesso a pessoas que são espiritualmente maduras, que podem ouvir com a mente aberta, que não têm medo de lhe dizer algo que você preferiria não ouvir?

Quando nos deparamos com uma decisão difícil, buscar conselho, como Roboão fez, é um grande primeiro passo. O próximo passo é discernir qual conselho aplica a Bíblia corretamente à sua situação e qual conselho apenas confirma suas próprias ideias. Encontrar a diferença requer que você analise cuidadosamente os conselhos, comparando-os com a palavra de Deus e perguntando se eles promoveriam um bem maior. Na situação de Roboão, o bom conselho teria exigido que ele exercesse paciência, bondade, generosidade, mansidão e domínio próprio. Esses são cinco dos nove aspectos do “fruto do Espírito” listados em Gálatas 5.22. Essas não são apenas virtudes que alguém pode obter pela prática e trabalho árduo, mas são dons do Espírito de Deus (Gl 5.25). Se Roboão estivesse disposto a receber o Espírito de Deus, esse bom conselho teria levado à paz para toda a nação (2Cr 10.7). Em contraste, o mau conselho tentou Roboão para que cedesse à própria inveja, à arrogância, à presunção e à maldade, gratificando seu próprio ego. Essas são quatro das coisas que não devem ser praticadas, como se vê em Romanos 1.29-31. Não é coincidência que bons conselhos muitas vezes exijam que você cresça espiritualmente, enquanto maus conselhos levam você a cair em tentação. O melhor conselheiro geralmente é alguém que pode ajudá-lo a entender e aplicar a palavra de Deus e incentivá-lo a tomar sua própria decisão de crescer no Espírito de Deus.

Conclusões de Samuel, Reis e Crônicas

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As questões de governança e liderança afetam toda a vida. Quando nações e organizações são bem governadas, as pessoas têm a oportunidade de prosperar. Quando os líderes falham e deixam de agir pelo bem de suas organizações e comunidades, o desastre ocorre. O sucesso ou fracasso dos reis de Israel e Judá, por sua vez, depende de sua adesão à aliança e às leis de Deus. Com as exceções parciais de Davi, Salomão e alguns outros, os reis optam por adorar falsos deuses, o que os leva a seguir princípios antiéticos e a enriquecer às custas de seu povo. Sua falta de fé leva à destruição final de Israel e de Judá.

Mas a culpa não recai apenas sobre os reis. O povo aceita assumir os riscos da tirania quando exige que o profeta Samuel nomeie um rei para eles. Não confiando em Deus para protegê-los, eles estão dispostos a submeter-se ao governo de um autocrata. “Cada nação tem o governo que merece”, observou Joseph de Maistre. [1] A influência corruptora do poder é um perigo sempre presente, mas nações e organizações devem ser governadas. Os antigos israelitas escolheram um governo forte às custas da corrupção e da tirania, uma tentação muito viva também hoje. Outros povos se recusaram a fazer qualquer um dos sacrifícios — pagar impostos, obedecer às leis, abrir mão de milícias tribais e pessoais — necessários para estabelecer um governo funcional e pagaram o preço com anarquia, caos e autoestrangulamento econômico. Infelizmente, isso continua até os dias atuais em vários países. É necessário um equilíbrio primoroso para produzir uma boa governança, um equilíbrio que está quase além da capacidade humana. Se há uma lição importante que podemos tirar de Samuel, Reis e Crônicas, é que somente nos comprometendo com a graça e a orientação de Deus, sua aliança e seus mandamentos, um povo pode encontrar as virtudes éticas necessárias para um governo bom e duradouro.

Esta lição se aplica não apenas a nações, mas a empresas, escolas, organizações não governamentais, famílias e todos os outros tipos de ambiente de trabalho. A boa governança e a liderança são essenciais para que as pessoas tenham sucesso e prosperem econômica, relacional, pessoal e espiritualmente. Samuel, Reis e Crônicas exploram vários aspectos de liderança e governança entre uma série de obreiros de todos os tipos. Os aspectos específicos incluem os perigos da autoridade e da riqueza herdadas, os perigos de tratar Deus como um amuleto da sorte em nosso trabalho, as oportunidades que surgem para obreiros fiéis, as alegrias e tristezas de ser pais, critérios piedosos para escolher líderes, a necessidade de humildade e colaboração na liderança, o papel essencial da inovação e da criatividade e a necessidade de planejamento de sucessão e desenvolvimento de liderança.

