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Cântico dos Cânticos e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Song of songs bible commentary

Introdução a Cântico dos Cânticos

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O Cântico dos Cânticos, também conhecido como Cantares de Salomão, é uma poesia de amor. No entanto, é também uma representação profunda do significado, do valor e da beleza do trabalho. O livro retrata dois amantes que namoram, depois se casam e então trabalham juntos em uma imagem ideal de vida, família e trabalho. Trataremos de temas como dificuldade, beleza, diligência, prazer, paixão, família e alegria, conforme descritos na grande variedade de trabalhos vistos em Cântico dos Cânticos.

No mundo antigo, toda a poesia era cantada, e Cântico dos Cânticos é, de fato, a letra de uma coleção de canções. Foi executada por um grupo de cantores que consiste de um protagonista masculino, um protagonista feminino e um coro. Cântico dos Cânticos provavelmente deve ser pensado como uma peça de concerto criada para um público aristocrático na corte de Salomão. Ele tem fortes analogias com as canções de amor do antigo Egito, que também eram destinadas a esse público e que foram compostas nos séculos anteriores à era de Salomão. [1] As letras da poesia egípcia, embora em muitos aspectos fossem bastante semelhantes às de Cântico dos Cânticos, são bastante alegres e muitas vezes se concentram no êxtase e nas aflições de jovens amantes. A letra de Cântico dos Cânticos, no entanto, não é irreverente ou casual, mas profunda e teológica, e provoca uma reflexão séria, incluindo uma reflexão sobre o trabalho.

Existem inúmeras interpretações de Cântico dos Cânticos [2], mas vamos abordar o livro como uma coleção de canções que se concentram no amor entre um homem e uma mulher. Esse é o sentido claro do texto. É a maneira mais frutífera de analisar os significados que realmente surgem do texto, em vez de impor algo a ele. A poesia de amor celebra a beleza de um casamento e a alegria do amor entre homem e mulher.

A dificuldade e a beleza do trabalho (Cântico dos Cânticos 1.1-8)

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O livro começa com a mulher falando de seu amor por seu homem e, no decorrer disso, ela fala de como sua pele escureceu porque seus irmãos a fizeram trabalhar na vinha da família (Ct 1.6). Nesta canção sobre o amor, o trabalho é mencionado apenas a partir do sexto verso. No mundo antigo, as pessoas tendiam a menosprezar a pele escura não por razões raciais, mas por razões econômicas: pele escura significava que alguém estava na classe camponesa e tinha de trabalhar ao sol. A pele clara significava que alguém estava na aristocracia e, portanto, a pele pálida (não a pele bronzeada!) era especialmente valorizada como uma marca de beleza nas mulheres. Mas aqui, o trabalho árduo da mulher realmente não diminuiu sua beleza (Ct 1.5: “Estou escura, mas sou bela” [1]). Além disso, seu trabalho a preparou para o futuro, quando ela cuidará de sua própria vinha (Ct 8.12). Uma mulher que trabalha com as mãos pode não ser uma aristocrata, mas é linda e digna de elogios.

A beleza do trabalho e das pessoas que trabalham é frequentemente ofuscada por noções concorrentes de beleza. O mundo grego, cuja influência ainda está profundamente presente na cultura contemporânea, via o trabalho como inimigo da beleza. Mas a perspectiva bíblica é que o trabalho tem uma beleza intrínseca. Salomão constrói para si uma liteira (ou palanquim, que é um assento carregado por meio de varas) e os Cânticos exaltam a beleza da obra. É literalmente um trabalho de amor (Ct 3.10). Ele usa a beleza desta obra a serviço do amor — transportando a pessoa amada para seu casamento (Ct 3.11) — mas a obra já era bela por si só. O trabalho não é apenas um meio para um fim — transporte, colheita ou salário — mas uma fonte de criatividade estética. E os crentes são encorajados a ver e louvar a beleza no trabalho dos outros — incluindo o dos cônjuges.

