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Gênesis 12—50 e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Genesis bible commentary

Introdução a Gênesis 12—50 e o trabalho

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Os capítulos 12 a 50 de Gênesis falam sobre a vida e a obra de Abraão, Sara e seus descendentes. Deus chamou Abraão, Sara e sua família para deixar sua terra natal e ir para o novo país que Deus lhes mostraria. Ao longo do caminho, Deus prometeu transformá-los em um grande povo: “Por meio de você todos os povos da terra serão abençoados” (Gn 12.3). Como descendentes espirituais de Abraão, abençoados por esta grande família e trazidos à fé por meio de seu descendente Jesus Cristo, somos chamados a seguir os passos da fé do pai e da mãe de todos os que verdadeiramente creem (Rm 4.11; Gl 3.7,29).

A história da família de Abraão e Sara é repleta de trabalho. Seu trabalho abrange quase todas as facetas do trabalho dos povos seminômades no antigo Oriente Próximo. Em todos os momentos, eles enfrentam questões cruciais sobre como viver e trabalhar observando fielmente a aliança de Deus. Eles lutam para ganhar a vida, suportar convulsões sociais, criar filhos em segurança e permanecer fiéis a Deus em meio a um mundo quebrantado, assim como acontece conosco hoje. Eles descobrem que Deus é fiel à sua promessa de abençoá-los em todas as circunstâncias, embora eles mesmos se mostrem infiéis repetidas vezes.

Mas o propósito da aliança de Deus não é apenas abençoar a família de Abraão em um mundo hostil. Em vez disso, ele pretende abençoar o mundo inteiro por meio dessas pessoas. Essa tarefa está além das habilidades da família de Abraão, que cai repetidas vezes no orgulho, no egocentrismo, na imprudência, na raiva e em todas as outras doenças a que as pessoas decaídas estão sujeitas. Também nos reconhecemos neles neste aspecto. No entanto, pela graça de Deus, eles mantêm um núcleo de fidelidade à aliança, e Deus trabalha por meio do trabalho dessas pessoas, cercadas de falhas, para trazer bênçãos inimagináveis ​​ao mundo. Da mesma maneira, nosso trabalho também traz bênçãos para aqueles ao nosso redor, porque participamos da obra de Deus no mundo.

Quando visto do começo ao fim, fica claro que Gênesis é uma única peça literária, mas se divide em duas partes distintas. A primeira parte (Gn 1—11) trata da criação do universo por Deus e, em seguida, traça o desenvolvimento da humanidade, desde o casal original no jardim do Éden até os três filhos de Noé e suas famílias, que se espalharam pelo mundo. Esta seção termina com uma nota negativa, quando pessoas de todo o mundo se reúnem para construir uma cidade e fazer um nome para si mesmas e, em vez disso, experimentam derrota, confusão e dispersão como julgamento de Deus. A segunda parte (Gn 12—50) começa com o chamado do Senhor a um homem em particular, Abraão. [1] Deus o chamou para deixar sua terra natal e sua família e partir para uma nova vida e uma nova terra, e foi isso o que ele fez. O restante do livro segue a vida desse homem e das três gerações seguintes, que começam a experimentar o cumprimento das promessas divinas feitas a Abraão, seu pai.

A fidelidade de Abraão em contraste com a falta de fé de Babel (Gênesis 12.1-3)

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Deus chamou Abraão para uma aliança de serviço fiel, como é dito no início de Gênesis 12. Ao deixar o território de sua parentela descrente e seguir o chamado de Deus, Abraão se distinguiu fortemente de seus parentes distantes que permaneceram na Mesopotâmia e tentaram construir a torre de Babel, como foi contado no final de Gênesis 11. A comparação entre a família imediata de Abraão, no capítulo 12, e os outros descendentes de Noé, no capítulo 11, destaca cinco contrastes.

Primeiro, Abraão deposita sua confiança na orientação de Deus, e não em artifícios humanos. Em contraste, os construtores da torre acreditavam que, por sua própria habilidade e engenhosidade, poderiam conceber uma torre “que chegue até o céu” (Gn 11.4) e, ao fazê-lo, conseguir significado e segurança de uma forma que usurpasse a autoridade de Deus. [1]

Em segundo lugar, os construtores procuraram fazer um nome para si mesmos (Gn 11.4), mas Abraão confiou na promessa de Deus de que ele engrandeceria o nome de Abraão (Gn 12.2). A diferença não era o desejo de alcançar a grandeza em si, mas o desejo de buscar a fama em seus próprios termos. Deus realmente tornou Abraão famoso, não por si mesmo, mas pela promessa de que, por meio dele, “todas as famílias da terra serão abençoadas” (Gn 12.3). Os construtores da torre buscaram a fama por si mesmos, mas permanecem anônimos até hoje.

Terceiro, Abraão estava disposto a ir aonde quer que Deus o levasse, enquanto os construtores tentavam se amontoar em seu espaço habitual. Eles criaram seu projeto por medo de que fossem espalhados por toda a terra (Gn 11.4). Ao fazer isso, rejeitaram o propósito de Deus para a humanidade de encher a terra (Gn 1.28). Parece que estavam com medo de que ser espalhados em um mundo aparentemente hostil fosse muito difícil para eles. Mesmo sendo criativos e tecnologicamente inovadores (Gn 11.3), não estavam dispostos a abraçar plenamente o propósito de Deus: “sejam férteis e multipliquem-se” (Gn 1.28). Seu medo de se engajar na plenitude da criação coincidiu com sua decisão de substituir a orientação e a graça de Deus pela engenhosidade humana. Quando deixamos de aspirar por mais do que podemos alcançar por conta própria, nossas aspirações se tornam insignificantes.

Em contraste, Deus fez de Abraão o empreendedor original, sempre seguindo em frente para novos empreendimentos em novos locais. Deus o chamou para longe da cidade de Harã, em direção à terra de Canaã, onde Abraão nunca se estabeleceria em um endereço fixo. Ele ficou conhecido como um “arameu errante” (Dt 26.5). Esse estilo de vida era inerentemente mais centrado em Deus, pois Abraão teria de depender da palavra e da liderança de Deus para encontrar seu significado, segurança e sucesso. Como Hebreus 11.8 coloca, ele teve de partir, “embora não soubesse para onde estava indo”. No mundo do trabalho, os crentes devem perceber o contraste nessas duas orientações fundamentais. Todo trabalho envolve planejamento e construção. O trabalho ímpio decorre do desejo de não depender de ninguém além de nós mesmos, e se restringe estritamente a beneficiar apenas a nós mesmos e aos poucos que possam estar próximos de nós. A obra piedosa está disposta a depender da orientação e da autoridade de Deus e deseja crescer amplamente como uma bênção para todo o mundo.

Quarto, Abraão estava disposto a permitir que Deus o conduzisse a novos relacionamentos. Enquanto os construtores da torre procuravam se fechar em uma fortaleza vigiada, Abraão confiou na promessa de Deus de que sua família se tornaria um grande povo (Gn 12.2; 15.5). Embora vivessem entre estrangeiros na terra de Canaã (Gn 17.8), tinham bom relacionamento com aqueles com quem entravam em contato (Gn 21.22-34; 23.1-12). Esse é o dom da comunidade. Outro tema-chave emerge, portanto, para a teologia do trabalho: o desígnio de Deus é que as pessoas trabalhem em redes saudáveis ​​de relacionamento.

Por fim, Abraão foi abençoado com a paciência de ter uma visão de longo prazo. As promessas de Deus deveriam ser cumpridas no tempo da descendência de Abraão, não no tempo do próprio Abraão. O apóstolo Paulo interpretou a “descendência” como sendo Jesus (Gl 3.19), o que significa que a data da recompensa seria mais de mil anos no futuro. De fato, a promessa feita a Abraão não será cumprida completamente até o retorno de Cristo (Mt 24.30-31). Seu progresso não pode ser adequadamente medido por relatórios trimestrais! Os construtores das torres, em comparação, não pensaram em como seu projeto afetaria as gerações futuras, e Deus os criticou explicitamente por esse lapso (Gn 11.6).

Em suma, Deus prometeu a Abraão fama, descendência e bons relacionamentos, o que significava que ele e sua família abençoariam o mundo inteiro e, no devido tempo, seriam abençoados além da imaginação (Gn 22.17). Ao contrário de outros, Abraão percebeu que uma tentativa de entender essas coisas por conta própria seria inútil, ou pior. Em vez disso, ele confiou em Deus e dependeu todos os dias da orientação e provisão de Deus (Gn 22.8-14). Embora essas promessas não tenham sido totalmente cumpridas até o final de Gênesis, elas iniciaram a aliança entre Deus e o povo de Deus, por meio da qual a redenção do mundo será completada no dia de Cristo (Fp 1.10).

Deus prometeu uma nova terra à família de Abraão. Fazer uso da terra requer muitos tipos de trabalho; portanto, o fato de dar terras reitera que o trabalho é uma esfera essencial da preocupação de Deus. Trabalhar a terra exigiria habilidades ocupacionais de pastoreio, fabricação de tendas, proteção militar e produção de uma ampla gama de bens e serviços. Além disso, os descendentes de Abraão se tornariam uma nação populosa, cujos membros seriam tão inumeráveis ​​quanto as estrelas do céu. Isso exigiria o trabalho de desenvolver relacionamentos pessoais, paternidade, política, diplomacia e administração, educação, artes da cura e outras ocupações sociais. Para trazer tais bênçãos a toda a terra, Deus chamou Abraão e seus descendentes e disse: “ande segundo a minha vontade e seja íntegro” (Gn 17.1). Isso exigia o trabalho de adoração, expiação, discipulado e outras ocupações religiosas. O trabalho de José foi criar uma solução que respondesse ao impacto da fome e, às vezes, nosso trabalho é curar o quebrantamento. Todos esses tipos de trabalho, e os trabalhadores que se envolvem neles, estão sob a autoridade, a orientação e a provisão de Deus.

O estilo de vida pastoril de Abraão e sua família (Gênesis 12.4-7)

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Quando Abraão deixou sua casa em Harã e partiu para a terra de Canaã, sua família provavelmente já era bem grande para os padrões modernos. Sabemos que sua esposa Sara e seu sobrinho Ló foram com ele, assim como um número não especificado de pessoas e bens (Gn 12.5). Em breve, Abraão se tornaria muito rico, tendo adquirido servos e gado, bem como prata e ouro (Gn 12.16; 13.2). Ele ganhou pessoas e animais do faraó durante sua estadia no Egito, e os metais preciosos teriam sido resultado de transações comerciais, indicando o Senhor como responsável final por conceder bênçãos. [1] A evidência de que Abraão e Ló haviam se tornado bem-sucedidos está na briga que irrompeu entre os pastores de cada família sobre a incapacidade da terra para prover pasto que sustentasse tantos animais. Por fim, os dois tiveram de se separar para sustentar suas atividades comerciais (Gn 13.11).

