Visão de Deus sobre nosso trabalho (Isaías)
Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do TrabalhoSete temas principais que tocam nosso trabalho emergem dos escritos de Isaías: (1) há uma conexão integral entre nossa adoração e nossa vida profissional; (2) o orgulho arrogante e a autossuficiência em nosso trabalho nos derrubarão; (3) Deus despreza a riqueza que é adquirida explorando pessoas pobres e marginalizadas; (4) Deus deseja que, ao confiarmos nele, possamos viver em paz e prosperidade; (5) Deus, nosso criador, é a fonte de tudo; (6) em Isaías, vemos um poderoso exemplo do Servo de Deus em ação; e, finalmente, (7) o trabalho de hoje encontra seu significado maior na Nova Criação.
Esses temas são discutidos na ordem em que aparecem pela primeira vez no livro de Isaías. Um índice de todas as passagens discutidas, listadas em ordem de capítulos e versículos, é fornecido ao final do artigo.
Adoração e trabalho (Isaías 1ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceIsaías começa insistindo que os rituais religiosos causam náuseas a Deus quando acompanhados de uma vida pecaminosa:
“Para que me oferecem tantos sacrifícios?”, pergunta o Senhor. “Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos. Não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! ... Quem pediu que pusessem os pés em meus átrios? Parem de trazer ofertas inúteis! O incenso de vocês é repugnante para mim... Esconderei de vocês os meus olhos; mesmo que multipliquem as suas orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue! Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva.” (Is 1.11-17)
Mais tarde, ele repete a queixa de Deus. “Esse povo se aproxima de mim com a boca e me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. A adoração que me prestam é feita só de regras ensinadas por homens” (Is 29.13). A catástrofe que se abate sobre a nação é resultado direto de sua opressão sobre os trabalhadores e da falta de provisão para aqueles em necessidade econômica.
“Anuncie ao meu povo a rebelião dele e à comunidade de Jacó, os seus pecados. Pois dia a dia me procuram; parecem desejosos de conhecer os meus caminhos, como se fossem uma nação que faz o que é direito e que não abandonou os mandamentos do seu Deus. Pedem-me decisões justas e parecem desejosos de que Deus se aproxime deles. ‘Por que jejuamos’, dizem, ‘e não o viste? Por que nos humilhamos, e não reparaste?’ Contudo, no dia do seu jejum vocês fazem o que é do agrado de vocês e exploram os seus empregados. Seu jejum termina em discussão e rixa e em brigas de socos brutais... O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda.” (Is 58.1-8)
Em nosso mundo de hoje, em que nosso trabalho diário parece desconectado de nossa adoração no fim de semana, Deus diz: “Não, se você conhece minha Lei e me ama, não maltratará os trabalhadores no ambiente de trabalho”. Isaías sabia, por experiência própria, que uma visão genuína de Deus muda nossa vida, incluindo a maneira como vivemos como cristãos no ambiente de trabalho.
Como isso funciona? Repetidamente, Isaías nos dá uma visão de Deus, alto e sublime acima de todos os deuses:
“O Senhor dos Exércitos é que vocês devem considerar santo, a ele é que vocês devem temer, dele é que vocês devem ter pavor. Para os dois reinos de Israel ele será um santuário”. (Is 8.13-14)
O poder e a força inigualáveis de Deus são temperados por sua compaixão por seu povo: “Por que você reclama, ó Jacó, e por que se queixa, ó Israel: ‘O Senhor não se interessa pela minha situação; o meu Deus não considera a minha causa’? Será que você não sabe? Nunca ouviu falar? O Senhor é o Deus eterno, o Criador de toda a terra. Ele não se cansa nem fica exausto; sua sabedoria é insondável. Ele fortalece o cansado e dá grande vigor ao que está sem forças”. (Is 40.27-29)
“Desde os dias mais antigos eu o sou. Não há quem possa livrar alguém de minha mão. Agindo eu, quem o pode desfazer?” (Is 43.13)
“Eu sou o primeiro e eu sou o último; além de mim não há Deus. Quem então é como eu? Que ele o anuncie, que ele declare e exponha diante de mim o que aconteceu desde que estabeleci meu antigo povo e o que ainda está para vir; que todos eles predigam as coisas futuras e o que irá acontecer”. (Is 44.6-7)
“Escute-me, ó Jacó... Eu sou sempre o mesmo; eu sou o primeiro e eu sou o último. Minha própria mão lançou os alicerces da terra, e a minha mão direita estendeu os céus”. (Is 48.12-14)
Podemos tremer diante do poder e da força de Deus, mas somos atraídos por sua compaixão por nós. Em resposta, nós o adoramos, vivendo nossa vida 24 horas por dia, à luz do desejo de Deus de que reflitamos sua preocupação com a justiça e a retidão. Nosso trabalho e nossa adoração estão unidos por nossa visão do Santo. Nossa compreensão de quem Deus é mudará a maneira como trabalhamos, como nos divertimos e como vemos e tratamos as pessoas que poderiam se beneficiar de nosso trabalho.