Diligência (Cântico dos Cânticos 1.7-8)

A mulher procura seu amado, a quem considera o melhor dos homens. Seus amigos lhe dizem que o lugar óbvio para encontrá-lo é no trabalho, onde ele cuida das ovelhas. No entanto, seu trabalho é organizado de forma a possibilitar a interação com sua amada. Não há noção de que o tempo de trabalho pertence ao empregador, enquanto o tempo livre pertence à família. Talvez a realidade do trabalho moderno torne impossível, em muitos casos, a interação familiar no trabalho. Os caminhoneiros não devem enviar mensagens de texto para suas famílias enquanto dirigem, e os advogados não devem receber a visita de seus cônjuges durante as alegações finais. Mas talvez não seja totalmente ruim que a separação entre trabalho e família, que surgiu com o sistema fabril no século 19, esteja começando a desaparecer em muitos setores.

Quando o trabalho é um prazer (Cântico dos Cânticos 1.9—2.17)

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Em Cântico dos Cânticos 1.9—2.7, o homem e a mulher cantam sobre sua devoção um ao outro. Ele fala de como ela é linda, e ela proclama como está feliz no amor. Então, em Cântico dos Cânticos 2.8–17, eles cantam as glórias da chegada da primavera, e ele a convida a ir embora com ele. Isso está no contexto da economia agrícola do antigo Israel, e uma viagem ao campo na primavera não é simplesmente um piquenique. Envolve trabalho. Especificamente, a poda deve ser feita para garantir uma boa colheita (Ct 2.12-13; “o tempo de cantar” também pode ser traduzido como “o tempo de poda”, como diz a nota textual da NVI). Além disso, Cântico dos Cânticos 2.15 diz que as raposas, animais que gostam de comer uvas jovens, devem ser mantidas longe das vinhas, para que não estraguem a colheita. Mas o homem e a mulher têm corações leves. Eles transformam essa tarefa em um jogo, afugentando as “raposas”. Seu trabalho é tão receptivo a jogos de amor que leva ao duplo sentido: “nossas vinhas estão floridas”. Essa imagem gloriosa da vida agrícola na primavera remonta ao Jardim do Éden, onde cuidar das plantas deveria ser um prazer. Gênesis 3.17–19 nos diz que, por causa do pecado, esse trabalho se tornou enfadonho. Mas esse não é o significado original ou adequado de trabalho. Esse episódio em Cântico dos Cânticos é um vislumbre de como Deus deseja que a vida seja para nós, quase como se o pecado nunca tivesse acontecido. É como se as palavras de Isaías 65.21 já tivessem sido cumpridas: “Construirão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão do seu fruto”. O Reino de Deus não traz a eliminação do trabalho, mas a restauração da alegria e de relacionamentos agradáveis ​​no trabalho. Veja o artigo Apocalipse e o trabalho no Projeto Teologia do Trabalho para saber mais sobre o trabalho no Reino supremo de Deus.

Paixão, família e trabalho (Cântico dos Cânticos 3.1—8.5)

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Em uma série de canções, o texto descreve o casamento do homem e da mulher e sua união. A mulher anseia pelo homem (Ct 3.1-5) e então ela vem a ele em uma linda liteira (Ct 3.6-11). [1] O homem, usando uma coroa, a recebe (Ct 3.11). Em um casamento israelita, uma noiva chegou em uma liteira cercada por uma escolta (Ct 3.7) e foi recebida por seu noivo, que usava uma coroa. Cântico dos Cânticos 3.11 confirma que este texto celebra “o dia de seu casamento”. [2]

O homem então canta sobre seu amor por sua noiva (Ct 4.1-15) e sua noite de núpcias é descrita em imagens e metáforas vívidas (Ct 4.16—5.8). A mulher então canta sobre seu amor por seu amado (Ct 5.9—6.3) e outra canção sobre a beleza da mulher segue (Ct 6.4-9). O casal então canta sobre seu amor um pelo outro (Ct 6.10—8.4). O texto é francamente sexual, e pregadores e escritores cristãos tendem a evitar o livro ou a alegorizá-lo por preocupação de que seja ousado demais para uma sociedade religiosa piedosa.

Mas o sexo no texto é intencional. Uma canção sobre a paixão entre dois amantes no dia do casamento estaria faltando algo se não mencionasse sexo! E, em Cântico dos Cânticos, o sexo está intimamente ligado à família e ao trabalho. Após o casamento, os amantes criam uma família, a principal unidade de atividade econômica no mundo antigo. Sem sexo, não haveria como aumentar a população de trabalhadores (isto é, crianças). Além disso, a paixão (incluindo o sexo) entre os cônjuges é uma cola que mantém a família unida em meio à prosperidade e à adversidade, à alegria e ao estresse que caracterizam a vida e o trabalho de uma família. Hoje, muitos casais relatam insatisfação com a quantidade de tempo que têm para fazer sexo e fazer amor. Um grande culpado é que um ou ambos os parceiros estão muito ocupados trabalhando. [3] Cântico dos Cânticos deixa claro que uma pessoa não deve deixar que o trabalho afaste o tempo para intimidade e sexo com seu cônjuge.