Estudos antropológicos desse período e região sugerem que as famílias nessas narrativas praticavam uma mistura de pastoreio seminômade e criação de rebanhos (Gn 13.5-12; 21.25-34; 26.17-33; 29.1-10; 37.12-17). [2] Essas famílias precisavam de mobilidade sazonal e, portanto, viviam em tendas de couro, feltro e lã. Possuíam propriedades que podiam ser carregadas por burros ou, se alguém fosse rico o suficiente, também por camelos. Encontrar o equilíbrio entre a disponibilidade ideal de terra para pastagem e água exigia bom senso e conhecimento profundo do clima e da geografia. Os meses mais úmidos, de outubro a março, forneciam pastagens nas planícies mais baixas, enquanto nos meses mais quentes e secos, de abril a setembro, os pastores levavam seus rebanhos para maiores altitudes, em busca de nascentes e vegetação mais verde. [3] Como uma família não podia ser inteiramente sustentada pelo pastoreio, era necessário praticar a agricultura local e o comércio com aqueles que viviam em comunidades mais assentadas. [4]

Pastores nômades cuidavam de ovelhas e cabras para obter leite e carne (Gn 18.7-8; 27.9; 31.38), lã e outros produtos feitos de produtos animais, como couro. Jumentos carregavam cargas (Gn 42.26), e os camelos eram especialmente adequados para viagens mais longas (Gn 24.10,64; 31.17). As habilidades necessárias para manter esses rebanhos envolveriam pastorear e dar água, realizar partos, tratar os animais doentes e feridos e garantir proteção contra predadores e ladrões, além de buscar animais que se perdessem.

As variações no clima e o tamanho do crescimento da população dos rebanhos e manadas teriam afetado a economia da região. Grupos mais fracos de pastores poderiam facilmente ser deslocados ou assimilados por aqueles que precisavam de mais território para suas propriedades em expansão. [5] O lucro do pastoreio não era armazenado como poupança ou investimentos acumulados em nome dos proprietários e cuidadores, mas compartilhado por toda a família. Da mesma forma, os efeitos das dificuldades decorrentes das condições de fome teriam sido sentidos por todos. Embora os indivíduos certamente tivessem suas próprias responsabilidades e fossem responsáveis ​​por suas ações, a natureza comunitária dos negócios da família geralmente destoa de nossa cultura contemporânea, que foca na realização pessoal e na busca de lucros cada vez maiores. A responsabilidade social teria sido uma preocupação diária, não uma opção.

Nesse modo de vida, os valores compartilhados eram essenciais para a sobrevivência. A dependência mútua entre os membros de uma família ou tribo e a consciência de sua ancestralidade comum teriam resultado em grande solidariedade, bem como em hostilidade vingativa em relação a quem a perturbasse (Gn 34.25-31). [6] Os líderes precisavam saber como aproveitar a sabedoria do grupo para tomar decisões acertadas sobre para onde viajar, quanto tempo permanecer e como dividir os rebanhos. [7] Eles deviam ter alguma maneira de se comunicar com pastores que levavam os rebanhos a distâncias maiores (Gn 37.12-14). As habilidades de resolução de conflitos eram necessárias para resolver disputas inevitáveis ​​envolvendo terras de pastagem e direitos sobre a água de poços e nascentes (Gn 26.19-22). A alta mobilidade da vida no campo e a vulnerabilidade de alguém aos saqueadores tornavam a hospitalidade muito mais do que uma cortesia. Em geral, era considerada um requisito para pessoas decentes oferecer bebidas, comida e hospedagem. [8]


As narrativas patriarcais mencionam repetidamente a grande riqueza de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 13.2; 26.13; 31.1). O pastoreio e a criação de animais eram áreas de trabalho honrosas e podiam ser lucrativas, e a família de Abraão tornou-se muito rica. Por exemplo, para abrandar a atitude de Esaú, seu irmão ofendido, antes do encontrá-lo depois de tantos anos, Jacó conseguiu selecionar de sua propriedade um presente de pelo menos 550 animais: 200 cabras com 20 machos, 200 ovelhas com 20 carneiros, 30 camelas com seus bezerros, 40 vacas com 10 touros e 20 jumentas com 10 machos (Gn 32.13-15). Portanto, é apropriado que, no final de sua vida, quando Jacó conferiu bênçãos a seus filhos, ele dê um belo testemunho sobre o Deus de seus pais: “o Deus que tem sido o meu pastor em toda a minha vida até o dia de hoje” (Gn 48.15). Embora muitas passagens na Bíblia avisem que a riqueza é muitas vezes inimiga da fidelidade (por exemplo, Jr 17.11, Hc 2.5, Mt 6.24), a experiência de Abraão mostra que a fidelidade de Deus também pode ser expressa em prosperidade. Como veremos, isso não é de forma alguma uma promessa de que o povo de Deus deva esperar prosperidade continuamente.

A jornada de Abraão começa com desastre no Egito (Gênesis 12.8—13.2)

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Os resultados iniciais das viagens de Abraão não foram promissores. Havia uma disputa feroz pela terra (Gn 12.6), e Abraão passou muito tempo tentando encontrar um pedaço de terra para ocupar (Gn 12.8-9). Por fim, a deterioração das condições econômicas o obrigou a abandonar completamente o lugar e a levar sua família para o Egito, a centenas de quilômetros de distância da terra prometida por Deus (Gn 12.10).

Como migrante econômico para o Egito, a posição vulnerável de Abraão o deixou com medo. Ele temia que os egípcios pudessem assassiná-lo para ficar com sua bela esposa, Sara. Para evitar isso, Abraão pediu que Sara dissesse que era sua irmã, e não sua esposa. Como Abraão havia pensado, um dos egípcios — o próprio faraó — desejou Sara e ela “foi levada ao seu palácio” (Gn 12.15). Como resultado, “o Senhor puniu o faraó e sua corte com graves doenças” (Gn 12.17). Quando o faraó descobriu o motivo — que ele havia tomado a esposa de outro homem —,devolveu Sara a Abraão e imediatamente ordenou que ambos saíssem de seu país (Gn 12.18-19). No entanto, o faraó os enriqueceu com ovelhas e gado, jumentos e jumentas, servos e servas, bem como camelos (Gn 12.16), além de prata e ouro (Gn 13.2), uma indicação adicional de que a riqueza de Abraão (Gn 13.2) se devia aos presentes reais. [1]

Esse incidente indica dramaticamente os dilemas morais que se apresentam diante de grandes disparidades de riqueza e pobreza e os perigos de perder a fé diante de tais problemas. Abraão e Sara estavam fugindo da fome. Pode ser difícil de imaginar que alguém seja tão desesperadamente pobre ou tenha medo de que uma família sujeite suas mulheres a serviços sexuais para sobreviver economicamente, mas ainda hoje milhões de pessoas enfrentam essa escolha. Faraó repreende Abraão por agir dessa maneira, mas a resposta de Deus a um incidente posterior semelhante (Gn 20.7,17) mostra mais compaixão do que julgamento.

Por outro lado, Abraão havia recebido a promessa direta de Deus: “Farei de você um grande povo” (Gn 12.2). Sua fé em Deus para cumprir suas promessas falhou tão rapidamente? A sobrevivência realmente exigia que ele mentisse e permitisse que sua esposa se tornasse uma concubina, ou Deus teria providenciado outra maneira? Os temores de Abraão parecem tê-lo feito esquecer sua confiança na fidelidade de Deus. Da mesma forma, pessoas em situações difíceis geralmente se convencem de que não têm escolha a não ser fazer algo que consideram errado. No entanto, fazer escolhas desagradáveis, não importa nossos sentimentos em relação a elas, não é o mesmo que não ter escolha.

Abraão e Ló se separam: a generosidade de Abraão (Gênesis 13.3-18)

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Quando Abraão e sua família entraram novamente em Canaã e chegaram à região ao redor de Betel, o atrito que eclodiu entre os pastores de Abraão e os de seu sobrinho Ló forçou Abraão a fazer uma escolha em relação à escassez de terra. Uma divisão precisava ser feita, e Abraão assumiu o risco de oferecer a Ló a chance de ser o primeiro a escolher a propriedade. A cordilheira central de terra em Canaã é rochosa e abriga muita vegetação para pastagem. Os olhos de Ló caíram para o leste e para a planície ao redor do rio Jordão, que ele considerava “como o jardim do Senhor”, então ele escolheu essa porção melhor para si (Gn 13.10). A confiança de Abraão em Deus o libertou da ansiedade de cuidar de si mesmo. Não importa como Abraão e Ló prosperassem no futuro, o fato de Abraão ter deixado Ló fazer a escolha demonstrou generosidade e estabeleceu confiança entre ele e Ló.

A generosidade é uma característica positiva nos relacionamentos pessoais e nos negócios. Talvez nada estabeleça confiança e bons relacionamentos com tanta solidez quanto a generosidade. Colegas, clientes, fornecedores e até adversários reagem fortemente à generosidade e se lembram dela por muito tempo. Quando Zaqueu, o cobrador de impostos, recebeu Jesus em sua casa e prometeu dar metade de seus bens aos pobres e retribuir quatro vezes aqueles a quem ele havia enganado, Jesus o chamou de “filho de Abraão” por sua generosidade e fruto do arrependimento (Lc 19.9). Zaqueu estava respondendo, é claro, à generosidade relacional de Jesus, que inesperadamente, e de forma incomum para o povo da época, abriu seu coração para um detestável cobrador de impostos.

A hospitalidade de Abraão e Sara (Gênesis 18.1-15)

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A história da generosa hospitalidade de Abraão e Sara para com três visitantes que foram até eles, junto aos carvalhos de Manre, é contada em Gênesis 18. A vida seminômade no país costumava colocar pessoas de diferentes famílias em contato umas com as outras, e o caráter de Canaã como uma ligação natural por terra entre a Ásia e a África tornou-a uma rota comercial popular. Na ausência de uma indústria formal de hospitalidade, as pessoas que viviam em cidades e acampamentos tinham a obrigação social de acolher estranhos. A partir de descrições do Antigo Testamento e de outros textos antigos do Oriente Próximo, Matthews derivou sete códigos de conduta que definem o que é importante para a boa hospitalidade, que mantém a honra das pessoas, de seus lares e das comunidades, recebendo e oferecendo proteção a estranhos. [1] Em torno de um assentamento havia uma zona na qual os indivíduos e a cidade eram obrigados a mostrar hospitalidade.

1. Nessa zona, os moradores eram responsáveis ​​por oferecer hospitalidade a estranhos.

2. O estrangeiro deve ser transformado de uma potencial ameaça em um aliado, por meio da oferta de hospitalidade.

3. Somente o chefe de família do sexo masculino ou um cidadão do sexo masculino de uma cidade ou aldeia pode oferecer o convite de hospitalidade.

4. O convite pode incluir uma declaração sobre o período de hospitalidade, mas esta pode ser estendida, se ambas as partes concordarem, mediante novo convite do anfitrião.

5. O estrangeiro tem o direito de recusa, mas isso pode ser considerado uma afronta à honra do anfitrião e pode ser causa de hostilidades ou conflitos imediatos.