A conexão integral de nosso trabalho e a aplicação prática de nossa adoração também aparecem nas histórias de dois reis que o profeta usou para destacar a importância de confiar em Deus no ambiente de trabalho. Tanto Acaz quanto Ezequias tinham responsabilidades de liderança em Judá como monarcas. Ambos enfrentaram inimigos terríveis, empenhados em destruir sua nação e a cidade de Jerusalém. Ambos tiveram a oportunidade de crer na palavra de Deus anunciada por meio do profeta Isaías, dizendo que Deus não permitiria que a nação caísse nas mãos do inimigo. De fato, a palavra de Deus a Acaz era que aquilo que o aterrorizado rei mais temia não viria a acontecer, mas “se vocês não ficarem firmes na fé, com certeza não resistirão” (Is 7.9). Acaz recusou-se a confiar em Deus para libertação, voltando-se para uma aliança imprudente com a Assíria.
Uma geração depois, Ezequias enfrentou um inimigo ainda mais formidável, e Isaías assegurou-lhe que Deus não permitiria que a cidade caísse nas mãos dos exércitos de Senaqueribe. Ezequias escolheu crer em Deus: “Então o anjo do Senhor saiu e matou cento e oitenta e cinco mil homens no acampamento assírio. Quando o povo se levantou na manhã seguinte, só havia cadáveres! Assim, Senaqueribe, rei da Assíria, fugiu do acampamento, voltou para Nínive e lá ficou” (Is 37.36-37a).
Nessas duas histórias, Isaías destaca para nós o contraste entre a fé em Deus (a base de nossa adoração) e o medo daqueles que nos ameaçam. O ambiente de trabalho é um local onde enfrentamos a escolha entre fé e medo. Onde está nosso Senhor quando estamos trabalhando? Ele é Emanuel, “Deus conosco” (Is 7.14), mesmo no ambiente de trabalho. O que acreditamos sobre o caráter de Deus determinará se “ficaremos firmes na fé” ou se seremos vencidos pelo medo daqueles que podem ter o poder de nos fazer mal. Adoração ou trabalho que não emana de uma visão verdadeira de quem Deus é e do que Deus prometeu não é adoração ou trabalho verdadeiro.
Orgulho arrogante e autossuficiência (Isaías 2ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceNos escritos de Isaías, o orgulho arrogante e a autossuficiência estão particularmente relacionados à negação da autoridade e majestade de Deus em todas as esferas. Substituímos a singularidade de Deus pela confiança na engenhosidade humana ou em deuses estrangeiros. Isaías abordou diretamente essa questão no início do livro: “Os olhos do arrogante serão humilhados e o orgulho dos homens será abatido; somente o Senhor será exaltado naquele dia” (Is 2.11).
O orgulho da nação é exibido em três coisas: riqueza, poderio militar e idolatria. A combinação desses três fatores cria uma tríade perniciosa que afasta o povo de uma humilde confiança em Deus. Em vez disso, eles confiam no trabalho de suas mãos — ídolos, bem como riqueza e poderio militar.
