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O trabalhador sábio é confiável (Provérbios)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Wise worker trustworthy

A primeira característica do caminho da sabedoria personificada na Mulher Valente é a confiabilidade. “Seu marido tem plena confiança nela” (Pv 31.11). A confiabilidade é a base da sabedoria e da virtude. Deus criou as pessoas para trabalharem em conjunto (Gn 2.15), e sem confiança isso não é possível. A confiança requer adesão a princípios éticos, começando pela fidelidade em nossos relacionamentos. Quais são as implicações de ser confiável no ambiente de trabalho descritas no livro de Provérbios?

O trabalhador confiável é fiel às suas responsabilidades fiduciárias (Provérbios)

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O primeiro requisito da confiabilidade é que nosso trabalho traga o bem para aqueles que confiam em nós. A Mulher Valente trabalha não apenas para si mesma, mas também para o benefício daqueles que estão a seu redor. Seu trabalho beneficia seus clientes (Pv 31.14), sua comunidade (Pv 31.20), sua família imediata (Pv 31.12,28) e seus colaboradores (Pv 31.15). Na economia do Antigo Oriente Próximo, todas essas esferas de responsabilidade se reúnem em uma entidade econômica chamada “a família”. Como em grande parte do mundo de hoje, a maioria das pessoas trabalhava no mesmo lugar em que vivia. Alguns membros da família trabalhavam como cozinheiros, faxineiros, cuidadores ou artesãos de tecidos, metais, madeira e pedra em cômodos da própria casa. Outros trabalhavam nos campos próximos do lado de fora, como agricultores, pastores ou operários. A “família” refere-se a todo o complexo de empreendimentos produtivos, bem como à família extensa, incluindo trabalhadores empregados e, talvez, escravos que ali trabalhavam e viviam. Como gerente de uma casa, a Mulher Valente é muito parecida com uma empresária moderna ou uma executiva sênior. Quando ela “cuida dos negócios de sua casa” (Pv 31.27), ela está cumprindo um dever fiduciário de confiança para com todos aqueles que dependem de sua empresa.

Isso não significa que não podemos trabalhar para nosso próprio benefício também. O dever da Mulher Valente para com sua família é correspondido por seu dever para com ela. É apropriado que ela receba uma parte do lucro da família para seu próprio uso. A passagem instrui seus filhos, seu marido e toda a comunidade a honrá-la e louvá-la. “Seus filhos se levantam e a elogiam; seu marido também a elogia... Que ela receba a recompensa merecida, e as suas obras sejam elogiadas à porta da cidade” (Pv 31.28,31).

Nosso dever fiduciário exige que não façamos mal a nossos empregadores na busca de atender às nossas próprias necessidades. Podemos discutir com eles ou lutar contra o tratamento que eles nos dão, mas não podemos lhes fazer mal. Por exemplo, não podemos roubar (Pv 29.24), vandalizar (Pv 18.9) ou caluniar (Pv 10.18) nossos empregadores, a fim de expor nossas queixas. Algumas aplicações disso são óbvias. Não podemos cobrar de um cliente por horas em que não trabalhamos. Não podemos destruir a propriedade de nossos empregadores ou acusá-los falsamente. A reflexão sobre esse princípio pode nos levar a implicações e perguntas mais profundas. É legítimo causar danos à produtividade ou à harmonia da organização, deixando de ajudar nossos rivais internos? O acesso a benefícios pessoais — viagens, prêmios, gratuidades e similares — está nos levando a direcionar os negócios para determinados fornecedores em detrimento dos melhores interesses de nosso empregador? O dever mútuo que empregados e empregadores devem uns aos outros é um assunto sério.

O mesmo dever se aplica às organizações quando elas têm um dever fiduciário para com outras organizações. É legítimo que uma empresa negocie com seus clientes para obter um preço mais alto. Mas não é legítimo lucrar tirando vantagem secreta de um cliente, como vários bancos de investimento fizeram quando instruíram seus representantes a recomendar um certo seguro hipotecário aos clientes como sendo um investimento sólido, enquanto, ao mesmo tempo, vendiam tais seguros na expectativa de que seu valor caísse. [1]

O temor do Senhor é a pedra de toque da responsabilidade fiduciária. “Não seja sábio aos seus próprios olhos; tema o Senhor e evite o mal” (Pv 3.7). Todas as pessoas são tentadas a servir a si mesmas às custas dos outros. Essa é a consequência da queda em pecado. No entanto, esse provérbio nos diz que o temor do Senhor — lembrar sua bondade para conosco, sua providência sobre todas as coisas e sua justiça quando prejudicamos os outros — nos ajuda a cumprir nosso dever para com os outros.