6. Uma vez que o convite é aceito, os papéis do anfitrião e do convidado são definidos pelas regras do costume. O hóspede não deve pedir nada. O anfitrião oferece o melhor que tem à disposição, mesmo que a oferta inicial de hospitalidade seja algo modesto. Espera-se que o hóspede retribua imediatamente com notícias, previsões de boa sorte ou expressões de gratidão pelo que recebeu, além de elogios à generosidade e à honra do anfitrião. O anfitrião não deve fazer perguntas pessoais ao hóspede. Esses assuntos só podem ser oferecidos voluntariamente pelo hóspede.

7. O hóspede permanece sob a proteção do anfitrião até que tenha deixado a zona de obrigação do anfitrião.

Esse episódio fornece o pano de fundo para o mandamento do Novo Testamento: “Não se esqueçam da hospitalidade; foi praticando-a que, sem o saber, alguns acolheram anjos” (Hb 13.2).

Hospitalidade e generosidade são frequentemente subestimadas nos círculos cristãos. No entanto, a Bíblia retrata o Reino dos Céus como um banquete generoso e até extravagante (Is 25.6-9; Mt 22.2-4). A hospitalidade promove bons relacionamentos, e a hospitalidade de Abraão e Sara fornece uma visão bíblica inicial de como os relacionamentos e o compartilhamento de uma refeição andam de mãos dadas. Esses estranhos obtiveram uma compreensão mais profunda um do outro compartilhando uma refeição e um encontro prolongado. Isso continua sendo verdade hoje. Quando as pessoas partem o pão juntas ou desfrutam de momentos de descontração ou entretenimento, geralmente passam a se entender e apreciar melhor. Melhores relações de trabalho e uma comunicação mais eficaz são frequentemente frutos da hospitalidade.

Na época de Abraão e Sara, a hospitalidade quase sempre era oferecida na casa do anfitrião. Hoje, isso nem sempre é possível, ou mesmo desejável, e a indústria da hospitalidade surgiu para facilitar e oferecer hospitalidade de várias maneiras. Se você deseja oferecer hospitalidade e sua casa é muito pequena ou suas habilidades culinárias são muito limitadas, você pode levar alguém a um restaurante ou hotel e, ainda assim, desfrutar da companhia e aprofundar relacionamentos. Os profissionais do setor o ajudariam a oferecer hospitalidade. Além disso, os trabalhadores do setor têm, eles próprios, a oportunidade de oferecer descanso às pessoas, criar bons relacionamentos, fornecer abrigo e servir aos outros, assim como Jesus fez quando transformou água em vinho (Jo 2.1-11) e lavou os pés dos discípulos (Jo 13.3-11). A indústria da hospitalidade responde por 9% do produto interno bruto mundial e emprega 98 milhões de pessoas, [2] incluindo muitos dos trabalhadores menos qualificados e imigrantes, que representam uma parcela em rápido crescimento da igreja cristã. Um número ainda maior de pessoas se envolve em hospitalidade não remunerada, oferecendo-a aos outros como um ato de amor, amizade, compaixão e engajamento social. O exemplo de Abraão e Sara mostra que esse trabalho pode ser profundamente importante como um serviço a Deus e à humanidade. Como poderíamos fazer mais para encorajar uns aos outros a ser generosos na hospitalidade, não importa quais sejam nossas profissões?

A disputa de Abraão com Abimeleque (Gênesis 20.1-16; 21.22-34)

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Quando Abraão e Sara entraram no país do rei Abimeleque, este inadvertidamente violou as regras de hospitalidade e, como compensação, concedeu a Abraão direitos de pastagem gratuitos para qualquer terra que quisesse (Gn 20.1-16). Posteriormente, surgiu uma disputa sobre um certo poço de água que Abraão havia originalmente cavado, mas os servos de Abimeleque acabaram tomando posse (Gn 21.25). Aparentemente sem estar ciente da situação, quando Abimeleque ouviu a queixa, entrou em um acordo juramentado iniciado por Abraão, por meio do qual reconhecia publicamente o direito de Abraão ao poço e, portanto, o direito de continuar sua atividade comercial na região (Gn 21.27-31).

Em outros lugares, vimos Abraão abrir mão do que era seu por direito (Gn 14.22-24). Aqui, no entanto, Abraão protege obstinadamente o que é seu. O narrador não sugere que Abraão esteja novamente vacilando na fé, pois o relato termina com uma adoração (Gn 21.33). Em vez disso, ele é um modelo de pessoa sábia e trabalhadora, que conduz seus negócios abertamente e faz uso justo das proteções legais apropriadas. Por lidar com o pastoreio, o acesso à água era essencial. Sem isso, Abraão não poderia ter continuado a sustentar seus animais, empregados e família. Portanto, era importante que Abraão protegesse os direitos à água, bem como os meios pelos quais esses direitos lhe foram garantidos.

Como Abraão, as pessoas em todos os tipos de trabalho precisam discernir quando devem agir generosamente para beneficiar os outros e quando devem proteger recursos e direitos para o benefício de si mesmas ou de suas organizações. Não há um conjunto de regras e regulamentos que possam nos levar a uma resposta automática. Em todas as situações, somos mordomos dos recursos de Deus, embora nem sempre fique claro se os propósitos de Deus são melhores alcançados doando recursos ou protegendo-os. Mas o exemplo de Abraão destaca um aspecto que é fácil de esquecer. A decisão não é apenas uma questão de quem está certo, mas também de como a decisão afetará nosso relacionamento com as pessoas ao nosso redor. No caso anterior de dividir a terra com Ló, o fato de Abraão oferecer voluntariamente a primeira escolha a Ló lançou as bases para um bom relacionamento de trabalho de longo prazo. No presente caso, em que ele exigiu acesso ao poço de acordo com seus direitos no tratado, Abraão garantiu os recursos necessários para manter seu empreendimento funcionando. Além disso, parece que a determinação de Abraão realmente melhorou o relacionamento entre ele e Abimeleque. Lembre-se de que a disputa entre eles surgiu porque Abraão não afirmou sua posição ao encontrar Abimeleque pela primeira vez (Gn 20).

Um sepultamento para Sara (Gênesis 23.1-20)

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Quando Sara morreu, Abraão se envolveu em uma negociação exemplar para comprar um local para sepultá-la. Ele conduziu as negociações de forma aberta e honesta, na presença de testemunhas, tomando o devido cuidado com as próprias necessidades e as do vendedor (Gn 23.10-13,16,18). A propriedade em questão é claramente identificada (Gn 23.9), e o uso pretendido por Abraão como local de sepultamento é mencionado várias vezes (Gn 23.4,6,9,11,13,15,20). O diálogo da negociação é excepcionalmente claro, socialmente adequado e transparente. Acontece no portão da cidade, onde os negócios eram feitos em público. Abraão inicia o pedido de compra de uma propriedade. Os hititas locais oferecem gratuitamente uma tumba de sua escolha. Abraão hesita, pedindo-lhes que contatem o proprietário de um campo onde havia uma caverna apropriada para um local de sepultamento, para que ele pudesse comprá-la pelo “preço justo”. Efrom, o proprietário, ouviu o pedido e ofereceu o campo como presente. Como isso não resultaria em um direito permanente de Abraão, ele educadamente se ofereceu para pagar o valor de mercado por ele. Ao contrário da barganha encenada que era típica das transações comerciais (Pv 20.14), Abraão imediatamente concordou com o preço de Efrom e o pagou “de acordo com o peso corrente entre os mercadores” (Gn 23.16). Essa expressão significava que o negócio estava em conformidade com o padrão para prata usado em vendas de imóveis. [1] Abraão poderia ter sido tão rico a ponto de não precisar barganhar e/ou poderia estar desejando comprar uma medida de boa vontade junto com a terra. Além disso, ele poderia ter desejado evitar qualquer questionamento sobre a venda e seu direito à terra. No final, ele recebeu a escritura da propriedade com sua caverna e árvores (Gn 23.17-20). Aquele foi o importante local de sepultamento de Sara e, mais tarde, do próprio Abraão, bem como de Isaque e Rebeca e de Jacó e Lia.

Nesse assunto, as ações de Abraão modelaram valores fundamentais de integridade, transparência e perspicácia nos negócios. Ele honrou sua esposa lamentando e cuidando adequadamente de seus restos mortais. Ele compreendeu seu status na terra e tratou com respeito seus residentes de longa data. Negociou aberta e honestamente, fazendo isso na frente de testemunhas. Ele se comunicou com clareza. Foi sensível ao processo de negociação e evitou educadamente aceitar a terra como presente. Pagou rapidamente o valor combinado. Usou o local apenas para o propósito que declarou durante as negociações. Assim, ele manteve um bom relacionamento com todos os envolvidos.

Isaque (Gênesis 21.1-35.29)

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Isaque era filho de um grande pai e pai de um grande filho, mas ele próprio deixou um registro misto. Em contraste com o grande destaque que Gênesis dá a Abraão, a vida de Isaque é dividida e contada como apêndices às histórias de Abraão e de Jacó. A caracterização da vida de Isaque se divide em duas partes: uma decididamente positiva e outra negativa. Lições sobre o trabalho podem ser extraídas de cada uma delas.

Do lado positivo, a vida de Isaque foi um presente de Deus. Abraão e Sara o valorizaram e lhe transmitiram sua fé e seus valores, e Deus reiterou a ele as promessas feitas a Abraão. A fé e a obediência de Isaque quando Abraão estava para oferecê-lo em sacrifício é exemplar, pois ele deve ter realmente acreditado no que seu pai lhe disse: “Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho” (Gn 22.8). Durante a maior parte de sua vida, Isaque seguiu os passos de Abraão. Expressando a mesma fé, Isaque orou por sua esposa sem filhos (Gn 25.21). Assim como Abraão providenciou um sepultamento honroso a Sara, juntos Isaque e Ismael sepultaram seu pai (Gn 25.9). Isaque se tornou um fazendeiro e pastor tão bem-sucedido que a população local ficou com inveja e pediu que ele se mudasse (Gn 26.12-16). Ele reabriu os poços que haviam sido cavados durante o tempo de seu pai, o que novamente se tornou objeto de disputas com o povo de Gerar sobre os direitos da água (Gn 26.17-21). Como Abraão, Isaque fez um acordo juramentado com Abimeleque para ambos se tratassem com justiça (Gn 26.26-31). O escritor de Hebreus observou que, pela fé, Isaque viveu em tendas e abençoou tanto Jacó quanto Esaú (Hb 11.8-10,20). Em suma, Isaque havia herdado um grande negócio familiar e uma riqueza considerável. Como seu pai, ele não guardou para si, mas cumpriu o papel que Deus lhe confiou: transmitir a bênção que se estenderia a todos os povos.

Nesses acontecimentos positivos, Isaque foi um filho responsável, que aprendeu a liderar a família e administrar seus negócios de uma maneira que honrasse o exemplo de seu pai capaz e piedoso. A diligência de Abraão em preparar um sucessor e incutir valores duradouros trouxe bênçãos para seu empreendimento mais uma vez. Quando Isaque tinha cem anos, foi sua vez de designar seu sucessor, transmitindo a bênção da família. Embora ainda fosse viver mais oitenta anos, essa concessão da bênção foi a última coisa significativa sobre Isaque registrada no livro de Gênesis. Lamentavelmente, ele quase falhou nessa tarefa. De alguma forma, ele permaneceu alheio à revelação de Deus a sua esposa de que, ao contrário do costume normal, o filho mais novo, Jacó, deveria se tornar o chefe da família, em vez do mais velho (Gn 25.23). Foi necessária uma manobra inteligente de Rebeca e Jacó para colocar Isaque de volta nos trilhos a fim de cumprir os propósitos de Deus.