Ao longo desses versículos, vemos imagens extraídas da paisagem de Israel e sua agricultura e pastoreio. O corpo da mulher é um “jardim” (Ct 5.1). No homem, “suas faces são como um jardim de especiarias” (Ct 5.13). Desfrutando de sua noiva, ele é como um homem que colhe lírios em um jardim (Ct 6.2). Ela é “bela como Jerusalém” (Ct 6.4). “Seu cabelo é como um rebanho de cabras que descem de Gileade” (Ct 6.5). “Seus dentes são como um rebanho de ovelhas” (Ct 6.6). “Seu porte é como o da palmeira” (Ct 7.7). Eles desejam ir para as “vinhas” (Ct 7.12). Ela desperta seu amado “debaixo da macieira” (Ct 8.5). A alegria de seu amor está intimamente ligada ao mundo de seu trabalho. Eles expressam sua felicidade com imagens extraídas do que veem em seus jardins e rebanhos.

Isso sugere que família e trabalho devem estar juntos. Em Cântico dos Cânticos, toda a vida está integrada. Antes da Revolução Industrial, a maioria das pessoas trabalhava com membros da família nas casas em que moravam. Isso ainda é verdade em grande parte do mundo. Cântico dos Cânticos pinta uma visão idílica desse arranjo. A realidade do trabalho doméstico tem sido marcada pela pobreza, pelo trabalho árduo, pela humilhação, por servidão e escravidão, além de relacionamentos abusivos. No entanto, o livro expressa nosso desejo — e o desígnio de Deus — de que nosso trabalho seja tecido na trama de nossos relacionamentos, a começar pela família.

Nas economias desenvolvidas, a maior parte do trabalho remunerado ocorre fora do lar. Cântico dos Cânticos não oferece meios específicos para integrar o trabalho com a família e outros relacionamentos nas sociedades de hoje. Não deve ser encarado como um apelo para que todos nós nos mudemos para o campo e afastemos as raposinhas! Mas sugere que os locais de trabalho modernos não devem ignorar a vida e as necessidades familiares de seus trabalhadores. Muitos locais de trabalho oferecem creches para os filhos dos trabalhadores, desenvolvimento de carreira que respeita as necessidades dos pais, tempo de afastamento para cuidar da família e — em países com assistência médica privada — seguro médico para as famílias dos trabalhadores. No entanto, esses benefícios não estão disponíveis em todos os locais de trabalho, e alguns foram cortados pelos empregadores. A maioria dos locais de trabalho modernos fica muito aquém do modelo de cuidado familiar que vemos em Cântico dos Cânticos. A tendência recente de transferir o trabalho dos escritórios para as residências pode ou não melhorar a situação, dependendo de como são distribuídos custos, receitas, serviços de suporte e riscos.

Cântico dos Cânticos pode ser um convite à criatividade à medida que o ambiente de trabalho do século 21 toma forma. As famílias podem iniciar negócios nos quais os membros da família possam trabalhar juntos. As empresas podem empregar cônjuges juntos ou ajudar um deles a encontrar trabalho ao realocar o outro. Nas últimas décadas, houve muita inovação e pesquisa nessa área, tanto em círculos seculares quanto cristãos — especialmente católicos. [4]

Cântico dos Cânticos também deve aumentar nossa apreciação pelo trabalho não remunerado. Nos lares pré-industriais, há pouca distinção entre trabalho remunerado e não remunerado, uma vez que o trabalho ocorre em uma unidade integrada. Nas sociedades industriais e pós-industriais, muito do trabalho — mas não todo — ocorre fora do lar, na obtenção de um salário para sustentar a família. O trabalho não remunerado que resta a ser feito dentro da família geralmente recebe menos respeito do que o trabalho remunerado feito fora. O dinheiro, em vez da contribuição geral para a família, torna-se a medida do valor do trabalho e, às vezes, até do valor dos indivíduos. No entanto, as famílias não poderiam funcionar sem o trabalho — geralmente não remunerado — de manter a casa, criar os filhos, cuidar de membros da família idosos ou incapacitados e manter as relações sociais e comunitárias. Cântico dos Cânticos retrata o valor do trabalho em termos de seu benefício geral para a família, não de sua contribuição monetária.