O trabalhador confiável é honesto (Provérbios)

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A honestidade é outro aspecto essencial da confiabilidade. Isso é tão importante, que um provérbio iguala a verdade à própria sabedoria. “Compre a verdade e não a venda; compre a sabedoria, a instrução e o entendimento” (Pv 23.23, NAA). A honestidade consiste tanto em dizer a verdade como em praticar a verdade.

Palavras honestas

O capítulo 6 contém uma lista bem conhecida de sete coisas que Deus odeia. Duas das sete são formas de desonestidade: “língua mentirosa” e “testemunha falsa que espalha mentiras” (Pv 6.16-19). Em todo o livro de Provérbios, a importância de dizer a verdade é uma ênfase constante.

Ouçam, pois tenho coisas importantes para dizer; os meus lábios falarão do que é certo. Minha boca fala a verdade, pois a maldade causa repulsa aos meus lábios. (Pv 8.6-7)
A testemunha que fala a verdade salva vidas, mas a testemunha falsa é enganosa. (Pv 14.25)
A fortuna obtida com língua mentirosa é ilusão fugidia e armadilha mortal. (Pv 21.6)
A testemunha falsa não ficará sem castigo, e aquele que despeja mentiras não sairá livre. (Pv 19.5)
Não testemunhe sem motivo contra o seu próximo nem use os seus lábios para enganá-lo. (Pv 24.28)
Quem esconde o ódio tem lábios mentirosos, e quem espalha calúnia é tolo. Quando são muitas as palavras, o pecado está presente, mas quem controla a língua é sensato. (Pv 10.18-19)
A testemunha fiel dá testemunho honesto, mas a testemunha falsa conta mentiras. Há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura. Os lábios que dizem a verdade permanecem para sempre, mas a língua mentirosa dura apenas um instante. O engano está no coração dos que maquinam o mal, mas a alegria está entre os que promovem a paz. (Pv 12.17-20)
O Senhor odeia os lábios mentirosos, mas se deleita com os que falam a verdade. (Pv 12.22)
Como um pedaço de pau, uma espada ou uma flecha aguda é o que dá falso testemunho contra o seu próximo. (Pv 25.18)
Quem odeia disfarça as suas intenções com os lábios, mas no coração abriga a falsidade. Embora a sua conversa seja mansa, não acredite nele, pois o seu coração está cheio de maldade. (Pv 26.24-25)

Embora a Bíblia tolere a mentira e o engano em circunstâncias excepcionais (por exemplo: o caso da prostituta Raabe, em Josué 2.1; as mentiras das parteiras hebreias ao faraó, em Êxodo 1.15-20; a mentira de Davi ao sacerdote, em 1Sm 21.1-3), Provérbios não permite que a mentira ou o engano tenham um papel na vida e no trabalho diários. A questão não é apenas que mentir é errado, mas também que dizer a verdade é essencial. Evitamos mentir, não apenas porque haja uma regra contra isso, mas porque, em nosso temor a Deus, amamos a verdade.

Mentir é destrutivo e leva, em última análise, à punição e à morte. [1] Somos advertidos não apenas a evitar o engano, mas a ter cuidado com os enganadores ao nosso redor. Não devemos nos permitir ser enganados por suas mentiras. Mesmo aqui, reconhecemos que nós mesmos podemos estar propensos a acreditar nas mentiras que ouvimos. Como a fofoca (que geralmente é uma mentira envolta em uma aura de verdade), encontramos uma mentira nos atraindo para o círculo daqueles que parecem saber das coisas e gostamos disso. Ou descobrimos que, em nossa própria perversidade, queremos acreditar na mentira. Mas os provérbios nos advertem vigorosamente para nos afastarmos daqueles que mentem. Um ambiente de trabalho onde apenas a verdade é dita (em amor, veja Ef 4.15) é utópico, mas Deus nos chama para estar entre aqueles que evitam a língua mentirosa.

Cerca de metade desses provérbios proíbem o falso testemunho em particular, ecoando o nono mandamento (Êx 20.16). Se enganar os outros em geral é algo ímpio, então falsificar um relato das ações de outra pessoa é um crime que “não ficará sem castigo” (Pv 19.5). Um falso testemunho é um ataque direto a uma pessoa inocente. No entanto, pode ser a forma mais comum de mentira no ambiente de trabalho, perdendo apenas, talvez, para a propaganda enganosa. Enquanto a propaganda enganosa é, pelo menos, direcionada contra pessoas de fora (clientes) que sabem ser cautelosas com os discursos de vendas e geralmente têm outras fontes de informação, um falso testemunho geralmente é um ataque a um colega de trabalho e provavelmente será aceito sem questionamentos dentro da empresa. Isso ocorre quando tentamos transferir a culpa ou o crédito ao distorcer os papéis e as ações dos outros. Ela prejudica não apenas aqueles cujas ações relatamos incorretamente, mas toda a organização, pois uma organização que não consegue entender com precisão as razões de seus sucessos e fracassos atuais não será capaz de fazer as mudanças necessárias para melhorar e se adaptar. É como atirar em alguém em um submarino. Não apenas acerta a vítima, mas também afunda o submarino e afoga toda a tripulação.