Para manter os negócios da família, a estrutura fundamental da família tinha de estar intacta. Era trabalho do pai garantir isso. Estranhos para a maioria de nós hoje, dois costumes relacionados eram importantes na família de Isaque: a primogenitura (Gn 25.31) e a bênção (Gn 27.4). A primogenitura conferia ao filho mais velho o direito de herdar uma parte maior da propriedade do pai, tanto em termos de bens quanto de terras. Embora às vezes o direito de primogenitura fosse transferido, normalmente era reservado para o filho primogênito. As leis específicas a respeito variavam, mas parece ter sido uma característica estável da cultura do antigo Oriente Próximo. A bênção era a invocação correspondente da prosperidade vinda de Deus e a sucessão da liderança na família. Esaú acreditou erroneamente que poderia renunciar à primogenitura e ainda assim receber a bênção (Hb 12.16-17). Jacó reconheceu que os dois elementos eram inseparáveis. Com ambos em sua posse, Jacó assumiria o direito de levar adiante a herança da família, econômica e socialmente, bem como em termos de fé. Elemento central para o desenvolvimento da trama de Gênesis, a bênção envolvia não apenas receber as promessas da aliança que Deus havia feito a Abraão, mas também transmiti-las à próxima geração.

A falha de Isaque em reconhecer que Jacó deveria receber a primogenitura e a bênção surgiu quando Isaque colocou seu conforto pessoal acima das necessidades da organização familiar. Ele preferia Esaú porque amava a caça selvagem que Esaú, o caçador, trazia para ele. Embora Esaú não valorizasse a primogenitura a ponto de trocá-la por única refeição — o que significa que ele não estava apto nem interessado na posição de liderar o empreendimento —, Isaque queria que Esaú a tivesse. As circunstâncias particulares sob as quais Isaque deu a bênção sugerem que ele sabia que tal ato atrairia críticas. O único aspecto positivo desse episódio é que a fé de Isaque o levou a reconhecer que a bênção divina que ele tinha dado por engano a Jacó era irrevogável. Genericamente, foi por isso que o escritor de Hebreus se lembrou dele. “Pela fé Isaque invocou bênçãos para o futuro sobre Jacó e Esaú” (Hb 11.20). Deus havia escolhido Isaque para perpetuar essa bênção e trabalhou tenazmente sua vontade por meio dele, apesar das intenções mal informadas de Isaque.

O exemplo de Isaque nos lembra que mergulhar profundamente em nossa perspectiva particular pode nos levar a sérios erros de julgamento. Cada um de nós é tentado por confortos pessoais, preconceitos e interesses pessoais a perder de vista a importância mais ampla de nosso trabalho. Nossa fraqueza pode ser por elogios, segurança financeira, prevenção de conflitos, relacionamentos inadequados, recompensas de curto prazo ou outros benefícios pessoais que possam estar em desacordo com o desempenho de nosso trabalho para cumprir os propósitos de Deus. Existem fatores individuais e sistêmicos envolvidos. No nível individual, o viés de Isaque em relação a Esaú se repete hoje, quando aqueles que estão no poder optam por ser parciais no momento de promover pessoas, estando conscientes disso ou não. No nível sistêmico, ainda existem muitas organizações que permitem que os líderes contratem, demitam e promovam pessoas por vontade própria, em vez de desenvolver sucessores e subordinados em um processo coordenado e responsável de longo prazo. Sejam os abusos individuais ou sistêmicos, simplesmente resolver fazer melhor ou mudar os processos organizacionais não é uma solução eficaz. Em vez disso, indivíduos e organizações precisam ser transformados pela graça de Deus para colocar o que é realmente importante à frente do que é pessoalmente benéfico.

Jacó (Gênesis 25.19—49.33)

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Os nomes Abraão, Isaque e Jacó aparecem frequentemente como um grupo, porque todos receberam promessas da aliança de Deus e compartilharam a mesma fé. Mas Jacó era muito diferente de seu avô, Abraão. Sempre astuto, Jacó viveu grande parte de sua vida de acordo com sua astúcia e inteligência engenhosa. Acostumado a conflitos, Jacó era movido pela paixão de conseguir o que queria para si mesmo. Essa luta era realmente um trabalho árduo e, por fim, o levou ao ponto mais marcante de sua existência: uma luta travada com um homem misterioso em quem Jacó viu Deus face a face (Gn 32.24,30). Por causa de sua fraqueza, Jacó clamou com fé pela bênção de Deus e foi transformado pela graça.

A vida ocupacional de Jacó como pastor é de interesse para a teologia do trabalho. Ele assume um significado adicional, no entanto, quando colocado no contexto mais amplo de sua vida, que se move em largas braçadas do afastamento para a reconciliação. Vimos com Abraão que o trabalho que ele fez era uma parte inseparável de seu senso de propósito, decorrente de seu relacionamento com Deus. O mesmo se aplica a Jacó, e a lição também vale para nós.

De forma antiética, Jacó adquire a primogenitura e a bênção de Esaú (Gênesis 25.19-34; 26.34—28.9)

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Embora fosse o plano de Deus que Jacó fosse sucessor de Isaque (Gn 25.23), o uso de engano e roubo por parte de Rebeca e Jacó para conseguir isso pôs a família em sério perigo. O tratamento antiético que ela dispensou ao marido e Jacó ao irmão, a fim de garantir seu futuro às custas da confiança em Deus, resultou em um afastamento profundo e duradouro na esfera familiar.

As bênçãos da aliança de Deus eram dádivas a serem recebidas, não agarradas à força. Elas traziam consigo a responsabilidade de serem usadas em favor de outros, não guardadas para si. Isso passou despercebido para Jacó. Embora Jacó tivesse fé (diferentemente de seu irmão Esaú), ele confiou em suas próprias habilidades para garantir os direitos que valorizava. Jacó explorou o faminto Esaú para conseguir dele a primogenitura (Gn 25.29-34). É bom que Jacó tenha valorizado a primogenitura, mas deixou totalmente de lado sua fé a fim garantir isso para si mesmo, o que fica especialmente claro pela maneira como o fez. Seguindo o conselho de sua mãe Rebeca (que também buscava objetivos certos por meios errados), Jacó enganou seu pai. Sua vida como fugitivo da família atesta a natureza odiosa de seu comportamento.

Jacó começou um longo período de fé genuína nas promessas da aliança de Deus, mas falhou ao viver confiando no que Deus faria por ele. Pessoas maduras e piedosas que aprenderam a deixar sua fé transformar suas escolhas (e não o contrário) estão em condições de servir com base em suas forças. Decisões corajosas e astutas que resultam em sucesso podem ser elogiadas com razão por sua eficácia. Mas, quando o lucro vem às custas da exploração e do engano dos outros, algo está errado. Além do fato de que métodos antiéticos são errados em si mesmos, eles também podem revelar os medos fundamentais daqueles que os empregam. O impulso implacável de Jacó para obter benefícios para si mesmo revela como seus medos o tornaram resistente à graça transformadora de Deus. À medida que passarmos a acreditar nas promessas de Deus, estaremos menos inclinados a manipular as circunstâncias para nos beneficiarmos; sempre precisamos estar cientes da facilidade com que podemos nos enganar sobre a pureza de nossos motivos.

Jacó adquire sua fortuna (Gênesis 30-31)

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Ao escapar de Esaú, Jacó acabou nas terras da família de Labão, irmão de sua mãe. Jacó trabalhou para Labão por vinte e um anos frustrantes, durante os quais Labão quebrou uma série de promessas que lhe havia feito. Apesar disso, Jacó conseguiu casar com duas das filhas de Labão e constituir família. Jacó queria voltar para casa, mas Labão o convenceu a ficar e trabalhar para ele, com a promessa de que ele poderia escolher o próprio salário (Gn 30.28). Claramente, Jacó havia sido um bom trabalhador, e Labão foi abençoado por sua associação com Jacó.

Durante esse tempo, Jacó havia aprendido o ofício de criar animais e usou essa habilidade para se vingar de Labão. Por meio de suas técnicas de reprodução, conseguiu ganhar muita riqueza às custas de Labão. Chegou ao ponto em que os filhos de Labão estavam reclamando: “Jacó tomou tudo que o nosso pai tinha e juntou toda a sua riqueza à custa do nosso pai” (Gn 31.1-2). Jacó percebeu que a atitude de Labão em relação a ele não era mais a mesma. No entanto, Jacó atribuiu seus ganhos à ação de Deus, dizendo: “Se o Deus de meu pai, o Deus de Abraão, o Temor de Isaque, não estivesse comigo, certamente você me despediria de mãos vazias” (Gn 31.42).

Jacó sentia que Labão o tratava mal. Sua resposta, por meio de seus esquemas, foi fazer mais um inimigo, semelhante ao modo como explorou Esaú. Esse é um padrão que se repete na vida de Jacó. Parece que em qualquer coisa estava sempre jogando limpo e, embora ele ostensivamente desse o crédito a Deus, está claro que ele fazia essas coisas dando um jeitinho. Não vemos muita integração de sua fé com seu trabalho neste momento, e é interessante que, quando Hebreus reconhece Jacó como um homem de fé, menciona apenas seus atos no final de sua vida (Hb 11.21).

A transformação e a reconciliação de Jacó com Esaú (Gênesis 32—33)

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Depois de aumentar a tensão com o sogro e de uma separação nos negócios, na qual ambos agiram de forma menos que admirável, Jacó deixou Labão. Tendo obtido sua posição por meio do truque sujo de Labão, anos atrás, Jacó agora via uma oportunidade de legitimar sua posição, chegando a um acordo com seu irmão Esaú. Mas ele esperava que as negociações fossem tensas. Assolado pelo medo de que Esaú viesse ao encontro dele com seus quatrocentos homens armados, Jacó dividiu sua família e seus animais em dois grupos para ajudar a garantir alguma medida de sobrevivência. Ele orou por proteção e enviou uma enorme oferta de animais à sua frente para apaziguar Esaú antes do encontro. Mas, na noite anterior à sua chegada ao ponto de encontro, o trapaceiro Jacó foi visitado por uma figura sombria que o surpreendeu. O próprio Deus o atacou na forma de um homem forte, contra quem Jacó foi forçado a lutar a noite toda. Deus, ao que parece, não é apenas o Deus da adoração e da religião, mas o Deus do trabalho e dos empreendimentos familiares, e ele age na vida de um elemento sagaz como Jacó. Ele aproveitou sua vantagem a ponto de ferir permanentemente o quadril de Jacó, mas Jacó, em sua fraqueza, disse que não desistiria até que seu agressor o abençoasse.