Isaías descreve a riqueza do povo em prata e ouro: “seus tesouros são incontáveis” (Is 2.7). Ele faz a mesma declaração sobre suas proezas militares e os ídolos: aparentemente não há fim para o qual o povo não vá. O profeta ridiculariza os ídolos, criados por suas próprias mãos e depois adorados como deuses (Is 44.10-20). Deus abomina o orgulho e a autossuficiência humanos. A riqueza acumulada ou a busca de riqueza que pressiona a majestade de Deus para as margens de nossa vida cotidiana é uma ofensa a Deus: “Parem de confiar no homem, cuja vida não passa de um sopro em suas narinas. Que valor ele tem?” (Is 2.22). No capítulo 39, o rei Ezequias está sob o julgamento de Deus porque assumiu a responsabilidade de mostrar o tesouro do templo aos emissários da distante Babilônia. Em vez de tentar impressionar um adversário com as riquezas do reino, o rei deveria estar se humilhando diante de Deus.
Deus julga a exploração e a marginalização (Isaías 3ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceUma acusação recorrente em todo o livro de Isaías é que os líderes foram infiéis à aliança de Deus porque buscavam riqueza e status às custas dos marginalizados e pobres. Em Isaías 3.3-15 Deus pronunciou julgamento sobre os anciãos e os líderes do povo de Deus por expandirem sua própria riqueza, saqueando e destruindo a face dos pobres. Williamson observou que “isto [a situação descrita em Is 3.14] é geralmente associado ao desenvolvimento, durante esse período, de uma estrutura de classes pela qual a riqueza e, portanto, o poder, passaram a ser cada vez mais concentradas nas mãos de uma minoria privilegiada, em detrimento dos pequenos proprietários e similares. A necessidade de empréstimos, com os consequentes perigos da escravidão..., a execução hipotecária e, em última análise, a escravidão por dívida, foram os meios pelos quais isso poderia ser buscado legalmente, mas, na opinião dos profetas, injustamente”. [1] Da mesma forma, na Canção da Vinha, em Isaías 5, o primeiro de vários “ais” pronunciados contra o povo de Judá estava precisamente relacionado à exploração dos pobres para acumular sua própria riqueza: “Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!” (Is 5.8). [2]
Como povo de Deus, eles foram chamados a ser diferentes das culturas concorrentes ao redor. A exploração dos pobres para o avanço da elite social era uma violação das reivindicações da aliança de Deus para que seu povo fosse seu povo. Esse padrão pode ser visto no início da história de Israel, no reinado do rei Acabe, por meio de sua esposa estrangeira, Jezabel, que roubou a vinha de um fazendeiro chamado Nabote depois de matá-lo. O profeta Elias ficou furioso, declarando: “Os cães devorarão Jezabel junto ao muro de Jezreel” (1Rs 21.23). Quando Isaías viu esse padrão continuar em Judá, ele prescreveu o antídoto para essa ambição egoísta à custa dos pobres e marginalizados: a verdadeira realeza virá na era messiânica, quando “com retidão [o Messias de Deus] julgará os necessitados, com justiça tomará decisões em favor dos pobres” (Is 11.4).
Embora Isaías se concentrasse nos pecados do povo de Deus em Judá, ele incluiu o julgamento de Deus sobre as nações: “Esse é o plano estabelecido para toda a terra; essa é a mão estendida sobre todas as nações” (Is 14.26). A Babilônia seria derrubada (Is 13.9-11); dentro de três anos, a glória de Moabe terminaria (Is 15); A Síria cairia (Is 17.7-8), assim como a Etiópia (Is 18), o Egito (Is 19.11-13) e Tiro (Is 23.17). Deus derrubaria o rei da Assíria por seu coração arrogante e aparência altiva (Is 10.12). “A terra está contaminada pelos seus habitantes, porque desobedeceram às leis... Por isso os habitantes da terra são consumidos pelo fogo ao ponto de sobrarem pouquíssimos” (Is 24.5-6).