Para uma discussão mais completa sobre honestidade na Bíblia, veja o artigo Verdade e engano em www.teologiadotrabalho.org.

Ações honestas

Não apenas palavras, mas também ações podem ser verdadeiras ou falsas. “Os justos odeiam o que é falso, mas os ímpios trazem vergonha e desgraça” (Pv 13.5, ênfase adicionada). A forma mais proeminente de ação desonesta nos provérbios é o uso de pesos e medidas falsos. “Balanças e pesos honestos vêm do Senhor; todos os pesos da bolsa são feitos por ele” (Pv 16.11). Por outro lado, “o Senhor repudia balanças desonestas, mas os pesos exatos lhe dão prazer” (Pv 11.1). “O Senhor detesta pesos adulterados, e balanças falsificadas não o agradam” (Pv 20.23). Pesos e medidas falsos se referem a fraudar um cliente sobre o produto que está sendo vendido. Rotular incorretamente um produto, reduzir a qualidade prometida e deturpar a fonte ou a origem — além de falsificar descaradamente a quantidade — são exemplos desse tipo de desonestidade. Tais práticas são uma abominação para Deus.

Existem razões práticas para agir com honestidade. No curto prazo, atos desonestos podem produzir uma renda maior, mas, no longo prazo, clientes ou consumidores vão entender a situação e procurar outro fornecedor. No entanto, em última análise, é o temor de Deus que nos encurrala, mesmo quando pensamos que poderíamos nos livrar da desonestidade em termos humanos. “Pesos adulterados e medidas falsificadas são coisas que o Senhor detesta” (Pv 20.10).

Além de pesos e medidas falsos, existem outras maneiras de ser desonesto no ambiente de trabalho. Um exemplo do Antigo Testamento diz respeito à propriedade da terra, que era certificada com marcadores de fronteira. Uma pessoa desonesta poderia mudar furtivamente esses marcos de fronteira para aumentar suas propriedades às custas de seu próximo. Os provérbios condenam atos desonestos como esse. “Não mude de lugar os antigos marcos de propriedade, nem invada as terras dos órfãos, pois aquele que defende os direitos deles é forte. Ele lutará contra você para defendê-los” (Pv 23.10-11). Os provérbios não enumeram todo tipo de ato desonesto que poderia ser cometido no antigo Israel, muito menos em nosso mundo de hoje. Mas eles estabelecem o princípio de que atos desonestos são tão repugnantes ao Senhor quanto palavras desonestas.

Como se manifesta a honestidade — tanto em palavras quanto em ações — no ambiente de trabalho de hoje? Se lembrarmos que a honestidade é um aspecto da confiabilidade, o critério de honestidade deveria ser o seguinte: “As pessoas podem confiar no que eu digo e faço?”, e não: “Isso é tecnicamente verdade?” Existem maneiras de quebrar a confiança sem cometer fraude total. Os contratos podem ser alterados ou ofuscados para dar vantagem injusta à parte com os advogados mais sofisticados. Os produtos podem ser descritos em termos enganosos, como quando um rótulo de alimento promete que “aumenta a energia”, mas em não significa nada além de “contém mais calorias”. No final, de acordo com os provérbios, Deus defenderá a causa daqueles que foram enganados e não tolerará essas práticas (Pv 23.11). Enquanto isso, trabalhadores sábios — isto é, piedosos — evitarão tais práticas.

Os provérbios voltam repetidas vezes ao tema da honestidade. “A integridade dos justos os guia, mas a falsidade dos infiéis os destrói” (Pv 11.3). “Saborosa é a comida que se obtém com mentiras, mas depois dá areia na boca” (Pv 20.17). Um provérbio divertido aponta outra forma de engano: “‘Não vale isso! Não vale isso!’, diz o comprador, mas, quando se vai, gaba-se do bom negócio” (Pv 20.14). Falar mal deliberadamente de um produto que queremos, a fim de reduzir o preço, e depois se vangloriar de nossa “pechincha” também é uma forma de desonestidade. No campo da barganha entre compradores e vendedores experientes, essa prática pode ser mais um entretenimento do que um abuso. Mas, em seu disfarce moderno de spin doctoring — como quando um candidato político tenta convencer um grupo de eleitores dizendo que está do lado deles, ao mesmo tempo em que tenta convencer os eleitores do grupo oposto que de que lhes é favorável —, isso revela a fraude por trás da deturpação intencional da realidade.