Este se tornou o ponto de virada na vida de Jacó. Ele havia enfrentado anos de lutas com as pessoas, mas o tempo todo Jacó também vinha lutando em seu relacionamento com Deus. Aqui, ele finalmente conheceu Deus e recebeu sua bênção em meio à luta. Jacó recebeu um novo nome, Israel, e até renomeou o local para honrar o fato de que ali ele havia visto Deus face a face (Gn 32.30). O encontro com Esaú, que se esperava ser sinistro, aconteceu pela manhã e contradisse a expectativa temerosa de Jacó da maneira mais encantadora que se possa imaginar. Esaú correu até Jacó e o abraçou. Esaú graciosamente tentou recusar os presentes de Jacó, embora Jacó insistisse que ele os aceitasse. Jacó, transformado, disse a Esaú: “Ver a tua face é como contemplar a face de Deus” (Gn 33.10).

A identidade ambígua daquele que lutou com Jacó é uma característica deliberada da história. Ele destaca os elementos inseparáveis ​​da luta de Jacó tanto com Deus quanto com o homem. Jacó é um modelo para nós de uma verdade que está no centro de nossa fé: nossos relacionamentos com Deus e com as pessoas estão ligados. Nossa reconciliação com Deus torna possível nossa reconciliação com os outros. Da mesma forma, nessa reconciliação humana, passamos a ver e a conhecer melhor a Deus. O trabalho de reconciliação se aplica a famílias, amigos, igrejas, empresas e até grupos de pessoas e nações. Somente Cristo pode ser nossa paz, mas somos seus embaixadores para ela. Surgindo da promessa inicial de Deus a Abraão, essa é uma bênção que deve tocar o mundo inteiro.

José (Gênesis 37.2—50.26)

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Lembre-se de que Deus acompanhou seu chamado a Abraão com promessas fundamentais (Gn 12.2-3). Primeiro, Deus multiplicaria seus descendentes em um grande povo. Segundo, Deus o abençoaria. Terceiro, Deus tornaria o nome de Abraão grande, o que significa que Abraão seria digno de seu renome. Quarto, Abraão seria uma bênção. Este último item diz respeito às gerações futuras da família de Abraão e, além delas, a todas as famílias da terra. Deus abençoaria aqueles que abençoassem Abraão e amaldiçoaria aqueles que o amaldiçoassem. O livro de Gênesis traça o cumprimento parcial dessas promessas por meio das linhagens escolhidas dos descendentes de Abraão, Isaque, Jacó e dos filhos de Jacó. Entre todos eles, é em José que Deus cumpre mais diretamente sua promessa de abençoar as nações por meio do povo de Abraão. De fato, pessoas “de toda a terra” foram sustentadas pelo sistema alimentar que José administrava (Gn 41.57). José entendeu essa missão e articulou o propósito de sua vida de acordo com a intenção de Deus: que “fosse preservada a vida de muitos” (Gn 50.20).

José rejeitado e vendido como escravo por seus irmãos (Gênesis 37.2-36)

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Desde jovem, José acreditava que Deus o havia destinado para a grandeza. Em sonhos, Deus assegurou a José que ele alcançaria uma posição de liderança sobre seus pais e irmãos (Gn 37.5-11). Do ponto de vista de José, esses sonhos eram evidência da bênção divina, e não de sua própria ambição. Do ponto de vista de seus irmãos, no entanto, os sonhos foram outras manifestações do privilégio injusto que José desfrutou como filho favorito de seu pai, Jacó (Gn 37.3-4). Ter certeza de que estamos certos não nos absolve de ter empatia por outras pessoas que podem não compartilhar dessa mesma visão. Bons líderes se esforçam para promover a cooperação em vez da inveja. A falha de José em reconhecer isso o colocou em sérias desavenças com seus irmãos. Depois de inicialmente planejar um assassinato contra ele, seus irmãos decidiram vendê-lo a uma caravana de comerciantes que transportavam mercadorias de Canaã para o Egito. Os mercadores, por sua vez, venderam José a Potifar, que era “oficial do faraó e capitão da guarda” no Egito (Gn 37.36; 39.1).

As investidas da esposa de Potifar e a prisão de José (Gênesis 39.1-20)

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O período em que José esteve a serviço de Potifar deu a ele uma ampla gama de responsabilidades fiduciárias. A princípio, José estava apenas “na” casa de seu senhor. Não sabemos em que função ele serviu, mas, quando Potifar reconheceu a competência geral de José, ele o promoveu a seu mordomo pessoal e “e lhe confiou tudo o que possuía” (Gn 39.4).

Depois de um tempo, a esposa de Potifar se interessou sexualmente por José (Gn 39.7). A recusa de José aos avanços da esposa foi articulada e razoável. Ele a lembrou da ampla confiança que Potifar havia depositado nele e descreveu o relacionamento que ela buscava nos termos morais/religiosos como “algo perverso” e “pecado” (Gn 39.9). Ele era sensível tanto à dimensão social quanto a teológica. Além disso, ele ofereceu sua resistência verbal repetidamente e até evitou estar na presença dela. Quando assediado fisicamente, José optou por fugir seminu, em vez de se submeter.

O assédio sexual por parte dessa mulher ocorreu em uma relação de poder que desfavorecia José. Embora ela acreditasse que tinha o direito e o poder de usar José daquela maneira, suas palavras e suas investidas claramente não foram bem recebidas por ele. O trabalho de José exigia que ele estivesse em casa — onde ela ficava —, mas ele não podia chamar a atenção de Potifar para o assunto sem interferir em seu relacionamento conjugal. Mesmo após sua fuga e prisão por falsas acusações, José parece não ter tido nenhum recurso legal.

As facetas desse episódio tocam de perto nas questões do assédio sexual no ambiente de trabalho hoje. As pessoas têm padrões diferentes sobre o que conta como conversa e contato físico inadequados, mas os caprichos daqueles que estão no poder geralmente falam mais alto. Frequentemente, espera-se que os trabalhadores denunciem incidentes de assédio em potencial a seus superiores, mas muitas vezes relutam em fazê-lo, porque sabem do risco de ofuscação e retaliação. Para agravar isso, mesmo quando o assédio pode ser documentado, os trabalhadores podem sofrer por terem se apresentado. A piedade de José não o salvou de falsa acusação e prisão. Se nos encontrarmos em uma situação paralela, nossa piedade não é garantia de que escaparemos ilesos. Mas José deixou um testemunho educativo para a esposa de Potifar e, possivelmente, para outras pessoas da casa. Saber que pertencemos ao Senhor e que ele defende os fracos certamente nos ajudará a enfrentar situações difíceis sem desistir. Esta história é um reconhecimento realista de que enfrentar o assédio sexual no ambiente de trabalho pode ter consequências devastadoras. No entanto, é também uma história de esperança de que, pela graça de Deus, o bem possa enfim prevalecer na situação. José também fornece um modelo para nós para que, mesmo quando somos falsamente acusados ​​e tratados injustamente, continuamos com a obra que Deus nos deu, permitindo que Deus transforme o mal em bem no final.

José interpreta sonhos na prisão (Gênesis 39.20—40.23)

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O serviço de José na prisão foi marcado pela presença do Senhor, pelo favor do carcereiro e pela promoção de José à liderança (Gn 39.21-23). Na prisão, José conheceu dois oficiais do faraó que estavam encarcerados, o chefe dos copeiros e o chefe dos padeiros. Muitos textos egípcios mencionam o papel dos copeiros, que não apenas provavam o vinho para atestar a qualidade e para detectar veneno, mas também desfrutavam da proximidade com aqueles que detinham o poder político. Assim, frequentemente se tornavam confidentes e eram valorizados por seus conselhos (ver Ne 2.1-4). [1] Como os chefes dos copeiros, os chefes dos padeiros também eram funcionários de confiança que tinham livre acesso às pessoas dos mais altos escalões do governo e que podiam ter desempenhado funções que iam além da preparação de alimentos. [2] Na prisão, José fez o trabalho de interpretar sonhos para esses indivíduos com grandes conexões políticas.

Interpretar sonhos no mundo antigo era uma profissão sofisticada que envolvia “livros técnicos” sobre os sonhos, os quais listavam elementos dos sonhos e seus significados. Registros sobre a veracidade de sonhos passados ​​e suas interpretações forneciam evidências empíricas para apoiar as previsões do intérprete. [3] José, no entanto, não foi instruído nessa tradição e atribuiu a Deus o crédito por fornecer as interpretações que acabaram se mostrando verdadeiras (Gn 40.8). Nesse caso, o copeiro foi restaurado ao seu cargo anterior, onde prontamente se esqueceu de José.

A dinâmica presente nessa história ainda está presente nos dias de hoje. Podemos investir no sucesso de outra pessoa que está além de nosso alcance, apenas para sermos descartados quando não mais tivermos utilidade. Isso significa que nosso trabalho foi em vão e que seria melhor nos concentrarmos em nossa própria situação e promoção? Além disso, José não tinha como verificar de forma independente as histórias dos dois oficiais na prisão. “O primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione” (Pv 18.17). Após a sentença, no entanto, qualquer prisioneiro pode afirmar sua própria inocência.

Podemos ter dúvidas sobre como nosso investimento em outras pessoas pode, enfim, beneficiar a nós ou a nossa organização. Podemos nos perguntar sobre o caráter e os motivos das pessoas que ajudamos. Podemos desaprovar o que eles fazem depois e como isso pode se refletir em nós. Essas questões podem ser variadas e complexas. Exigem oração e discernimento, mas devem nos paralisar? O apóstolo Paulo escreveu: “Enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé” (Gl 6.10). Se firmarmos o compromisso de trabalhar para Deus acima de todos os outros, será mais fácil seguir em frente, acreditando que “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28).

José é promovido pelo faraó (Gênesis 41.1-45)

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Mais dois anos se passaram até José ganhar a oportunidade de ser libertado de seu sofrimento na prisão. O faraó estava tendo sonhos perturbadores, e o copeiro-mor lembrou-se da habilidade do jovem hebreu na prisão. Os sonhos do faraó com vacas e espigas de trigo confundiram seus conselheiros mais habilidosos. José testemunhou a capacidade de Deus de fornecer interpretações e seu próprio papel como mero mediador dessa revelação (Gn 41.16). Diante do faraó, José não usava o nome da aliança de Deus, exclusivo do seu próprio povo. Em vez disso, ele se referia a Deus regularmente usando o termo mais geral elohim. Ao fazer isso, José evitou cometer qualquer ofensa desnecessária, um ponto apoiado pelo fato de que o faraó creditou a Deus a revelação recebida por José com o significado de seus sonhos (Gn 41.39). No ambiente de trabalho, às vezes, os crentes podem dar crédito a Deus por seu sucesso de maneira superficial, o que acaba afastando as pessoas. A maneira de José fazer isso impressionou o faraó, mostrando que dar crédito a Deus publicamente pode ser feito de maneira crível.

A presença de Deus com José era tão óbvia que o faraó o promoveu a segundo em comando do Egito, especialmente para se encarregar dos preparativos para a fome que viria (Gn 41.37-45). A palavra de Deus a Abraão estava dando frutos: “Abençoarei os que o abençoarem... e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados” (Gn 12.3). Como José, quando confessamos nossa própria incapacidade de enfrentar os desafios que enfrentamos e encontramos maneiras apropriadas de atribuir o sucesso a Deus, forjamos uma defesa poderosa contra o orgulho que geralmente acompanha o reconhecimento público.