A preocupação de Deus com a justiça e a retidão o leva hoje a julgar nações, corporações e indivíduos que fraudam e enganam os outros para ganho pessoal. Em nossos dias, assistimos à exploração de nações inteiras por seus próprios líderes, como em Mianmar; ao desastre causado pela negligência de corporações estrangeiras, como no desastre de Bhopal, na Índia; e à fraude de investidores por indivíduos como Bernie Madoff. De forma igualmente significativa, vemos — e nos envolvemos em — injustiças aparentemente menores, como remuneração injusta, cargas de trabalho excessivas, termos e condições contratuais opressivas, “cola” nas provas; e ignoramos quando o abuso ocorre em casa, no trabalho, na igreja e no exterior e nas ruas. Deus, em última análise, julgará aqueles que ganham riqueza ou preservam seus empregos ou privilégios explorando os pobres e marginalizados.
Paz e prosperidade (Isaías 9ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceEm contraste com o orgulho arrogante e a autossuficiência que nos derrubarão ou a exploração dos pobres para obter riqueza, um quarto tema em Isaías é que, ao depositarmos nossa confiança no único Deus verdadeiro, viveremos em paz e prosperidade. O povo de Deus se alegra no tempo da colheita (Is 9.3). Pelo poder do espírito de Deus, as pessoas habitarão em paz, segurança e no prazer de seu trabalho (Is 32.15): “Como vocês serão felizes semeando perto das águas e deixando soltos os bois e os jumentos!” (Is 32.20).
Da mesma forma, uma das promessas que se seguiram à confiança de Ezequias de que Deus o livraria do general assírio Senaqueribe foi que o povo poderia ter proveito do fruto de seu próprio trabalho: “Neste ano vocês comerão do que crescer por si e, no próximo, o que daquilo brotar. Mas no terceiro ano semeiem e colham, plantem vinhas e comam o seu fruto” (Is 37.30). Por causa do estresse da invasão iminente de Senaqueribe, a terra estava adormecida. Deus prometeu comida, mesmo que não fosse cultivada. Mas, para um povo desfrutar do fruto da videira, são necessários anos de paz para realizar um cultivo adequado. Condições pacíficas são uma bênção de Deus. O trabalho bem-sucedido de Judá no campo e na vinha serviu como um sinal contínuo do amor da aliança de Deus. [1]
Na visão da nova Sião, uma das promessas de Deus se relacionava ao desfrute por parte do povo de sua própria comida e de seu próprio vinho, pelos quais eles trabalharam (Is 62.8-9). Da mesma forma, na representação dos novos céus e da nova terra, onde as coisas anteriores serão esquecidas na nova criação, o povo de Deus não será mais oprimido, mas construirá suas próprias casas, beberá seu próprio vinho e comerá sua própria comida (Is 65.21-22).
No Antigo Testamento, a agricultura era a principal ocupação da maioria do povo. Assim, muitos exemplos na Bíblia são extraídos da vida e das expectativas agrárias. Mas o princípio mais amplo é que Deus nos chama, independentemente de nossa vocação, a confiar nele em nosso trabalho, bem como nos aspectos aparentemente mais religiosos de nossa vida.
Deus aprecia os papéis criativos que seu povo desempenha, enquanto se esforça para se destacar no que faz sob a aliança de Deus. “Plantarão vinhas e comerão do seu fruto” (Is 65.21). Os problemas surgem quando tentamos derrubar a distinção Criador/criatura, substituindo os valores e a provisão de Deus por nossos próprios valores e ambição desenfreada. Isso acontece quando compartimentamos nosso trabalho como um assunto secular que parece não ter nada a ver com o Reino de Deus. É claro que, em um mundo caído, viver fielmente nem sempre resulta em prosperidade. Mas o trabalho feito à parte da fé pode levar a resultados ainda piores do que a pobreza material. Os primeiros capítulos da profecia de Isaías testemunham que Judá descobriu exatamente isso.
Deus: a fonte da vida, do conhecimento e da sabedoria (Isaías 28ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceMais do que qualquer outro profeta que escreveu, Isaías nos leva repetidamente a uma visão de Deus que, uma vez compreendida, nos fará curvar em humilde adoração. Deus é a fonte de tudo o que somos, tudo o que temos e tudo o que sabemos. Trezentos anos antes, Salomão havia lapidado esta verdade: “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento” (Pv 1.7) e “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9.10). Agora, Isaías nos mostra o Deus que é a fonte desse conhecimento e sabedoria, e por que nossa compreensão de quem Deus é tem importância em nossa vida e trabalho.