Cântico dos Cânticos pode representar um desafio para muitas igrejas e para aqueles que orientam os cristãos, pois é incomum que os cristãos recebam muita ajuda para organizar sua vida profissional. Um número insuficiente de igrejas é capaz de equipar seus membros para fazer escolhas piedosas, sábias e realistas sobre o trabalho em relação à família e à comunidade. Sem dúvida, os líderes da igreja raramente terão o conhecimento prático necessário para ajudar os membros a conseguir empregos ou criar ambientes de trabalho que avancem em direção ao ideal retratado nos Cânticos. Se eu quiser saber como integrar melhor meu trabalho como enfermeira, por exemplo, com meus relacionamentos familiares, provavelmente preciso conversar mais com outras enfermeiras do que com meu pastor. Mas talvez as igrejas pudessem fazer mais para ajudar seus membros a reconhecer o projeto de Deus para o trabalho e os relacionamentos, expressar suas esperanças e lutas e se unir a trabalhadores de áreas semelhantes para desenvolver opções viáveis.

Alegria (Cântico dos Cânticos 8.6-14)

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O amor é sagrado e algo a ser protegido. Não pode ser comprado (Ct 8.7). A mulher compara sua vida amorosa com o marido ao cuidado que ela tem por uma vinha (Ct 8.12), afirmando que, embora Salomão possa ter muitas vinhas para serem cultivadas por seus trabalhadores (Ct 8.11), sua alegria está em poder cuidar de sua própria família. A felicidade não consiste em riqueza ou em ter outros para fazer o trabalho por você; consiste em trabalhar em benefício daqueles que você ama. O amor, portanto, não consiste apenas em expressar emoções, mas também em praticar atos de amor.

Conclusão de Cântico dos Cânticos

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Cântico dos Cânticos nos dá uma imagem ideal de amor e família, vida e trabalho. A alegria no trabalho doméstico compartilhado é uma característica central — quase como se o pecado nunca tivesse acontecido. Em Cântico dos Cânticos, o trabalho tem uma beleza que é integrada a uma vida saudável e alegre. O livro nos mostra um ideal pelo qual devemos nos esforçar. O trabalho deve ser um ato de amor. O casamento e os relacionamentos domésticos devem apoiar o trabalho — e ser apoiados por ele. O trabalho é um elemento essencial da vida conjugal, mas deve sempre servir — e nunca excluir — o elemento mais fundamental de todos: o amor.

Versículos e temas-chave em Cântico dos Cânticos

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Versículos

Tema

Cântico dos Cânticos 1.6 Não fiquem me olhando assim porque estou escura; foi o sol que me queimou a pele. Os filhos de minha mãe zangaram-se comigo e fizeram-me tomar conta das vinhas; da minha própria vinha, porém, não pude cuidar.

O trabalho pode ser usado para controlar e humilhar, mas também torna a pessoa mais forte.

Cântico dos Cânticos 1.8 Se você, a mais linda das mulheres, se você não o sabe, siga a trilha das ovelhas e faça as suas cabritas pastarem junto às tendas dos pastores.

Uma pessoa de valor normalmente será encontrada em seu trabalho.

Cântico dos Cânticos 2.12 Aparecem flores na terra, e chegou o tempo de cantar [tempo da poda] ...

O trabalho foi concebido por Deus para ser um momento de celebração.

Cântico dos Cânticos 2.15 Apanhem para nós as raposas, as raposinhas que estragam as vinhas, pois as nossas vinhas estão floridas.

Para aqueles cujo coração é leve, até o trabalho pode ser um jogo.

Cântico dos Cânticos 6.2 O meu amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de especiarias, para descansar e colher lírios.

O uso de imagens agrícolas para descrever o casamento mostra que os mundos do trabalho e da família estão integrados em um casamento saudável.

Cântico dos Cânticos 8.7 Se alguém oferecesse todas as riquezas da sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado.

O amor e o trabalho que dedicamos à família proporcionam a alegria que a riqueza e o lazer não podem proporcionar.