A promoção de José lhe trouxe acessórios significativos de liderança: um anel com o selo real e uma corrente de ouro, roupas finas apropriadas ao seu alto cargo, porte oficial, um novo nome egípcio e uma esposa egípcia de uma família de classe alta (Gn 41.41-45). Se alguma vez houve uma atração para deixar sua herança hebraica para trás, foi essa. Deus nos ajuda a lidar com o fracasso e a derrota, mas podemos precisar ainda mais de sua ajuda ao lidar com o sucesso. O texto apresenta várias indicações de como José lidou com sua promoção de maneira piedosa. Parte disso tinha a ver com a preparação de José antes de sua promoção.

De volta à casa de seu pai, os sonhos de liderança que Deus lhe deu convenceram José de que ele tinha um propósito e um destino divinamente ordenados, dos quais nunca se esqueceu. Sua natureza pessoal era basicamente confiar nas pessoas. Ele parece não ter rancor de seus irmãos ciumentos ou do esquecido copeiro. Antes de ser promovido pelo faraó, José sabia que o Senhor estava com ele e tinha evidências tangíveis para provar isso. Dar crédito repetidamente a Deus não era apenas a coisa certa a fazer, mas também lembrava o próprio José de que suas habilidades vinham do Senhor. José era cortês e humilde, e mostrou o desejo de fazer o que pudesse para ajudar o faraó e o povo egípcio. Mesmo quando os egípcios ficaram sem dinheiro e gado, José ganhou a confiança do povo egípcio e do próprio Faraó (Gn 41.55). Ao longo do resto de sua vida como administrador, José dedicou-se consistentemente a uma gestão eficaz para o bem dos outros.

A história de José até este ponto nos lembra que, em nosso mundo corrompido, a resposta de Deus às nossas orações não vem necessariamente de forma rápida. José tinha dezessete anos quando seus irmãos o venderam como escravo (Gn 37.2). Sua libertação final do cativeiro veio quando ele tinha trinta anos (Gn 41.46), treze longos anos depois.

José cria uma política e uma infraestrutura agrícola de longo prazo (Gênesis 41.46-57)

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José imediatamente começou a fazer o trabalho para o qual o faraó o havia designado. Seu principal interesse era fazer o trabalho para os outros, em vez de tirar vantagem pessoal de sua nova posição à frente da corte real. Ele manteve sua fé em Deus, dando a seus filhos nomes que creditavam a Deus a cura de sua dor emocional e o tornavam frutífero (Gn 41.51-52). Ele reconhecia que sua sabedoria e seu discernimento eram dons de Deus, mas, mesmo assim, ainda tinha muito a aprender sobre a terra do Egito, em particular sua indústria agrícola. Como administrador sênior, o trabalho de José abrangia quase todas as áreas práticas da vida da nação. Seu cargo teria exigido que ele aprendesse muito sobre legislação, comunicação, negociação, transporte, métodos seguros e eficientes de armazenamento de alimentos, construção, estratégias e previsões econômicas, manutenção de registros, folha de pagamento, manuseio de transações tanto por meio de moeda quanto por meio de troca, recursos humanos e aquisição de propriedades. Suas habilidades extraordinárias com relação a Deus e às pessoas não operavam em domínios separados. A genialidade do sucesso de José estava na integração eficaz de seus dons divinos e das competências adquiridas. Para José, tudo isso era um trabalho piedoso.

Faraó já havia caracterizado José como alguém “criterioso e sábio” (Gn 41.39), e essas características permitiram a José fazer o trabalho de planejamento estratégico e administração. As palavras hebraicas para sábio e sabedoria (hakham e hokhmah) denotam um alto nível de percepção mental, mas também são usados ​​para uma ampla gama de habilidades práticas, incluindo artesanato em madeira, pedras preciosas e metal (Êx 31.3-5; 35.31-33), alfaiataria (Êx 28.3; 35.26,35), bem como administração (Dt 34.9; 2Cr 1.10) e justiça legal (1Rs 3.28). Essas habilidades também são encontradas entre os incrédulos, mas os sábios da Bíblia desfrutam da bênção especial de Deus, que pretende que Israel mostre os caminhos de Deus às nações (Dt 4.6).

Como seu primeiro ato, José “foi percorrer todo o Egito” (Gn 41.46) em uma viagem de inspeção. Ele teria de se familiarizar com as pessoas que administravam a agricultura, a localização e as condições dos campos, as plantações, as estradas e os meios de transporte. É inconcebível que José pudesse ter feito tudo isso em um nível pessoal. Ele teria de estabelecer e supervisionar o treinamento do que equivalia a um Ministério da Agricultura. Durante os sete anos de colheita abundante, José guardou os grãos nas cidades (Gn 41.48-49). Durante os sete anos de vacas magras que se seguiram, José distribuiu grãos aos egípcios e a outras pessoas que foram afetadas pela fome generalizada. Criar e administrar tudo isso, enquanto sobrevivia à intriga política de uma monarquia absoluta, exigia um talento excepcional.

José alivia a pobreza do povo do Egito (Gênesis 47: 13-26)

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Depois que o povo ficou sem dinheiro, José permitiu que eles trocassem seu gado por comida. Esse plano durou um ano, durante o qual José reuniu cavalos, ovelhas, cabras, gado e jumentos (Gn 47.15-17). Ele teria de determinar o valor desses animais e estabelecer um sistema equitativo de troca. Quando a comida é escassa, as pessoas ficam especialmente preocupadas com a sobrevivência de si mesmas e de seus entes queridos. Garantir acesso a pontos de distribuição de alimentos e tratar as pessoas com imparcialidade tornam-se questões administrativas extremamente importantes.

Quando todo o gado foi comercializado, as pessoas voluntariamente se venderam como escravos ao faraó e venderam a ele também a propriedade de suas terras (Gn 47.18-21). Da perspectiva da liderança, deve ter sido horrível testemunhar isso. José, no entanto, permitiu que o povo vendesse suas terras e se sujeitasse à servidão, mas não se aproveitou de sua impotência. José teria de cuidar para que essas propriedades fossem avaliadas corretamente em troca de sementes para plantar (Gn 47.23). Ele promulgou uma lei duradoura, determinando que as pessoas devolvessem 20% da colheita ao faraó. Isso implicou na criação de um sistema para monitorar e fazer cumprir a lei pelo povo e o estabelecimento de um departamento dedicado a administrar a receita. Em tudo isso, José isentou as famílias sacerdotais de vender suas terras, porque o faraó lhes forneceu uma porção fixa de alimentos para atender adequadamente às suas necessidades (Gn 47.22,26). Lidar com essa população especial implicaria ter um sistema de distribuição menor e distinto, feito sob medida para ela.

A pobreza e suas consequências são realidades econômicas. Nosso primeiro dever é ajudar a eliminá-las, mas não podemos esperar sucesso completo até que o Reino de Deus seja cumprido. Os crentes podem não ter o poder de eliminar as circunstâncias que exigem que as pessoas façam escolhas difíceis, mas podemos encontrar maneiras de apoiá-las enquanto elas — ou talvez nós mesmos — lidam com isso. Escolher o menor dos dois males pode ser uma decisão necessária e pode ser emocionalmente devastador. Em nosso trabalho, podemos experimentar tensão decorrente de sentir empatia pelos necessitados, mas ter a responsabilidade de fazer o que é bom para as pessoas e organizações para as quais trabalhamos. José experimentou a orientação de Deus nessas tarefas difíceis, e também recebemos a promessa de Deus: “Nunca o deixarei, nunca o abandonarei” (Hb 13.5).

Felizmente, ao aplicar a habilidade e a sabedoria que Deus lhe deu, José conseguiu fazer com que o Egito enfrentasse a catástrofe agrícola. Quando chegaram os sete anos de boas colheitas, José desenvolveu um sistema de armazenamento de grãos que seriam usados durante a seca que viria. Quando os sete anos de seca chegaram, “José mandou abrir os locais de armazenamento” (Gn 41.56) e forneceu comida suficiente para ajudar a nação a passar pelo momento de fome. Sua sábia estratégia e implementação eficaz do plano permitiram que o Egito fornecesse grãos para o resto do mundo durante a fome (Gn 41.57). Nesse caso, o cumprimento da promessa divina de que os descendentes de Abraão seriam uma bênção para o mundo ocorreu não apenas em benefício de nações estrangeiras, mas até mesmo por meio da atividade de uma nação estrangeira, o Egito.

De fato, a bênção de Deus para o povo de Israel veio somente depois e por meio de sua bênção aos estrangeiros. Deus não levantou um israelita na terra de Israel para prover alívio a Israel durante a fome. Em vez disso, Deus permitiu que José, trabalhando no governo egípcio e por meio dele, suprisse as necessidades do povo de Israel (Gn 47.11-12). No entanto, não devemos idealizar José. Como funcionário em uma sociedade às vezes repressiva, ele se tornou parte da estrutura de poder e impôs pessoalmente a escravidão a um número incontável de pessoas (Gn 47.21).

Aplicações da experiência de gestão de José (Gênesis 41.46-57; 47.13-26)

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O interesse de Gênesis na gestão de José para a crise alimentar está mais em seu efeito sobre a família de Israel do que no desenvolvimento de princípios para uma gestão eficaz. No entanto, na medida em que a liderança extraordinária de José pode servir de exemplo para os líderes de hoje, podemos extrair algumas aplicações práticas de seu trabalho:

1. Familiarize-se o mais possível com a situação atual, no início de seu serviço.

2. Ore por discernimento em relação ao futuro, para que possa fazer planos sábios.

3. Comprometa-se primeiro com Deus e depois espere que ele dirija e estabeleça seus planos.

4. Reconheça com gratidão e de forma adequada os dons que Deus lhe deu.

5. Mesmo que os outros reconheçam a presença de Deus em sua vida e os talentos especiais que você tem, não use isso para se autopromover e ganhar respeito.

6. Busque conhecimento sobre como fazer seu trabalho e faça-o com excelência.

7. Busque o bem prático para os outros, sabendo que Deus o colocou onde você deve ser uma bênção.

8. Seja justo em todos os seus relacionamentos, especialmente quando as circunstâncias forem sombrias e profundamente problemáticas.

9. Embora seu serviço exemplar possa impulsioná-lo a uma posição de destaque, lembre-se de sua missão inicial como servo de Deus. Sua vida não consiste no que você ganha para si mesmo.

10. Valorize a piedade dos inúmeros tipos de trabalho honroso de que a sociedade precisa.

11. Estenda generosamente o fruto de seu trabalho o mais amplamente possível àqueles que realmente precisam, independentemente do que você pensa deles como indivíduos.

12. Aceite o fato de que Deus pode levá-lo a um campo específico de trabalho sob condições extremamente desafiadoras. Isso não significa que algo deu terrivelmente errado ou que você está fora da vontade de Deus.

13. Tenha coragem, pois Deus o capacitará para a tarefa.

14. Aceite o fato de que, às vezes, as pessoas precisam escolher o que consideram melhor entre duas situações muito desagradáveis, mas inevitáveis.