Deus nos deu nosso próprio ser: “Vocês, a quem tenho sustentado desde que foram concebidos, e que tenho carregado desde o seu nascimento. Mesmo na sua velhice, quando tiverem cabelos brancos, sou eu aquele, aquele que os susterá. Eu os fiz e eu os levarei; eu os sustentarei e eu os salvarei” (Is 46.3-4).
Deus nos deu conhecimento e entendimento: “Eu sou o Senhor, o seu Deus, que ensina o que é melhor para você, que o dirige no caminho em que você deve ir” (Is 48.17). O Deus que nos criou e nos deu entendimento é a única fonte de tal conhecimento:
Quem mediu as águas na concha da mão, ou com o palmo definiu os limites dos céus? Quem jamais calculou o peso da terra, ou pesou os montes na balança e as colinas nos seus pratos? ... Para ele as ilhas não passam de um grão de areia. Nem as florestas do Líbano seriam suficientes para o fogo do altar, nem os animais de lá bastariam para o holocausto. Diante dele todas as nações são como nada; para ele são sem valor e menos que nada. Com quem vocês compararão Deus? Como poderão representá-lo? (Is 40.12-18).
Uma vez que reconhecemos Deus como a fonte de nossa vida, de nosso conhecimento e de nossa sabedoria, isso nos dá uma nova perspectiva sobre nosso trabalho. O próprio fato de termos o conhecimento ou a habilidade para fazer o trabalho que fazemos nos leva de volta à nossa fonte, Deus, que nos criou com as habilidades e os interesses que se juntam em nossa vida. Viver no “temor” (a consciência cheia de reverência) do Senhor é o ponto de partida para o conhecimento e a sabedoria. Reconhecer isso também nos permite aprender com outros a quem Deus concedeu conhecimento ou habilidade complementar. O trabalho criativo em equipe é possível quando respeitamos a obra de Deus nos outros e em nós mesmos.
Quando experimentamos Deus trabalhando em nós, nosso trabalho se torna frutífero. “O seu Deus o instrui e lhe ensina o caminho” (Is 28.26). O profeta fala aqui do lavrador, mas também poderíamos dizer que “o artesão sabe exatamente o que fazer, pois Deus lhe deu entendimento”. Ou “o empresário sabe exatamente o que fazer, pois Deus deu entendimento a essa pessoa”. De maneiras misteriosas, nos tornamos cocriadores com Deus em nosso trabalho, como instrumentos nas mãos de Deus para propósitos mais profundos do que imaginamos.
Servo em ação (Isaías 40ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceEnquanto retidão em Isaías 1—39 (frequentemente associada à justiça, mishpat) é um termo usado para revelar as falhas e a infidelidade de Judá, a retidão em Isaías 40—55 é entendida principalmente como um dom de Deus que ele realiza em nome de seu povo. [1] O próprio Isaías serve como o principal exemplo do servo de Deus que traz esse dom de Deus.
Justiça ou juízo se estabelece em Isaías 40—55 pelo enigmático “servo” que aparece nessa parte do testemunho de Isaías. Isaías 42.1-4, o primeiro dos chamados “cânticos do servo”, fala do servo como alguém que estabelece a justiça na terra. Aqui, na figura do servo, Deus responde ao clamor de Judá por justiça em Isaías 40.27: “O Senhor não se interessa pela minha situação; o meu Deus não considera a minha causa (mishpat)”. A iniciativa divina do próprio Deus é agora promulgada para realizar por seu povo o que eles não poderiam realizar por si mesmos. O meio pelo qual Deus realizará a salvação, tanto para Israel quanto para as nações, está nessa figura em desenvolvimento da vida do servo de Deus. Retidão e justiça são realizadas pelo servo.