Os livros prestam muita atenção ao manejo de conflitos, mostrando tanto a carreira destrutiva do conflito reprimido quanto o potencial criativo da discordância aberta e respeitosa. Eles mostram a necessidade de diplomatas e conciliadores, formais e informais, e o papel essencial de subordinados com coragem de falar a verdade — respeitosamente — aos que estão no poder, apesar dos riscos para si mesmos. Nesses livros repletos de figuras de autoridade imperfeitas, os poucos líderes inequivocamente bons incluem Abigail, cujas boas habilidades de resolução de conflitos salvaram a vida de sua família e a integridade de Davi, e a escrava anônima da esposa de Naamã, cuja ousadia a serviço da própria pessoa que a escravizou (Naamã) trouxe paz entre nações em guerra.

O líder inequivocamente bom mais proeminente nos livros é Eliseu, o profeta de Deus. De todos os profetas, ele presta mais atenção à liderança na vida cotidiana, no trabalho e em questões econômicas. Ele restaura o sistema de água de uma cidade, capitaliza comunidades econômicas empreendedoras, reconcilia nações por meio de missões médicas (por instigação da escrava mencionada acima), cria uma cultura ética em sua própria organização e melhora a subsistência de viúvas, trabalhadores, comandantes e agricultores. Levar a palavra de Deus à humanidade resulta em boa governança, desenvolvimento econômico e produtividade agrícola.

Lamentavelmente, quando se trata dos próprios reis, há muito mais maus exemplos do que bons exemplos de liderança e governança. Além de lidar mal com os conflitos, como descrito acima, os reis, recrutam trabalhadores, separam famílias, promovem uma classe de elite de funcionários públicos e militares às custas do povo comum, exigem impostos insuportáveis ​​ao povo para sustentar seu estilo de vida luxuoso, assassinam aqueles que estão em seu caminho, confiscam propriedades arbitrariamente, subvertem instituições religiosas e, por fim, levam seus reinos à subjugação e ao exílio. Surpreendentemente, a causa desses males não é o fracasso e a fraqueza por parte dos reis, mas o sucesso e a força. Eles distorcem o sucesso e a força que Deus lhes dá e os transformam em arrogância e tirania; como resultado, abandonam Deus e violam sua aliança e seus mandamentos. O coração sombrio da liderança desastrosa é a adoração de falsos deuses no lugar do Deus verdadeiro. Quando vemos uma liderança ruim hoje — nos outros ou em nós mesmos — uma boa primeira pergunta pode ser: “Que falsos deuses estão sendo adorados nesta situação?”

Assim como a luz brilha mais intensamente na escuridão, os fracassos dos reis destacam alguns episódios de boa liderança. A música e as artes florescem sob o governo de Davi. A construção do templo na época de Salomão é uma maravilha de arquitetura, construção, trabalho artesanal e organização econômica. Os sacerdotes da época de Jeoás desenvolveram um sistema de responsabilidade financeira que ainda é usado hoje. Obadias modela o bem que pessoas fiéis podem realizar em sistemas corruptos e situações adversas.

Obadias é um modelo muito melhor para nós hoje do que Davi, Salomão ou qualquer um dos reis. A principal preocupação dos reis era: “Como posso adquirir e manter o poder?” A de Obadias era: “Como posso servir às pessoas tal como Deus deseja na situação em que me encontro?” Ambas são questões de liderança. Um enfoca os bens necessários para o poder, o outro, o poder necessário para o bem. Oremos para que Deus chame seu povo para posições de poder e que ele traga a cada um de nós o poder necessário para cumprir nosso chamado. Mas, antes e depois de fazermos essas orações, comecemos e terminemos com “seja feita a tua vontade”.