15. Acredite que o que você faz não apenas beneficiará aqueles que vê e conhece, mas também que seu trabalho tem o potencial de tocar vidas por muitas gerações. Deus é capaz de realizar muito mais do que podemos pedir ou imaginar (Ef 3.20).

José lida com seus irmãos (Gênesis 42—43)

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Em meio à crise no Egito, os irmãos de José chegaram de Canaã, procurando comprar comida, pois a fome também afetava severamente sua terra. Eles não reconheceram José, e ele também não se revelou a eles. Ele lidava com seus irmãos em grande parte por meio da linguagem do comércio. A palavra prata (kesef) aparece vinte vezes nos capítulos 42 a 45 e a palavra para grão (shever) aparece dezenove anos. O comércio dessa mercadoria forneceu a estrutura na qual a intrincada dinâmica pessoal se sustentou.

O comportamento de José nessa situação foi bastante perspicaz. Primeiro, ele ocultou sua identidade de seus irmãos, o que — embora necessariamente não tenha sido uma completa enganação (hebraico mirmah, como aconteceu com Jacó em Gn 27.35) — certamente ainda era menos do que franqueza. Em segundo lugar, ele falou duramente com seus irmãos, usando acusações que sabia serem infundadas (Gn 42.7.9,14,16; 44.3-5). Em resumo, José aproveitou-se de seu poder para lidar com um grupo que ele sabia não ser digno de confiança, por causa do tratamento anterior que tinham dado a ele. [1] Sua motivação era discernir o caráter atual das pessoas com quem estava lidando. Ele havia sofrido muito nas mãos deles mais de vinte anos antes e tinha todos os motivos para desconfiar de suas palavras, ações e compromisso com a família.

Os métodos de José beiravam a enganação. Ele reteve informações críticas e manipulou acontecimentos de várias maneiras. José atuou no papel de um investigador conduzindo um interrogatório difícil. Ele não poderia proceder com total transparência e esperar obter deles informações confiáveis. O conceito bíblico para essa tática é astúcia. A astúcia pode ser exercida para o bem ou para o mal. Por um lado, a serpente era “o mais astuto de todos os animais selvagens” (Gn 3.1) e empregou métodos astutos para propósitos desastrosamente malignos. A palavra hebraica para “astuto” (ormah e cognatos) também é traduzida como “prudente” ou “sábio” (Pv 12.23; 13.16; 14.8; 22.3; 27.12), indicando que podem ser necessárias perspicácia e habilidade para tornar possível o trabalho piedoso em contextos difíceis. O próprio Jesus aconselhou seus discípulos a serem “astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mt 10.16). A Bíblia frequentemente elogia a astúcia (ou prudência) na busca de propósitos nobres (Pv 1.4; 8.5,12).

A astúcia de José teve o efeito pretendido de testar a integridade de seus irmãos, e eles devolveram a prata que José havia secretamente colocado na bagagem (Gn 43.20-21). Quando ele os testou ainda mais, tratando o mais novo, Benjamim, com mais generosidade do que os outros, eles provaram que aprenderam a não entrar em animosidade entre si, como fizeram quando venderam José como escravo.

Seria superficial ler nas ações de José a afirmação de que pensar que você está do lado de Deus é sempre uma justificativa para o engano. Mas a longa carreira de serviço de José e o sofrimento como servo de Deus deram a ele uma compreensão mais profunda da situação do que seus irmãos. Aparentemente, a promessa de que Deus os transformaria em um grande povo estava em jogo. José sabia que não estava em seu poder humano salvá-los, mas aproveitou a autoridade e a sabedoria que Deus lhe deu para servir e ajudar. Dois fatores importantes diferenciam José ao tomar a decisão de usar meios que, de outra forma, não seriam louváveis. Primeiro, ele não ganhou nada com essas artimanhas para si mesmo. Ele havia recebido uma bênção de Deus e suas ações estavam exclusivamente a serviço de tornar-se uma bênção para os outros. Ele poderia ter explorado a situação desesperadora de seus irmãos e cobrado, com rancor, uma quantia maior de prata, sabendo que eles teriam dado qualquer coisa para sobreviver. Em vez disso, ele usou o conhecimento para salvá-los. Segundo, suas ações eram necessárias para que ele pudesse oferecer as bênçãos. Se ele tivesse lidado com seus irmãos mais abertamente, não poderia ter testado a confiabilidade deles no assunto.

A transformação de Judá em um homem de Deus (Gênesis 44.1—45.15)

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No episódio final do teste de José para com seus irmãos, José acusou Benjamim de um crime imaginário e, como compensação, o sentenciou a ser escravo. Quando exigiu que os irmãos voltassem para casa, ao seu pai Jacó, sem Benjamim (Gn 44.17), Judá se levantou como porta-voz do grupo. O que lhe deu a posição para assumir esse papel? Ele havia se afastado de sua família ao casar com uma cananeia (Gn 38.2); havia criado filhos tão perversos que o Senhor matou dois deles (Gn 38.7,10); tratou sua nora como uma prostituta (Gn 38.24); e foi ele quem elaborou o plano de vender seu próprio irmão como escravo (Gn 37.27). Mas a história que Judá contou a José mostrou um homem transformado. Ele demonstrou uma compaixão inesperada ao contar sobre a dolorosa experiência de fome da família, sobre o amor eterno de seu pai por Benjamim e sobre a promessa que Judá fez a seu pai de que traria Benjamim de volta para casa, para que Jacó não morresse literalmente de tristeza. Então, em uma expressão máxima de compaixão, Judá se ofereceu para ficar no lugar de Benjamim! Ele propôs que ele mesmo fosse mantido no Egito pelo resto da vida como escravo do governador, se o governador permitisse que Benjamim voltasse para casa, para junto de seu pai (Gn 44.33-34).

Vendo a mudança em Judá, José foi capaz de abençoá-los como Deus pretendia. Ele lhes revelou toda a verdade: “Eu sou José!” (Gn 45.3). Parece que José finalmente viu que seus irmãos eram confiáveis. Em nossos próprios relacionamentos com aqueles que nos exploram e nos enganam, devemos andar com cuidado, para sermos astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas, como Jesus instruiu os discípulos (Mt 10.16). Como disse um escritor: “A confiança requer confiabilidade”. Todo o planejamento que José havia feito em suas discussões com seus irmãos atingiu esse ponto culminante, permitindo que ele entrasse em um relacionamento correto com eles. Ele acalmou seus irmãos aterrorizados, apontando para a obra de Deus, que foi responsável por colocar José no comando de todo o Egito (Gn 45.8). Waltke explica a importância da interação entre José e seus irmãos:

Essa cena expõe a anatomia da reconciliação. Trata-se de lealdade a um membro da família necessitado, mesmo quando este parece culpado; dando glória a Deus ao assumir o pecado e suas consequências; ignorando o favoritismo; oferecendo-se para salvar o outro; demonstrando amor verdadeiro por meio de atos concretos de sacrifício que criam um contexto de confiança; descartando o controle e o poder do conhecimento em favor da intimidade; abraçando profunda compaixão, sentimentos ternos, sensibilidade e perdão; e conversando entre si. Uma família disfuncional que permite que essas virtudes a adotem se tornará uma luz para o mundo. [1]

Deus é mais do que capaz de trazer suas bênçãos ao mundo por meio de pessoas profundamente falhas. Mas devemos estar dispostos a nos arrepender continuamente do mal que praticamos e nos voltar para Deus em busca de transformação, mesmo que nunca sejamos perfeitamente purificados de nossos erros, fraquezas e pecados nesta vida.

Ao contrário dos valores das sociedades ao redor de Israel, a disposição dos líderes de se oferecerem em sacrifício pelos pecados dos outros deveria ser um traço característico da liderança entre o povo de Deus. Moisés mostraria isso quando Israel pecou em relação ao bezerro de ouro. Ele orou: “Ah, que grande pecado cometeu este povo! Fizeram para si deuses de ouro. Mas agora, eu te rogo, perdoa-lhes o pecado; se não, risca-me do teu livro que escreveste” (Êx 32.31-32). Davi mostraria isso quando visse o anjo do Senhor ferindo o povo. Ele orou: “O que eles fizeram? Que o teu castigo caia sobre mim e sobre a minha família!” (2Sm 24.17). Jesus, o Leão da tribo de Judá, demonstrou isso quando disse: “Por isso é que meu Pai me ama, porque eu dou a minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha espontânea vontade” (Jo 10.17-18).

A mudança da família de Jacó para o Egito (Gênesis 45.16—47.12)

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José e o faraó generosamente deram aos irmãos de José “o melhor de todo o Egito” (Gn 45.20) e providenciaram para eles o retorno a Canaã e o transporte da família. Esse final aparentemente feliz, no entanto, tem um lado sombrio. Deus havia prometido a Abraão e seus descendentes a terra de Canaã, não o Egito. Muito depois que José saiu de cena, o relacionamento do Egito com Israel passou de hospitalidade para hostilidade. Visto dessa maneira, como a benevolência de José para com a família pode se encaixar em seu papel como mediador das bênçãos de Deus para todas as famílias da terra (Gn 12.3)? José era um homem perspicaz, que planejava o futuro e cumpriu a porção da bênção de Deus que lhe havia sido designada. Mas Deus não lhe revelou o futuro surgimento de um “um novo rei, que nada sabia sobre José” (Êx 1.8). Cada geração precisa permanecer fiel a Deus e receber as bênçãos de Deus em seu próprio tempo. Lamentavelmente, os descendentes de José esqueceram as promessas de Deus e caíram na infidelidade. No entanto, Deus não se esqueceu de sua promessa a Abraão, Isaque, Jacó e seus descendentes. Entre seus descendentes, Deus levantaria novos homens e mulheres para transmitir as bênçãos prometidas por ele.

Deus fez tudo para o bem (Gênesis 50.15-21)

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As palavras penitentes dos irmãos levaram José a um dos melhores pontos teológicos de sua vida e, de fato, de grande parte de Gênesis. Ele lhes disse que não tivessem medo, pois ele não se vingaria por ter sido maltratado por eles. “Vocês planejaram o mal contra mim”, disse ele, “mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos” (Gn 50.20-21). A referência de José a “muitos” ecoa a promessa da aliança de Deus de abençoar “todos os povos da terra” (Gn 12.3). Do nosso ponto de vista de hoje, podemos ver que Deus enviou muito mais bênçãos do que José jamais poderia ter pedido ou imaginado (ver Ef 3.20).

A obra de Deus em José e por meio dele tinha um valor real, prático e sério — preservar vidas. Se tivermos a impressão de que Deus nos quer no ambiente de trabalho apenas para que possamos falar aos outros sobre ele, ou se tivermos a impressão de que a única parte de nosso trabalho que importa para Deus é construir relacionamentos, o trabalho de José diz o contrário. As coisas que fazemos em nosso trabalho são cruciais para Deus e para outras pessoas. Às vezes, isso é verdade porque nosso trabalho é parte de um todo maior e perdemos de vista o resultado do trabalho. José adotou uma perspectiva mais ampla de seu trabalho e não desanimou com seus inevitáveis ​​altos e baixos.