A identidade narrativa do servo se desenvolve ao longo desses capítulos, do próprio Israel, nos capítulos 40—48, para uma figura individual que assume sobre seus ombros a identidade missional de Israel, tanto para si mesma quanto para as nações, nos capítulos 49—53.
Ele me disse: “Você é meu servo,
Israel, em quem mostrarei o meu esplendor”. (Is 49.3)
A razão para essa mudança do Israel nacional para uma figura que é o Israel encarnado (ou um Israel idealizado) é o fracasso de Israel em cumprir sua missão por causa de seu pecado. [2] O que se observa nessa figura do servo é o meio único pelo qual Deus comunica sua presença graciosa e intenções restauradoras ao seu povo rebelde. É pela figura do servo que a justiça (agora entendida como fidelidade à aliança com seu povo) é oferecida a eles como um dom, com base na própria liberdade de Deus e no compromisso soberano com suas promessas. A justiça é algo a ser recebido, não alcançado. [3]
Isso leva a perguntar sobre nossos próprios papéis. Como membros de um povo que está sendo redimido pela graça de Deus, podemos ser vasos dessa graça para o benefício daqueles ao nosso redor. Às vezes, temos a oportunidade de tornar nossos ambientes de trabalho mais justos, mais compassivos e mais orientados a tornar o mundo um lugar melhor. Ao fazer isso, nós mesmos podemos desempenhar a missão do servo de pequenas maneiras.
Por outro lado, em outros momentos, é difícil fazer nosso trabalho como Deus deseja. Indivíduos ou sistemas em nosso ambiente de trabalho podem resistir à maneira como Deus está nos guiando. Nossos próprios pecados e falhas podem causar um curto-circuito em qualquer bem que possamos ter realizado. Mesmo nossos melhores esforços podem parecer não fazer muita diferença.
Nesses casos, Isaías tem uma palavra de segurança para nós.
Mas eu disse: Tenho me afadigado sem qualquer propósito;
tenho gastado minha força em vão e para nada.
Contudo, o que me é devido está na mão do Senhor,
e a minha recompensa está com o meu Deus. (Is 49.4)
Apesar do desânimo que muitas vezes sentimos, o resultado final de nosso trabalho está nas mãos de Deus. Podemos confiar em Deus não apenas para usar o que fizemos, mas, no tempo de Deus, para trazê-lo ao cumprimento. Como Filipenses 1.6 diz: “Aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus”. 1Coríntios 15.58 acrescenta: “Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os abale. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, pois vocês sabem que, no Senhor, o trabalho de vocês não será inútil”.
Os dois retratos da justiça apresentados em Isaías 1—39 e 40—55 são seguidos para nos dar uma compreensão diferenciada da justiça em Isaías 56—66. É nessa parte de Isaías que alguns dos retratos mais claros de uma teologia do trabalho são oferecidos. A justiça oferecida como um presente em Isaías 40—55 é agora uma obrigação a ser cumprida nos capítulos 56—66: “Assim diz o Senhor: ‘Mantenham a justiça e pratiquem o que é direito, pois a minha salvação está perto, e logo será revelada a minha retidão’” (Is 56.1).
O apelo para manter a justiça e praticar a retidão em Isaías 56—66 é uma possibilidade percebida agora para o povo de Deus, por causa da reivindicação graciosa de Deus sobre eles na figura do servo. A linguagem de Isaías 56.1 está ligada a Isaías 51.4-8, em que novamente Judá recebe um chamado para buscar a justiça e a retidão. Nesta passagem, a possibilidade criada para o povo de Deus praticar a justiça é encontrada nas últimas frases de Isaías 51.6,8. A justiça de Deus e a salvação de Deus não falharão, mas durarão para sempre. À medida que os capítulos 40—55 se movem em sua forma literária, vemos a justiça e a salvação de Deus encenadas na pessoa do servo (capítulo 53) que sofre em nome e no lugar de outros. Os apelos para “praticar a justiça” nos capítulos 56—66 são possíveis por causa do trato anterior de Deus com a infidelidade de Israel na ação graciosa e substitutiva do servo. Em linguagem teológica, a graça de Deus precede a lei, como demonstrado pela graciosa iniciativa de Deus de redimir seu povo a todo custo. Esse é o único meio pelo qual a conversa sobre responsabilidade humana ou ações justas pode ocorrer. É na segurança do perdão de Deus, encontrado em Jesus Cristo, que o ímpeto para boas obras se materializa. [4]
O profeta passa do argumento negativo para o positivo, apresentando é “o jejum” que Deus realmente deseja (Is 58.6). Esse jejum inclui: soltar as correntes da injustiça, pôr em liberdade os oprimidos, partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu e não recusar ajuda ao próximo (Is 58.6-7). [5] O resultado é que participamos da obra de restauração de Deus, como descrita em Isaías: “Seu povo reconstruirá as velhas ruínas e restaurará os alicerces antigos; você será chamado reparador de muros, restaurador de ruas e moradias” (Is 58.12) Isaías pinta um quadro dos valores que devem caracterizar o povo de Deus, em total contraste com os da maioria das culturas ao redor. Religião externa ou desempenho religioso que pode se misturar com uma ética de trabalho caracterizada pela falta de preocupação com os trabalhadores (em que trabalhadores, empregados ou subordinados são meros instrumentos de desenvolvimento pessoal ou comercial) ou por um estilo de liderança que é dado ao conflito, brigas, calúnias, pavios curtos e raiva descontrolada — esses fatores violam nossa lealdade a Deus. Uma reivindicação é feita sobre o povo de Deus por causa do perdão prévio de nossos pecados na pessoa e na obra de Jesus Cristo. A promessa que se segue após as injúrias no capítulo 58 é a manifestação de todas as promessas de Deus no meio do povo de Deus: “A sua luz irromperá... a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda” (Is 58.8-9; cf. Is 52.12).
À medida que traçamos o desenvolvimento do “servo” do Israel nacional para um Israel idealizado, depois para o Servo do Senhor nos capítulos 52—53, e depois ainda para os servos desse Servo, fazemos uma pausa para refletir sobre as implicações no ambiente de trabalho do modelo de serviço que vemos em Jesus Cristo. Isaías constrói cuidadosamente sua descrição do Servo para deixar claro que ele é um reflexo do próprio Deus. [6] Portanto, os cristãos tradicionalmente equiparam o Servo a Jesus. A imagem retratada por Isaías para o sofrimento do Servo, nos capítulos 52—53, nos lembra que, como servos de Deus, podemos ser chamados ao sacrifício próprio em nosso trabalho, tal como aconteceu com Jesus.
Sua aparência estava tão desfigurada, que ele se tornou irreconhecível como homem; não parecia um ser humano... Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experimentado no sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima... Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados... Ele foi oprimido e afligido; e, contudo, não abriu a sua boca; como um cordeiro, foi levado para o matadouro; e, como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada, ele não abriu a sua boca (Is 52.14; 53.3,5,7).
Uma visão adequada de Deus nos motivará a fazer do padrão de Deus nosso padrão, de modo que não permitamos que o interesse próprio e o engrandecimento pessoal deturpem nosso trabalho.
Jesus, em sua morte e ressurreição, atendeu a uma necessidade que não podíamos atender. O padrão de Deus nos chama a atender às necessidades de justiça e retidão por meio de nosso trabalho: “Assim a justiça retrocede, e a retidão fica a distância, pois a verdade caiu na praça e a honestidade não consegue entrar. Não se acha a verdade em parte alguma, e quem evita o mal é vítima de saque. Olhou o Senhor e indignou-se com a falta de justiça. Ele viu que não havia ninguém, admirou-se porque ninguém intercedeu; então o seu braço lhe trouxe livramento e a sua justiça deu-lhe apoio” (Is 59.14-16). Como servos do Servo do Senhor, somos chamados a atender a necessidades não atendidas. No ambiente de trabalho, isso pode ter muitas faces: preocupação com um funcionário ou colega de trabalho oprimido, atenção à integridade de um produto que está sendo vendido aos consumidores, cuidado com atalhos de processo que privariam as pessoas de sua contribuição, e até mesmo a rejeição de acúmulos em tempos de escassez. Como Paulo escreveu aos gálatas: “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo” (Gl 6.2).