Isso não quer dizer que os relacionamentos no trabalho também não sejam da maior importância. Talvez os cristãos tenham o dom especial de oferecer perdão às pessoas no ambiente de trabalho. A garantia de José a seus irmãos é um modelo de perdão. Seguindo a instrução de seu pai, José perdoou seus irmãos e, assim, os libertou verbalmente da culpa. Mas seu perdão — como todo perdão verdadeiro — não foi apenas verbal. José usou os extensos recursos do Egito, que Deus havia colocado sob seu controle, para apoiá-los materialmente, a fim de que pudessem prosperar. Ele reconheceu que julgar não era seu papel. “Estaria eu no lugar de Deus?” (Gn 50.19). Ele não usurpou o papel de Deus como juiz, mas ajudou seus irmãos a se conectarem com Deus, que os salvou.

O relacionamento que José tinha com seus irmãos era tanto familiar quanto econômico. Não há limites claramente definidos entre essas áreas; o perdão é apropriado para ambos. Podemos ser tentados a pensar que nossos valores religiosos mais caros devem funcionar principalmente em esferas claramente religiosas, como a igreja local. É claro que grande parte de nossa vida profissional ocorre na esfera pública, e devemos respeitar o fato de que outras pessoas não compartilham nossa fé cristã. Mas a divisão clara da vida em compartimentos separados rotulados como “sagrado” e “secular” é algo estranho à cosmovisão das Escrituras. Não é sectário, então, afirmar que o perdão é uma prática sólida no ambiente de trabalho.

Sempre haverá muita mágoa e dor na vida. Nenhuma empresa ou organização está imune a isso. Seria ingênuo supor, em geral, que ninguém pretende deliberadamente causar danos com o que diz ou faz. Assim como José reconheceu que as pessoas realmente queriam prejudicá-lo, podemos fazer o mesmo. Mas, na mesma frase, reside a verdade maior sobre a intenção de Deus para o bem. Recordar aquele momento em que nos sentimos magoados nos ajuda a suportar a dor e a nos identificar com Cristo.

José se via como um agente de Deus que era um instrumento para efetuar a obra de Deus com seu povo. Ele conhecia o mal que as pessoas eram capazes de fazer e aceitava que, às vezes, as pessoas são seus piores inimigos. Ele conhecia as histórias familiares de fé misturada com dúvida, de serviço fiel misturado com autopreservação, de verdade e mentira. Ele também sabia das promessas que Deus fez a Abraão, do compromisso de Deus de abençoar essa família e da sabedoria de Deus ao trabalhar com seu povo, à medida que os refinava por meio do fogo da vida. Ele não disfarçou os pecados deles; em vez disso, ele os absorveu em sua consciência da grande obra de Deus. Nossa consciência do sucesso inevitável e providencial das promessas de Deus faz nosso trabalho valer a pena, não importa o custo para nós.

Das muitas lições sobre o trabalho no livro de Gênesis, esta em particular perdura e até explica a própria redenção — a crucificação do Senhor da glória (1Co 2.8-10). Nosso ambiente de trabalho fornece contextos nos quais nossos valores e nosso caráter são trazidos à luz, à medida que tomamos decisões que afetam a nós mesmos e às pessoas ao nosso redor. Em seu poder sábio, Deus é capaz de trabalhar com nossa fidelidade, consertar nossas fraquezas e forjar nossas falhas para realizar o que ele mesmo preparou para nós, que o amamos.

Conclusões de Gênesis 12—50

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Gênesis 12—50 conta a história das três primeiras gerações da família por meio da qual Deus escolheu trazer suas bênçãos ao mundo inteiro. Não tendo qualquer poder, posição, riqueza, fama, habilidade ou superioridade moral em particular, eles aceitaram seu chamado para confiar que Deus iria prover para eles e cumprir a grande visão que tinha para eles. Embora Deus tenha se mostrado fiel em todos os sentidos, a fidelidade deles era frequentemente irregular, tímida, tola e precária. Eles provaram ser tão disfuncionais quanto qualquer família, mas mantiveram a semente da fé que foi colocada neles — ou pelo menos continuaram retornando a ela. Funcionando em um mundo decaído, cercado por pessoas e poderes hostis, pela fé eles invocaram bênçãos “com respeito ao futuro deles” (Hb 11.20) e viveram de acordo com as promessas de Deus. “Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, e lhes preparou uma cidade” (Hb 11.16), a mesma cidade em que também trabalhamos como seguidores de “Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1.1).

Versículos e temas-chave em Gênesis 12—50

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Versículo

Tema

Gênesis 12.1-4a Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”. Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor...

A bênção de Deus não se limita ao benefício próprio. Seu propósito é permitir que seu povo seja uma bênção para os outros.

Uma fé bíblica sólida não é um mero sentimento; é uma resposta ativa à palavra divina.

Gênesis 13.2 Abrão tinha enriquecido muito, tanto em gado como em prata e ouro.

A riqueza não é necessariamente uma prova do favor de Deus ou uma recompensa por nosso comportamento moral, mas, quando Deus dá riqueza, devemos considerar como ela pode ser usada para abençoar outros.

Gênesis 13.8-9 Então Abrão disse a Ló: “Não haja desavença entre mim e você, ou entre os seus pastores e os meus; afinal somos irmãos! Aí está a terra inteira diante de você. Vamos separar-nos. Se você for para a esquerda, irei para a direita; se for para a direita, irei para a esquerda”.

A generosidade pode ir além de dar algumas de nossas coisas. Dar aos outros um papel ativo na tomada de decisões mostra nosso respeito por eles, bem como nossa confiança no cuidado de Deus por nós.

Gênesis 14.22-23 Mas Abrão respondeu ao rei de Sodoma: “De mãos levantadas ao Senhor, o Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra, juro que não aceitarei nada do que lhe pertence, nem mesmo um cordão ou uma correia de sandália, para que você jamais venha a dizer: ‘Eu enriqueci Abrão’”.

A fim de anular uma reivindicação que outros possam pensar que têm sobre nós, os crentes podem voluntariamente renunciar ao que é seu por direito, em nome dos propósitos de Deus.

Gênesis 15.1 Depois dessas coisas o Senhor falou a Abrão numa visão: “Não tenha medo, Abrão! Eu sou o seu escudo; grande será a sua recompensa!”.

A confiança no compromisso da aliança de Deus conosco é um antídoto poderoso para o medo e a incerteza.

Gênesis 18.3-5 Disse ele: “Meu senhor, se mereço o seu favor, não passe pelo seu servo sem fazer uma parada. Mandarei buscar um pouco d’água para que lavem os pés e descansem debaixo desta árvore. Vou trazer-lhes também o que comer, para que recuperem as forças e prossigam pelo caminho, agora que já chegaram até este seu servo”.

A hospitalidade pode ter um custo pessoal, mas fornece um contexto para cultivar relacionamentos e acolhe a presença de Deus.

Gênesis 18.19 “Pois eu [O Senhor] o escolhi, para que ordene aos seus filhos e aos seus descendentes que se conservem no caminho do Senhor, fazendo o que é justo e direito, para que o Senhor faça vir a Abraão o que lhe prometeu”.

Seguir o caminho de Deus exige uma fé pública, por meio da qual os crentes trabalham ativamente pelo que é certo e justo, tanto agora quanto para as gerações futuras.

Gênesis 23.16 Abraão concordou com Efrom e pesou-lhe o valor por ele estipulado diante dos hititas: quatrocentas peças de prata, de acordo com o peso corrente entre os mercadores.

Os crentes podem optar por honrar a Deus fazendo negócios de maneira contrária ao costume aceito (como no caso de uma barganha encenada).

Gênesis 24.12 Então orou: “Senhor, Deus do meu senhor Abraão, dá-me neste dia bom êxito e seja bondoso com o meu senhor Abraão”.

Os crentes com responsabilidades fiduciárias servem àqueles que os comissionam, dependendo do poder de Deus e trabalhando para a glória de Deus.

Gênesis 32.26 Jacó lhe respondeu: “Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes”.

Em contraste com o uso de medidas desesperadas para alcançar o que queremos para nós mesmos, os crentes reconhecem que as bênçãos de Deus são dádivas da graça a serem recebidas.

Gênesis 33.10 Jacó insistiu: “Não! Se te agradaste de mim, aceita este presente de minha parte, porque ver a tua face é como contemplar a face de Deus; além disso, tu me recebeste tão bem!”

O trabalho de reconciliação pode ser mais difícil para aqueles de quem estamos mais próximos, mas, como Cristo é nossa paz, podemos promover a reconciliação em todo o mundo.

Gênesis 37.5 Certa vez, José teve um sonho e, quando o contou a seus irmãos, eles passaram a odiá-lo ainda mais.

Ciúme, inveja e acusações falsas são obstáculos terríveis, mas Deus chama seu povo para uma confiança paciente e ativa no que Deus disse que faria.

Gênesis 39.3-4 Quando este percebeu que o Senhor estava com ele e que o fazia prosperar em tudo o que realizava, agradou-se de José e tornou-o administrador de seus bens. Potifar deixou a seu cuidado a sua casa e lhe confiou tudo o que possuía.

Gênesis 41.39-40 Disse, pois, o faraó a José: “Uma vez que Deus lhe revelou todas essas coisas, não há ninguém tão criterioso e sábio como você. Você terá o comando de meu palácio, e todo o meu povo se sujeitará às suas ordens. Somente em relação ao trono serei maior que você”.

Saber que Deus colocou os crentes onde ele quer que eles estejam permite que estes sirvam fielmente, independentemente do destaque e da fama que possam vir com o trabalho.

Gênesis 39.8-9 Mas ele [José] se recusou e lhe disse: “Meu senhor não se preocupa com coisa alguma de sua casa, e tudo o que tem deixou aos meus cuidados. Ninguém desta casa está acima de mim. Ele nada me negou, a não ser a senhora, porque é a mulher dele. Como poderia eu, então, cometer algo tão perverso e pecar contra Deus?”

O povo de Deus tem uma dupla responsabilidade, pois trabalham diretamente para empregadores humanos e, em última análise, para o próprio Deus.

A piedade pessoal não garante necessariamente que os crentes sempre escaparão de tratamentos injustos.

Gênesis 41.16 Respondeu-lhe José: “Isso não depende de mim, mas Deus dará ao faraó uma resposta favorável”.

Os crentes devem dar crédito a Deus por suas habilidades, mas devem estar cientes de quais atitudes são apropriadas no ambiente de trabalho, onde as pessoas não compartilham a mesma fé.

Gênesis 44.32 “Além disso, teu servo garantiu a segurança do jovem a seu pai, dizendo-lhe: Se eu não o trouxer de volta, suportarei essa culpa diante de ti pelo resto da minha vida!”.

Em circunstâncias extremas, um líder piedoso pode precisar fazer caros sacrifícios pessoais para honrar suas promessas e proteger os fracos.

Gênesis 50.20 [José disse a seus irmãos:] “Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos”.

Quando o perdão se torna um estilo de vida, é muito mais fácil olhar além das ofensas pessoais e apreciar o que Deus está fazendo a longo prazo.