Como servos do Servo do Senhor, podemos não receber a aclamação que desejamos. As recompensas podem ser adiadas. Mas sabemos que Deus é nosso Juiz. Isaías expressou o seguinte: “Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: ‘Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito’” (Is 57.15).
O significado final do trabalho (Isaías 60ss.)
Voltar ao índice Voltar ao índiceAo longo do livro, Isaías encoraja Israel com a esperança de que Deus acabará corrigindo os erros que o povo está sofrendo no presente. O trabalho e os frutos do trabalho estão incluídos nessa esperança. No capítulo 40, à medida que o livro passa de dizer a verdade sobre o presente para dizer a verdade sobre o futuro, a sensação de esperança aumenta. O material sobre o Servo sofredor nos capítulos 40—59 dificilmente pode ser entendido, exceto como um dom divino de esperança no cumprimento futuro do Reino de Deus.
Nos capítulos 60 a 66, essa esperança é finalmente expressa por completo. Deus reunirá seu povo novamente (Is 60.4), derrotará os opressores (Is 60.12-17), redimirá os rebeldes que se arrependem (Is 64.5—65.10) e estabelecerá seu Reino justo (Is 60.3-12). No lugar dos líderes infiéis de Israel, o próprio Deus governará: “Então você saberá que eu, o Senhor, sou o seu Salvador, o seu Redentor, o Poderoso de Jacó” (Is 60.16). A mudança é tão radical que equivale a uma nova criação, de poder e majestade paralelos à primeira criação do mundo por Deus. “Criarei novos céus e nova terra, e as coisas passadas não serão lembradas. Jamais virão à mente” (Is 65.17).
Os capítulos 60 a 66 são ricos em retratos vívidos do Reino perfeito de Deus. De fato, uma grande fração das imagens e da teologia do Novo Testamento é extraída desses capítulos de Isaías. Os capítulos finais do Novo Testamento (Apocalipse 21—22) são, em essência, uma recapitulação de Isaías 65—66 em termos cristãos.
Pode ser surpreendente para alguns o quanto de Isaías 60—66 está relacionado ao trabalho e aos resultados do trabalho. As coisas pelas quais as pessoas trabalham na vida finalmente se concretizam, incluindo:
Mercado e comércio, incluindo o movimento de ouro e prata (Is 60.6,9), o carregamento de madeiras e a abertura de portões para o comércio. “As suas portas permanecerão abertas; jamais serão fechadas, dia e noite, para que tragam a você as riquezas das nações, com seus reis e sua comitiva.” (Is 60.11)
Produtos agrícolas e florestais: incluindo incenso, rebanhos, carneiros (Is 60.6-7), ciprestes e pinheiros (Is 6.13)
Transporte por terra e mar (Is 60.6,9) e, talvez, até por via aérea (Is 60.8).
Justiça e paz (Is 60.17-18; 61.8; 66.16)
Serviços sociais (Is 61.1-4)
Comida e bebida (Is 65.13)
Saúde e vida longa (Is 65.20)
Construção e habitação (Is 65.21)
Prosperidade e riqueza (Is 66.12)
Todas essas coisas escaparam de Israel em sua infidelidade a Deus. De fato, quanto mais eles tentavam alcançá-los, menos se importavam em adorar a Deus ou seguir seus caminhos. O resultado foi privá-los ainda mais. Mas, quando o livro de Isaías apresenta a esperança futura de Israel como a Nova Criação, todas as promessas anteriores no livro vêm à tona. A imagem retratada é a de um futuro escatológico ou dia final, quando a “justa descendência do Servo” desfrutará de todas as bênçãos da era messiânica descrita anteriormente. Então, as pessoas realmente receberão as coisas pelas quais têm trabalhado, porque “não labutarão inutilmente” (Is 65.23). A tristeza de Israel se transformará em alegria, e um dos motivos dominantes dessa alegria vindoura é o prazer com o trabalho de suas próprias mãos.